Acórdão nº 51075801020218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo51075801020218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001717832
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5107580-10.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: HECTOR NUNEZ RODRIGUES (REQUERENTE)

APELADO: COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS PROFESSORES ESTADUAIS DA REGIAO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE (REQUERIDO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por HECTOR NUNEZ RODRIGUES contra sentença proferida nos autos da ação de produção antecipada de provas nº 51075801020218210001 ajuizada em desfavor de COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS PROFESSORES ESTADUAIS DA REGIAO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE, cujo enuncia (Evento 9):

Vistos.

{...}

ISSO POSTO, não evidenciada a necessidade da vinda a juízo, forte no art. 330, III, do CPC, INDEFIRO A INICIAL, condenando o autor ao pagamento das custas processuais, que fica suspensa pela gratuidade a ele já deferida.

Em suas razões (Evento 12), o apelante defende ser cabível a adoção do procedimento previsto no art. 381 e seguintes do CPC para a demanda em questão. Acrescenta que, se o procurador do autor não possui o contrato de empréstimo firmado pelas partes, não terá condições de propor ação revisional. Confirma que enviou notificações extrajudiciais para o réu com a intenção de obter o referido documento. Aduz que o interesse de agir do demandante não perece pelo ajuizamento de procedimento não previsto no diploma processual. Requer, ao final, o provimento do recurso, com o intuito de que seja reformada a sentença extintiva.

Com as contrarrazões (Evento 15), os autos vieram à apreciação desta Corte.

Em razão da adoção do sistema informatizado, os procedimentos ditados pelos artigos 931 e 934, ambos do CPC, foram simplificados, sendo, no entanto, observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Como sabido, o interesse de agir é constituído pelo binômio necessidade-adequação. Sobre o tema, discorre em sede doutrinária Marcos Vinícius Rios Gonçalves (in Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 92):

(...) A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Poder Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda à desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.

A adequação refere-se à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. Por exemplo, o portador de título executivo não tem interesse em um processo de conhecimento. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução do mérito. (...)

No caso concreto, não obstante o nome atribuído pelo demandante à ação, qual seja, “ação de produção de provas”, é flagrante que sua real pretensão era de ajuizar a antiga “ação cautelar de exibição de documentos”, hoje englobada pelo procedimento “da tutela cautelar requerida em caráter antecedente”, previsto no art. 305 e seguintes do CPC/2015, c/c o art. 396 e seguintes, também do CPC/2015, que versam sobre a exibição de documentos como meio de prova.

Isso porque, em nosso ordenamento jurídico, o que define a natureza da ação não é o nomen iuris a ela atribuído, mas sim a pretensão pela parte deduzida. Nessa senda, traz-se à baila julgado desta Corte:

AGRAVO INTERNO (ART. 557, § 1º, DO CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ROTULADA COMO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INICIAL RECEBIDA COMO AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CABIMENTO. CPC, ART. 844, INC. II. CARÁTER SATISFATIVO. DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO DA LIDE PRINCIPAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 806 DO CPC. IRRELEVÂNCIA DO "NOMEM JURIS" ATRIBUÍDO À AÇÃO NA PEÇA INAUGURAL. Contendo a petição inicial pedido de exibição de informações pessoais da parte autora veiculadas no sistema de pontuação instituído em banco de dados mantido pela demandada e o fornecimento do respectivo escore ou pontuação, correto o processamento do feito como ação cautelar de exibição de documentos, de cunho satisfativo. Não é necessário a indicação ou menção da lide principal quando a ação cautelar tem natureza satisfativa. Inaplicabilidade da regra do art. 806 do CPC ao caso concreto. Entendimento consolidado na jurisprudência do egrégio STJ admitindo a fungibilidade entre a cautelar satisfativa e a antecipação de tutela. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70057971822, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 26/02/2014)

Assim, com segurança, conclui-se que não se está diante de ação de produção antecipada da prova.

Com tais considerações, passo à análise do apelo.

Do entendimento de que a ausência de interesse processual por inexistência de comprovação do pedido extrajudicial à compreensão de que o interesse do autor estaria configurado, ainda que ausente a juntada do comprovante de realização do pedido administrativo, houve muita discussão a respeito entre os operadores do Direito.

Recentemente, porém, o STJ colocou uma pá de cal nessa discussão, ao apreciar o Resp nº 1.349.453/MS, processado e julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PEDIDO PRÉVIO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO. NECESSIDADE.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese:

A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária.

2. No caso concreto, recurso especial provido. (REsp 1349453/MS - RECURSO ESPECIAL 2012/0218955-5, Ministro Relator Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014)

No que tange aos motivos que conduziram à substancial alteração de posicionamento em tela, é esclarecedor o voto-vista da Ministra Maria Isabel Gallotti. Dele permito-me reproduzir elucidativa passagem, assim vazada:

(...) Também inspiram essa reflexão as ponderações que fiz em voto proferido por ocasião do julgamento do REsp 1.231.027/PR, em que examinado o crescente número de ações de prestação de contas, fenômeno caracterizador do surgimento de "indústria de processos" quanto àquela matéria, o que parece se repetir com o presente tema, e que talvez esteja implícito na gênese do equivocado entedimento do Tribunal de origem limitador da ação autônoma de exibição de documentos:

Transportando esses fundamentos para as ações cautelares de exibição de documento, em que apenas se pretende a segunda via de contratos ou extratos bancários, anoto ser inconteste que os bancos já enviam periodicamente extratos, sendo franqueado igualmente o acesso gratuito aos lançamentos em conta bancária por meio da internet. Se não houver a iniciativa de seu cliente de pedir na agência de relacionamento, pelos canis adequados, a emissão de segunda via dos documentos já fornecidos, não há com se considerar configurada a resistência do banco e, portanto, do interesse de agir que justifique a movimentação do Poder Judiciário para a solicitação dos documentos comuns.

Não pairam dúvidas de que a relação entre os bancos e seus correntistas é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Igualmente, é indisputável que o contrato e os extratos são documentos comuns e que o banco tem o dever de fornecê-los ao cliente, quantas vezes for solicitado. Mas o banco não pode adivinhar que determinado cliente deseja a segunda, a terceira ou a quarta via de tal ou qual documento. Não é razoável que o pedido seja feito diretamente perante o Judiciário, sem que tenha sido solicitado extrajudicialmente ao banco. Assim, é pressuposto para configurar o interesse de agir a demonstração de que o banco, ciente da pretensão, não se dispôs a fornecer os documentos em tempo hábil. Tal demonstração pode decorrer de negativa explícita ou da mera omissão em fornecer os documentos que lhe tenham sido requeridos, pelos canais de relacionamento adequados, nos termos contratuais e da regulamentação da autoridade monetária.

Penso, portanto, que o interesse de agir é condição da ação cautelar de exibição de documentos e ele estará evidenciado se o autor demonstra a recusa ou a inércia da instituição financeira em fornecer, em tempo hábil, os documentos comuns, após cientificada da pretensão. (...)

O entendimento em questão, em que pese recente o julgamento do Resp nº 1.349.453/MS pelo STJ, já vinha sendo adotado por este Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Verificado o interesse de agir da autora na propositura da ação cautelar de exibição de documentos. Pedido não atendido na esfera extrajudicial. Exibição da documentação objetivada somente em juízo. Procedência da demanda mantida. A imposição de multa cominatória é descabida em ação cautelar de exibição. Precedentes do STJ. Súmula nº 372 do STJ. Ônus sucumbenciais mantidos. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA (Apelação Cível Nº 70054250139, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 26/06/2013)

Ação cautelar de exibição de documento. Contrato de financiamento bancário. Ausência de solicitação...

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