Acórdão nº 51129795420208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51129795420208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001943031
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5112979-54.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

APELANTE: BANCO SANTANDER S/A (RÉU)

APELANTE: PAGSEGURO INTERNET S.A. (RÉU)

APELADO: MARLON AYRES FETZER (AUTOR)

RELATÓRIO

MARLON AYRES FETZER ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais em face de BANCO SANTANTER BRASIL S/A, AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO e INVESTIMENTO S/A e PAGSEGURO INTERNET S/A., alegando que adquiriu de Tatiane Feliz, em 26.06.2018, por meio de contrato de compra e venda, o veículo de placa EPG1100. Relatou que o veículo era garantia de alienação fiduciária contratada com o demandado AYMORÉ CRÉDITO E FINANCIAMENTO, sendo ajustado no contrato que os valores financiados seriam quitados pelo adquirente, com a transferência realizada depois. Noticiou que, em 14.09.2020, contando com recursos para a quitação do contrato, disse que ter entrado com contato a ré Aymoré por meio de telefone que constava no boleto do financiamento – 40049090 – a fim de obter os valores para a quitação do contrato. Disse que depois do atendimento foi indicada a possibilidade de remessa do código de barras para a quitação dos valores contratados, sendo então solicitado o envio de boleto, por segurança. Informou ter sido orientado então a fazer contato por aplicativo de mensagens a partir do telefone 011 93777.4519. Referiu que o boleto foi remetido no mesmo dia, 15.09.2020, sendo ele quitado na Caixa Econômica Federal. Salientou que, em 22.09.2020, esteve no DETRAN para obter informações sobre a transferência, quando então noticiaram que ainda havia débito contratual impedindo a realização da mesma. Mencionou que contatado o banco, foi remetido o comprovante de pagamento, quando então houve a menção a Pagseguro. Defendeu que o erro foi gerado a partir de atendimento e do site mantido pelo banco, que deixou de oferecer a segurança necessária em relação ao pagamento realizado e sua destinação. Disse que os réus são responsáveis solidários diante da fraude praticada – Súmula 479/STJ – e que devem ser condenados ao reembolso do valor pago, em dobro, R$ 29.516,12 (...), mais ao pagamento de indenização por danos morais.

Sobreveio sentença de parcial procedência da ação, para o fim de condenar os réus, solidariamente, ao reembolso da quantia de R$ 14.758,06 (...), com correção monetária conforme a variação do IPCA-E, desde 16.09.2020, mais juros de mora de 12% ao ano, a contar data citação. Em razão do resultado do julgamento, condenou a parte ré, de forma solidária, ao pagamento de metade das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos para o patrono do autor, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Por outro lado, condenou o autor ao pagamento do restante das custas processuais e dos honorários advocatícios dos procuradores dos réus, arbitrados em 10% sobre o valor equivalente a metade do valor da causa atualizado desde a data do ajuizamento conforme a variação do IPCA-E, cuja exigibilidade resta suspensa em face da gratuidade de justiça deferida ao demandante (evento 59).

A ré PAGSEGURO apelou aduzindo que o autor foi vítima de uma fraude praticada por terceiro, que somente foi concretizada por culpa do consumidor, ao realizar o pagamento de um boleto enviado fora do ambiente virtual do apelante. Disse que por ser o intermediador do pagamento, consta como beneficiário de todos os boletos, sendo que recebe os valores e os repassa para as contas dos respectivos vendedores, beneficiários de fato dos valores pagos, não tendo conhecimento que a conta era utilizada para atos ilícitos. Mencionou a necessidade de se conferir os dados do pagamento. Requereu, por fim, o provimento do recurso (evento 69).

Os réus AYMORÉ e BANCO SANTANDER apelaram aduzindo que a sentença deve ser reformada uma vez que se ignorou que o pagamento realizado pelo autor não foi recepcionado pela instituição financeira, sendo que os documentos colacionados nos autos evidenciam que o demandante não procurou os canais oficiais disponibilizados aos clientes para proceder com a quitação do contrato. Asseveraram que o autor concretizou a supostas tratativas via “whatsapp”, informando ao fraudador nome, CPF, dados relativos ao veículo financiado, tornando assim possível a realização da fraude, demonstrando a culpa exclusiva do consumidor. Salientaram que a instituição não consta como beneficiária do pagamento. Defenderam não ter praticado ato ilícito e que não há prova dos danos materiais experimentados. Subsidiariamente, pugnaram a alteração do termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios para a data da publicação da sentença. Requereram, assim, o provimento do recurso (evento 71).

A parte autora apresentou contrarrazões (evento 76).

Os auto vieram conclusos em 07 de fevereiro de 2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação através da qual a parte autora alega ter sido vítima de fraude quando da solicitação de boleto para pagamento de saldo de contrato de financiamento de veículo e quando do pagamento do mesmo, circunstâncias que lhe causaram danos materiais e morais, julgada parcialmente procedente na origem.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Inicialmente, impende ressaltar que a relação existente entre as partes é de consumo e, portanto, submetida ao regramento do CDC, incidindo, no caso em apreço, o artigo 14, caput, que trata da responsabilidade objetiva dos prestadores de serviços, dispondo a respeito dos danos causados aos consumidores e, ainda, o parágrafo 1º, que trata do serviço prestado sem a devida segurança, ipsis litteris:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A responsabilidade objetiva das instituições financeiras em caso de fortuito interno é reforçada pelo que dispõe a Súmula nº 479 do STJ, sic:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

No caso em apreço, não vejo como afastar a responsabilidade dos demandados pelo prejuízo material sofrido pelo autor ao ter sido vítima de estelionatários que disponibilizaram boleto de pagamento falsificado.

Isso porque, pelo que se verifica dos autos, o autor entrou em contato com o telefone informado no próprio carnê de pagamento - 40049090 - seguindo a orientações que lhe foram repassadas (entrar no site do banco e tratar o assunto da quitação pelo whatsapp do nº 011 937774519).

Ademais, analisando as conversas mantidas através do aplicativo é possível constatar que o autor informou apenas o CPF e o número do contrato (evento 01 doc 09), enquanto que o boleto emitido constava todos os demais dados, como endereço do pagador e o valor necessário para quitação (evento 01 doc 12), o que leva a crer que o estelionatário teve acesso aos dados a respeito da operação contratada, os quais deveriam ser protegidos pelos demandados.

Nesse norte, destaca-se que o fortuito interno não ocorre apenas através dos canais virtuais das instituições, mas também pela utilização de dados das operações de clientes, cuja guarda é de responsabilidade das instituições e seu vazamento evidencia a negligência com cuidados básicos e configura o fortuito interno, atraindo a incidência da Súmula nº 479 do STJ.

Acrescente-se que o fato de as instituições financeiras AYMORÉ e/ou BANCO SANTANDER não figurarem como beneficiárias do valor pago pelo autor não leva à conclusão de que o demandante não foi diligente na conferência do que pagou, pois não se pode exigir que o consumidor tenha conhecimento de todos os detalhes das operações financeiras realizadas pelos bancos. Assim como o contrato foi firmado com a financeira AYMORÉ, mas os contatos foram realizados com o BANCO SANTANDER, ambos pertencem ao mesmo conglomerado econômico, isso poderia acontecer com o PAGSEGURO aos olhos hipossuficientes do consumidor.

Por outro lado, no que se refere à responsabilidade do PAGSEGURO, em razão da identidade fática, transcrevo o que restou decidido por ocasião do julgamento da AC 5005685-53.2020.8.21.0029, de relatoria da eminente Desa. ELISABETE CORREA HOEVELER, ipsis litteris:

Tangente a Pagseguro S/A, contudo, consta como beneficiária do valor do boleto em questão, como está expresso, de forma clara, no comprovante de pagamento constante do evento 1, COMP8. Sustenta a indigitada empresa que o valor favoreceu seu suposto cliente Guilherme Luiz Dias Araújo.

Ocorre que a Pagseguro S/A não logrou comprovar ter agido como mera intermediadora, sendo que não demonstrou a legitimação para essa referida terceira pessoa física receber o valor. As telas trazidas no bojo da contestação, por si sós, nada convencem a respeito do redirecionamento do...

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