Acórdão nº 51156019020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, 02-12-2022

Data de Julgamento02 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo51156019020228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003024191
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5115601-90.2022.8.21.7000/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 4517389-66.2010.8.21.1001/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Juiza de Direito ANDREIA NEBENZAHL DE OLIVEIRA

EMBARGANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

EMBARGADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes opostos por CARLOS ADRIANO DA SILVA, em razão de acórdão proferido pela Primeira Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, no agravo de execução penal nº 5115601-90.2022.8.21.7000/RS, que, por maioria, cassou a prisão domiciliar concedida ao apenado, vencido o ilustre Des. Jayme Weingartner Neto, cujo voto negava provimento ao agravo (evento 12, DOC1).

Em razões, pretende o embargante a prevalência do voto dissonante (evento 21, DOC1).

Em parecer, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e rejeição dos embargos (evento 31, DOC1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Julgadores.

Por meio dos presentes embargos infringentes, o recorrente traz à apreciação deste Grupo Criminal a divergência dos julgadores relativamente à possibilidade de manutenção da prisão domiciliar concedida na origem

Eis o voto o da maioria, de lavra do eminente Desembargador Sylvio Baptista Neto, o qual foi acompanhado pelo ilustre Desembargador Manuel José Martinez Lucas:

Divergindo do ilustre Relator, vou dar provimento ao agravo, para cassar a decisão da concessão da prisão domiciliar.

Se já é discutível a fundamentação da concessão do benefício por ausência de vagas, a justificativa judicial então nem se fala. Aliás, nem discutível ela o é, pois a prisão domiciliar está acontecendo por desobediência da Susepe e não por falta de vagas:

"Considerando as delongas da Susepe para remoção do apenado ao regime semiaberto, (grifei) determino a sua inclusão em monitoramento eletrônico, até a superveniência de vaga em estabelecimento de regime intermediário."

Se Administração da Susepe não cumpre ordens judicias, vamos processar os responsáveis pela desobediência, mas não deixar de executar as penas decorrentes de condenações.

Quando digo que magistrados gaúchos levaram à execução das penas de apenados ao nível da esculhambação, ainda há que "torce o nariz".

Prosseguindo no voto e como se a decisão tivesse algum valor jurídico, insisto em dizer que o agravo procede. É incabível a inclusão do apenado no sistema de monitoramento eletrônico por ausência de vagas no regime semiaberto ou por desobediência da Susepe.

Inicialmente, destaco o que enuncia a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal: "A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS."

Em recurso representativo de controvérsia, cumprindo as determinações do artigo 1.036 do Código de Processo Civil e da Resolução 8 do Superior Tribunal de Justiça, a Terceira Seção daquela Corte, através do julgamento no Recurso Especial 1.710.674, julgado no dia 22 de agosto de 2018 e publicado no DJE de 3 de setembro do mesmo ano, obrigatoriamente determinou:

“A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar, porquanto, nos termos da Súmula Vinculante n° 56, é imprescindível que a adoção de tal medida seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE n° 641.320/RS, quais sejam: (I) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir; (II) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; e (III) cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou estudo aos sentenciados em regime aberto."

No caso em tela, nem de longe a decisão judicial examinou todos os requisitos citados antes. Até porque, parece, a sua intenção "era punir a Susepe" pelo não atendimento de sua decisão, esquecendo que a execução de penas é do interesse da sociedade.

Assim, nos termos supra, voto por dar provimento ao agravo, para anular a concessão da prisão domiciliar.

O Relator, o nobre Desembargador Jayme Weingartner Neto, por sua vez, proferiu o seguinte voto:

O apenado CARLOS ADRIANO DA SILVA, PEC nº 4517389-66.2010.8.21.1001, cumpre pena privativa de liberdade fixada em 71 anos e 09 meses de reclusão pela prática dos crimes de homicídio qualificado (duas vezes), roubo majorado e ocultação de cadáver.

Resta configurada, no caso em apreço, a ilegalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a manutenção de condenado em regime mais gravoso, como no caso dos autos, por inexistência de estabelecimento prisional compatível, viola os princípios da individualização da pena e da legalidade.

A inclusão do agravado no sistema de monitoramento eletrônico, portanto, decorre da proporcionalidade e da razoabilidade inerentes à atividade jurisdicional, consideradas as peculiaridades do sistema prisional. Evidentemente mais adequada a colocação em condição excepcional de cumprimento da pena daqueles presos que estão mais perto da reinserção social, que já galgaram progressão a regime mais brando.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 641.320 em 11 de maio de 2016, concluiu que a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, determinando que os juízes da Execução, nestes casos, na falta de alternativas, concedam aos apenados o benefício da saída especial ou da prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico.

Em 29 de junho de 2016, o Plenário do STF aprovou a Súmula Vinculante nº 56, com a seguinte redação: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320.

As diretrizes exigidas para concessão da prisão domiciliar já constavam do Recurso Extraordinário nº 641.320/RS e, por consequência, da Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal, firmando jurisprudência no sentido da possibilidade de concessão de prisão domiciliar aos apenados que ingressem no regime semiaberto/aberto diante da ausência de vagas para o cumprimento da pena.

No caso concreto, a decisão do Magistrado a quo não contraria a Súmula Vinculante ou o julgado do STJ, pois o agravado está inserido neste contexto de ausência de vagas aos presos do regime semiaberto vinculados à VEC da Capital, incompetente, o Juízo a quo, por decidir sobre progressão de regime.

Ainda, destaca-se que, entre março de 2022, quando concedida a saída especial, e setembro de 2022, quando está sendo realizado o julgamento do presente o agravo, não há notícia de reiteração delitiva ou descumprimento das condições do benefício, devendo ser mantida a decisão que sanou a ilegalidade sofrida pelo reeducando.

A manutenção do preso na situação em que se encontrava configuraria a ilegalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a manutenção de condenado em regime mais gravoso, como no caso dos autos, por inexistência de estabelecimento prisional compatível, viola os princípios da individualização da pena e da legalidade.

Observo, neste contexto, que a inclusão do apenado no sistema de monitoramento eletrônico, ainda que desamparada das hipóteses legalmente previstas no artigo 146-B da Lei de Execução Penal, é uma tentativa do Poder Judiciário de minimizar as mazelas causadas pela escassez de recursos provenientes do Poder Executivo, esfera responsável pela administração e implemento de vagas do sistema prisional. E assim o faz a fim de evitar grave violação aos direitos fundamentais (art. 1º, III e 5º, XLVII, “e” e XLIX), visto que os presos não podem ser submetidos a cumprimento de pena em condições mais gravosas do que as impostas na sentença condenatória ou estabelecidas pela progressão/regressão dentro da execução da pena.

Nesta linha, inclusive, menciona-se a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o pedido de liminar constante da ADPF 347 (09/09/2015), constatou, no sistema penitenciário brasileiro, a existência de um “estado de coisas inconstitucional”, em razão da generalizada violação a direitos humanos. A Corte determinou, liminarmente, o implemento das audiências de custódia e a liberação das verbas do FUNPEN, bem como acolheu proposta do Ministro Luís Roberto Barroso para determinar à União e ao Estado de São Paulo que forneçam informações sobre a situação do sistema prisional.

A prudência, por ora, indica respeitar, a priori, a inércia da gestão anômala do “estado de coisas inconstitucional” em que se transformou o sistema penitenciário brasileiro (STF, liminar da ADPF nº 347), situação que os magistrados estão constrangidos a jurisdicionar. Sem prejuízo de soluções pontuais melhores, quem sabe advindas de postulações mais concretas [em termos de alternativas], seja do Ministério Público ou, eventualmente, da defesa.

Reforço, por fim, que esta Câmara não desconhece o teor do REsp nº 1.710.674/MG, que foi julgado sob o rito dos Recursos Representativos de Controvérsia, em que impostas a prévia observância das providências indicadas no RExt nº 641.320/RS para a concessão da prisão domiciliar.

Consigno, por oportuno, que a leitura que faço do aludido precedente do Supremo Tribunal Federal não alcança, na literalidade textual, uma evidente ordem de preferência exigível para a adoção...

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