Decisão Monocrática nº 51119823720218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 02-09-2022

Data de Julgamento02 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo51119823720218210001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003094611
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5111982-37.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ITCD - Imposto de Transmissão Causa Mortis

RELATORA: Desembargadora DENISE OLIVEIRA CEZAR

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: MARIA CELESTE SEVERO CUNHA (Inventariante) (IMPETRANTE)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: MARISA SEVERO CUNHA (Sucessor) (IMPETRANTE)

APELADO: SARAH SEVERO CUNHA (Espólio) (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra a decisão monocrática (evento 9, DOC1) que, nos autos do mandado de segurança impetrado por SARAH SEVERO CUNHA (Espólio) contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL, negou provimento ao apelo manejado pelo ente estatal e manteve a sentença concessiva da ordem, a qual reconheceu a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores de VGBL.

Em suas razões (evento 19, DOC1), o Estado sustenta que a questão em debate não está pacificada nas Cortes Superiores, o que afastaria a aplicação do art. 926 do CPC. Refere que, diante do reconhecimento de repercussão geral pelo STF sobre a incidência do ITCMD sobre o plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGLB) na hipótese de morte do titular, o Superior Tribunal de Justiça tem determinado a restituição dos recursos especiais do Estado à 1ª Vice-Presidência desta Corte, para que se aguarde o julgamento do STF. Argumenta que, inobstante os inúmeros precentes contrários do TJRS, o ERGS continua a sustentar a natureza de contrato de investimento financeiro do VGBL, em razão das decisões da Corte Superior que ordenam a inclusão dos valores da aplicação na partilha de bens. Cita julgados a amparar sua tese. Reafirma o caráter de fundo de investimento do VGBL, em razão de ser administrado instituições financeiras ou seguradoras que antecipa o patrimônio do de cujus com caráter testamentário e, como tal, deve sofrer a incidência do ITCMD. Discorre novamente sobre a legislação aplicável à espécie e conclui que o ITCMD recai sobre "valores, de qualquer natureza" e por isso, incide sobre o VGBL. Assevera que não se está diante de seguro de vida, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 794 do Código Civil à hipótese dos autos. Aduz que os precedentes referidos na decisão monocrática não analisam a legislação aplicável pelo VGBL e, ao final, requer o provimento do recurso.

Não foram apresentadas contrarrazões.

Remetidos os autos, vieram conclusos para julgamento.

É o breve relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Irresigna-se a agravante diante da decisão que negou provimento ao recurso interposto em desfavor do espólio de Sarah Severo Cunha.

Inicialmente, importante salientar que não houve qualquer ilegalidade na decisão monocrática recorrida. No caso dos autos, o decisum está de acordo com a jurisprudência consolidada neste E. Tribunal e nas Cortes Superiores.

Para evitar desnecessária tautologia, reporto-me aos fundamentos proferidos no evento 9, DOC1:

Julgo monocraticamente o recurso e a remessa necessária, porquanto há entendimento consolidado nesta Corte e no e. STJ sobre o tema (artigo 206, XXXVI, do RITJRS e Súmula 568 do e. STJ).

Cumpre definir se incide o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD sobre o valor do VGBL - Vida Gerador de Benefícios Livres.

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD tem como fator gerador, nos termos da Lei Estadual nº 8.821/89, que o instituiu, a transmissão causa mortis e a doação da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos, conforme art. 2º, in verbis:

Art. 2º - O imposto tem como fato gerador a transmissão "causa mortis" e a doação, a qualquer título, de:

I - propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos;

II - bens móveis, títulos e créditos, bem como dos direitos a eles relativos.

Assim, como bem pontuou o Magistrado a quo, "o ITCD é um imposto estadual devido por toda pessoa física ou jurídica que recebe bens ou direitos a título de herança (em razão da morte do antigo proprietário) ou doação."

Ocorre que, segundo a Superintendência de Seguros Privados, o "VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) e PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal - que poderá ser vitalícia ou por período determinado - ou um pagamento único. O primeiro (VGBL) é classificado como seguro de pessoa, enquanto o segundo (PGBL) é um plano de previdência complementar."1(grifei)

E, tratando-se de seguro de vida, o Código Civil é claro ao vedar seja considerado herança, conforme dispõe em seu artigo 794:

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Por isso, a jurisprudência uniforme do e. STJ e desta Corte vem proclamando a não-incidência do tributo em tela sobre o os valores oriundos de seguro VGBL, como se verifica dos julgados a seguir colacionados:

AgInt no AREsp n. 1.676.655/RS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 25/2/2022

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ITCMD. VGBL. NATUREZA DE SEGURO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 794 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO.
1. O Tribunal de origem negou provimento ao recurso interposto pela parte ora agravante por entender que as aplicações em VGBL se caracterizariam como seguro de pessoas, segundo a Superintendência de Seguros Privados - Susep, não se enquadrando nas hipóteses de incidência do tributo previstas no art. 2º da Lei estadual n. 8.821/1989, que trata das hipóteses de incidência do imposto - ITCD.
2. Há recentes decisões monocráticas, em ambas as Turmas da Primeira Seção, que negaram provimento ao recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul, em casos análogos, reconhecendo que o "denominado plano VGBL, nos termos do art. 794 do Código Civil, tem natureza de contrato de seguro de vida, não integrando o acervo hereditário do de cujus, para todos os fins de direito, o que afasta, por consequência, a incidência do ITCMD" (AREsp 756.611/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 22/2/2021). A propósito: AREsp 1.766.626/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 6/5/2021; REsp 1.904.243/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 23/2/2021; e AREsp 1.755.009/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 17/12/20.
3. Precedente recente da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça de que com a morte do segurado, sobreleva o caráter securitário do plano VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em favor do terceiro beneficiário, como deixa expresso o art. 79 da Lei 11.196/2005. (REsp n. 1.961.488/RS, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe de 1711/2021).
4. Agravo interno a que se nega provimento.

RESP N. 1.961.488/RS, RELATORA MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 16/11/2021, DJE DE 17/11/2021

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ITCMD. VALORES RECEBIDOS POR BENEFICIÁRIO DE PLANO VGBL INDIVIDUAL - VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE, EM DECORRÊNCIA DA MORTE DO SEGURADO. NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 280 E 284/STF E 5 E 7/STJ. NATUREZA LEGAL DA CONTROVÉRSIA. PLANO VGBL. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITCMD. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, objetivando reconhecer a "inexigibilidade da inclusão do seguro de vida VGBL em nome do falecido em sua sobrepartilha e da cobrança do ITCD sobre o seguro". O Juízo singular concedeu a segurança, "para, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL, determinar que o impetrado se abstenha de incluir estes valores na base de cálculo" do tributo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença.
III. No acórdão recorrido não houve discussão e decisão fundamentada a respeito da legislação estadual que dispõe sobre o ITCMD. O aresto impugnado extraiu sua conclusão a partir apenas da interpretação do art. 794 do CC/2002 - que dispõe que o seguro de vida não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança, para todos os efeitos de direito - e do conceito de VGBL Individual - Vida Gerador de Benefício Livre constante do site da SUSEP. No acórdão recorrido, o Tribunal de origem apenas transcreve o art. 1º do Decreto estadual 33.156/89, mas o faz lateralmente, en passant, sem sobre ele emitir qualquer consideração ou dele extrair qualquer fundamentação que o levasse a negar provimento à Apelação do Estado do Rio Grande do Sul. Em termos lógicos, o acórdão recorrido está estruturado em três premissas: i) o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis, isto é, sobre os bens que se transmitem pela sucessão hereditária; ii) o art. 794 do CC/2002 estabelece que o seguro de vida, para todos os efeitos, não se considera herança; e iii) o VGBL consiste em seguro de vida. É da conjugação dessas três premissas que a Corte extraiu a conclusão de que o VGBL não pode ser tributado pelo ITCMD. Revela-se patente, pois, que a discussão central do presente feito gira em torno da correta interpretação do art. 794 do CC/2002, dispositivo que o Tribunal de origem fez incidir, na espécie, e que o Estado do Rio Grande do Sul pretende afastar, no Recurso Especial.
IV. Poder-se-ia cogitar da incidência da...

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