Acórdão nº 51060913520218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51060913520218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003014028
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5106091-35.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: LUCIA ROSANGELA DA ROCHA RODRIGUES (AUTOR)

APELADO: LOJAS RIACHUELLO SA (RÉU)

APELADO: MIDWAY S.A.- CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: NESTLE BRASIL LTDA. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por LUCIA ROSANGELA DA ROCHA RODRIGUES da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra LOJAS RIACHUELLO SA, MIDWAY S.A.- CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO e NESTLE BRASIL LTDA (Evento 36), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

Posto isto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos. Arcará a parte autora com o pagamento das custas processuais, e honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor da causa, atualizado. Suspendo a exigibilidade em razão da AJG.

Publicada e intimados eletronicamente.

Em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na forma do art. 1010 do CPC.

Em suas razões, a apelante postula a reforma da sentença recorrida, ao argumento de que a corré NESTLE BRASIL LTDA deixou de coligir documentos a evidenciar onde foi entregue a compra que ensejou o lançamento indevido em seu cartão de crédito. Pondera não ter efetuado o pagamento dos valores controvertidos lançados na fatura do seu plástico, o que assevera ter ocasionado refinanciamento da dívida registrada em suas faturas. Salienta que tais parcelamentos decorrem de compra indevida. Destaca que sua tarjeta se encontra bloqueada. Pugna pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00. Pleiteia a anulação da dívida em discussão. Pede provimento (Evento 47).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte apelada (Eventos 55 e 56).

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora (Evento 47) é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 05/07/2022 e findou em 25/07/2022 (Evento 38) e o recurso foi interposto no dia 25/07/2022 (Evento 47). Além disso, a autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 4). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação (Evento 47), a qual passo ao exame.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

No que diz respeito ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços.

A respeito da normatização dos contratos de cartão de crédito, Sergio Cavalieri Filho refere que:

“(...) Embora não exista lei específica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram com o titular do cartão, bem como no pertinente à natureza da sua responsabilidade”1.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, assim como da administradora de cartão de crédito e do estabelecimento comercial é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

“(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”2.

Nesse sentido, vale reproduzir precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

1. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1.197.929/PR, Rel.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 12.9.2011). 2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência desta Corte.

Incidente, portanto, a Súmula 83/STJ.

3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria de fato (Súmula 7/STJ).

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1158721/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018) – grifei.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Na hipótese, a falha na prestação do serviço restou suficientemente caracterizada, bem como a responsabilidade da parte ré pelos fatos narrados na inicial, conforme passo a demonstrar.

Pois bem.

Verifico que a inicial traz hipótese de operações realizadas com o cartão de crédito de titularidade da parte autora, ao que tudo indica, de maneira fraudulenta, pois negada, na inicial, a realização da transação.

Importa destacar que, assim como a instituição financeira administradora do cartão de crédito, o estabelecimento comercial onde ocorreu a compra, também deve responder por eventuais danos causados ao cliente em decorrência de fraudes praticadas por terceiros - risco do empreendimento -, salvo se provar inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor.

Ora, tratando-se de relação de consumo, todos os que fazem parte da cadeia respondem solidária e objetivamente pelos danos causados aos consumidores na prestação dos serviços, nos termos do que estabelece o parágrafo único do artigo do Código de Defesa do Consumidor.

Está é, aliás, a orientação do Superior Tribunal de Justiça decorrente do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, conforme incidente de processo repetitivo, in verbis:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011) - grifei.

Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 479, cujo enunciado, por oportuno, ora transcrevo, in verbis:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por...

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