Acórdão nº 51141879120218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51141879120218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002256849
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5114187-91.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Doctor Clin - Operadora de Planos de Saúde Ltda. interpôs o presente agravo de instrumento contra a decisão que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por Luan Costa Perusso e Magali Moreira Perusso, deferiu a tutela de urgência, nos seguintes termos:

Vistos.

Defiro o benefício da assistência judiciária gratuita.

Trata-se de ação de obrigação de fazer, na qual a parte autora postula, em sede de antecipação de tutela, seja a parte ré compelida a autorizar-lhe a realização de terapias diversas em razão de sua condição de portador de transtorno do espectro autista, principalmente, a terapia/treino comportamental ABA, que foi negada pela ré.

Examino.

Entendo possa ser deferido o pedido.

Com efeito, para que seja concedida a antecipação de tutela faz-se necessário que estejam preenchidos os requisitos da verossimilhança das alegações e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Diante da documentação juntada aos autos, tenho que tais requisitos restaram devidamente preenchidos.

Os documentos e laudos médicos juntados pela parte com a inicial, demonstram claramente a necessidade de realização dos tratamentos pretendidos, inclusive, com a utilização das técnicas e materiais postulados.

A negativa do plano, conforme referido pela parte autora, foi efetuada por telefone, não havendo comprovação.

Entretanto, não é crível que a parte ingressasse com o feito se não tivesse ocorrido tal negativa, ao menos de um dos tipos de terapia, como referiu, tendo em vista o princípio da boa-fé do processo e colaboração entre as partes.

Ocorre que, havendo previsão de cobertura para a doença que originou a necessidade dos tratamentos, técnicas e materiais pretendidos, e não estando a enfermidade excluída do rol da ANS, o seu fornecimento pelo plano de saúde réu é medida que se impõe, uma vez que cabe ao médico que assiste a parte autora indicar de que forma tal doença deverá ser tratada.

Saliento, ademais, a possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação também se encontra presente, em face da urgência com que o autor necessita se submeter a tratamento, não podendo, de forma alguma, aguardar o término da presente demanda, sem que reste colocada em risco a sua saúde.

Desse modo, há de ser concedida a tutela antecipatória ao autor, pois, em juízo de cognição sumária, há de se concluir pela regularidade do fornecimento dos tratamentos, técnicas e materiais pretendidos, devendo o plano dar a respectiva cobertura.

Assim, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, determinando à ré DOCTOR CLIN que custeie/forneça cobertura pelo plano de saúde, aos tratamentos médicos requeridos ao autor, quais sejam: a) psicoterapia uma vez por semana para alinhamento das estratégias comportamentais e orientação parental sistemática; b) terapia ocupacional com intuito de integração sensorial duas vezes por semana; c) terapia fonoaudiológica duas vezes por semana; d) musicoterapia uma vez por semana; e) terapia em Análise do Comportamento Aplicada (ABA), prescrevendo 30 horas semanais desta terapêutica e; f) acompanhamento semestral com neurologista pediátrica, devendo, por ora, serem mantidos os profissionais que já atendem o autor, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00.

Oficie-se

Intime-se a parte autora por seu advogado, na forma do art. 334, § 3º, do CPC.

Cite-se, com as advertências do art. 335 do CPC.

Intime-se a parte ré para cumprimento, com urgência.

Cumpra-se, com urgência.

Ainda, tendo em vista se tratar de menor de idade, dê-se vista ao Ministério Público.

Diligências legais.

Sustenta a petição recursal que não houve comprovação do risco iminente, apenas há menção que quanto mais se espera para tratar, mais difícil o tratamento se torna e, para uma criança de dois anos, cada dia sem o tratamento representa um passo na cristalização no quadro de espectro autista e um afastamento na possibilidade de comunicação com o semelhante. Assevera que o tratamento pretendido pela parte autora, ora agravada, possui Diretriz de Utilização – DUT, conforme o CID 10 F84 e CID F84.0, previsto no rol de coberturas da ANS, ou seja, existe uma limitação legal. Defende que, superada a limitação legal, há ainda a limitação contratual, na qual preceitua que a operadora dará cobertura médica aos seus beneficiários, com profissionais credenciados e não terceiros, escolhidos ao bel prazer dos beneficiários. Alega que a agravante autorizou as terapias e consultas requeridas dentro de sua rede credenciada, visto que, conforme demonstrado, sequer negou atendimento ao agravado, apesar da terapia ABA não estar prevista no rol da ANS. Refere que o método não consta elencado no Rol de Procedimentos vigente devido ao fato de não se tratar de um procedimento ou evento em saúde, mas de uma técnica específica. Advoga que a assistência na escola não está prevista dentre as coberturas de saúde e que a médica que elaborou o laudo não informou com qual profissional deseja que seja instituído a terapêutica. Desse modo, refizemos o questionamento para esclarecimentos por parte da profissional.

Requer a concessão de efeito suspensivo e o provimento do agravo.

Distribuídos os autos, foi indeferido o efeito suspensivo ativo (Evento 04).

Interpostos embargos de declaração, foram acolhidos, em parte, sem efeitos infringentes (Evento 20).

Intimados, os agravados não apresentaram as contrarrazões (Evento 15).

Ouvido, o Ministério Público opinou pelo provimento do recurso (Evento 49).

É o relatório.

VOTO

O agravo é tempestivo. O preparo foi comprovado no Evento 55.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência, no sentido de determinar que a operadora do plano de saúde, ora agravante, custeie os tratamentos multidisciplinares indicados ao ora agravado, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00.

Pois bem. De acordo com a redação do art. 300, caput, do CPC, para a concessão da tutela de urgência se mostra necessária a presença dos seguintes pressupostos: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Sobre a matéria, Ester Camila Gomes Norato Rezende (in Primeiras Lições Sobre o Novo Direito Processual Civil Brasileiro, Coordenadores: Humberto Theodoro Júnior e outros, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015, p. 196), assevera que:

(...)

A opção do legislador simplifica, pela unificação, a tratativa teórica dos requisitos das espécies de tutela de urgência, alinhando ao que por vezes se verifica na prática forense, em que comumente se perquire acerca da probabilidade do direito tanto para concessão de medida cautelar quanto para o deferimento de tutela antecipada.

Anote-se, porém, que se entendendo “probabilidade do direito” como “probabilidade do direito material em debate” e não como “probabilidade do direito de ação” (concepção tradicional da fumaça do bom direito para concessão de medidas cautelares), pelo ponto de vista teórico ter-se-á maior rigor para o deferimento de provimentos cautelares, em comparação ao que tradicionalmente preconiza a doutrina quanto ao conceito de fumus boni iuris no Código de Processo Civil de 1973.

Em relação ao requisito de urgência, também designado perigo da demora (periculum in mora), impende ter em vista que se encontram expostos a riscos de danos no processo o direito material, cuja satisfação se reclama, bem como o próprio método empregado pelo Estado no exercício da jurisdição, qual seja, o processo em si.

No caso concreto, em sede de cognição sumária, tenho que estão presentes os requisitos necessários para a concessão da tutela provisória postulada.

Isso porque os documentos médicos que instruíram a petição inicial da demanda comprovam a probabilidade do direito do agravado, de apenas dois anos de idade, o qual foi diagnosticado com autismo, sendo indicada a realização dos tratamentos multidisciplinares em questão.

Nessa linha, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de...

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