Acórdão nº 51078141020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 18-07-2022
Data de Julgamento | 18 Julho 2022 |
Órgão | Quinta Câmara Criminal |
Classe processual | Agravo de Execução Penal |
Número do processo | 51078141020228217000 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002309065
5ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Execução Penal Nº 5107814-10.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Extorsão mediante seqüestro (art. 159)
RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL
AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO agrava da decisão proferida no 2º JUIZADO DA 1ª VEC DE PORTO ALEGRE que determinou fosse retificado o RSPE de IUJANAA ROBERTO DOS SANTOS SILVEIRA para afastar a hediondez do crime de tráfico de drogas, reduzir os percentuais aplicados à pena imposta ao delito para fins de progressão de regime e excluir a anotação da reincidência específica.
Aponta para a impossibilidade do afastamento da hediondez do crime de tráfico ilícito de drogas com base no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Federal, bem como no artigo 112, incisos V e VII da Lei de Execução Penal. Prequestiona a matéria.
Oferecida contrariedade.
A decisão foi mantida.
Parecer pelo provimento.
Este o relatório.
VOTO
Esta a decisão agravada:
Vistos. (...) 2- Pelos motivos que passo a expor, considerando que se trata de apenado primário, há que ser retificado o RSPE no tocante ao delito de tráfico de drogas para 16% (primário) para fins de progressão de regime (retificado o RSPE nesse ponto via assessoria deste juízo). A Constituição Federal – artigo 5º não dispõe quais crimes são considerados hediondos, limitando-se a expôr que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível de graça e anistia: “XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;” Coube, portanto, a Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o rol taxativo: “Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII); -A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; II – roubo: a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V); b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B); c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º); III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º); IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159,caput, e §§ lo, 2o e 3o); V – estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º) VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º). VII-A – (VETADO) VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273,caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum ( art. 155, § 4º-A) Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: I – o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956; II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; IV – o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.” Nota-se que na redação da referida lei, o tráfico de drogas (artigo 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) não está elencado, mesmo depois da alteração legislativade 2019, que incluiu como hediondo o roubo com emprego de arma de fogo entre outros.A antiga redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018 - revogadapela Lei nº 13.964, de 2019 – fazia a equiparação do tráfico com a hediondez para fins de progressão de regime nos seguintes termos: Artigo 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto; II – fiança § 2º: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) Com a revogação do referido dispositivo (parágrafo 2º do artigo 2º), não remanesce nenhum comando legalpara equiparação do tráfico ao delito hediondo, salvo a vedação contida no artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos que reproduziu a Constituição Federal para impedir a fiançae ser insuscetível de graça e anistia. A nova redação da Lei nº 13.964, de 2019 – repito – revogou o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) assim dispõe: “Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. A Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) ao revogar expressamente o dispositivo que equiparava a hediondez do tráfico de drogas como delito hediondo para fins de progressão de regime, expôs os critérios de progressão no artigo 112 da Lei n. 7.210/ 1984 (Lei de Execução Penal), diferenciando frações para os delitos hediondos ou “equiparados”, sem mencionar quais seriam os delitos “equiparados”. Nenhuma legislação elenca quais delitos são equipados aos hediondos: Constituição Federal, Lei dos Crimes Hediondos, Lei de Execuções Penais ou a Lei de Drogas. Todas restaram omissas, não podendo o Poder Judiciário fazer uma interpretação extensiva no ponto, sob pena de sucumbirmos princípios basilares da democracia como os princípios da legalidade e da anterioridade. Nesse sentido, oportuno transcrever os incisos XXXIX e XL do artigo 5º da Constituição Federal: “XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;” Pesquisando sobre o assunto, verifiquei artigo publicado pelos Defensores Públicos do Mato Grosso, Érico Ricardo da Silveira e Felipe de Mattos Takayassu, que ilustraram com maestria o tema aqui exposto (acessado em 04/10/2021 – disponível em https://www.conjur.com.br/2021-mai-18/ tribuna-defensoria-trafico-drogas-progressao-regime-delito-comum): “O princípio/regra da reserva legal na esfera penal (art. 5º, XXXIX, CF[10] e art. 1º, CP[11]), lido na sua esfera mais ampla e teleológica, impede não somente a tipificação de delitos (preceito primário e secundário), mas também o agravamento das condições de cumprimento da pena (ex. critérios de progressão de regime), senão por lei formal. Nesse sentido, o caráter hediondo de um delito (ou sua equiparação), considerando as repercussões penais dessa qualidade, somente pode ser etiquetado pelo legislador, em rol expresso e taxativo. Ademais, o constituinte (art. 5º, XLIII, CF/88) e o legislador (art. 2º, §2º, da Lei nº 8.072/1990), ao colocarem os delitos de “tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo” ao lado... |
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