Acórdão nº 51190186720208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51190186720208210001
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001926803
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5119018-67.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Dano Qualificado (art. 163, § único)

RELATORA: Desembargadora VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

IGOR NOGUEIRA PEREIRA, com 24 anos de idade à época dos fatos, foi denunciado na 16ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, como incurso nas sanções do artigo 163, §único, inciso III, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso (evento 1, DENUNCIA1):

No dia 13 de maio de 2020, por volta das 11 horas e 31 minutos, na Rua Carlos Salzano Vieira da Cunha, n.º 36, Bairro Jardim Planalto, nesta cidade, o denunciado IGOR NOGUEIRA PEREIRA deteriorou coisa alheia móvel, qual seja, a tornozeleira de monitoramento eletrônico, composta pela peça principal C77U8E6E, peça auxiliar C78D6M1D, e ainda o carregador móvel C49K8P6C, de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul.

Na ocasião, após foragir da zona de monitoramento, o acusado danificou e extraviou o dispositivo eletrônico mencionado, conforme comunicado através do ofício 0579/2020, da Divisão de Monitoramento Eletrônico da Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE).

O dano causado pelo denunciado gerou um prejuízo de R$ 679,90 (seiscentos e setenta e nove reais e noventa centavos) aos cofres do Estado do Rio Grande do Sul, valor de avaliação do referido dispositivo eletrônico.

O denunciado é reincidente, conforme demonstra a certidão de antecedentes de fls. 22/23 do Inquérito Policial

A inicial acusatória foi recebida em 18/12/2020 (evento 3, DESPADEC1).

O acusado respondeu ao processo em liberdade.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença da lavra da ilustre magistrada, Dra. Betina Meinhardt Ronchetti, publicada em 13/02/2022, condenando o denunciado como incurso nas sanções do artigo 163, §único, inciso III, do Código Penal, às penas de 07 (sete) meses de detenção, em regime aberto, e pecuniária de 10 (dez) dias-multa, à razão unitária no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A pena privativa de liberdade foi assim fixada: pena-base de 08 (oito) meses de reclusão, considerados desfavoráveis os antecedentes. Reconhecida a agravante da reincidência, porém não aplicado aumento. Em face da atenuante da confissão espontânea, reduziu-se a pena em 01 (um) mês, totalizando 07 (sete) meses de reclusão, definitivizada neste quantum, pois ausentes outras causas modificadoras.

A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de um salário mínimo.

Inconformado, apelou o réu por sua defesa técnica, arguindo preliminar de inépcia da denúncia, por inexistência dos verbos nucleares do tipo, e de extinção da punibilidade pela decadência do direito de queixa. No mérito, postulou a absolvição por insuficiência probatória. Ressaltou não ter sido provada a destruição, deterioração e inutilização do aparelho e não foi juntado nos autos relatório da telemetria que apontasse alerta da integridade da tornozeleira. Acrescentou não ter sido comprovado o dolo específico do agente de danificar bem público.Alegou estado de necessidade para resguardar a vida de sua genitora e de si, pois estavam passando necessidade financeiras e, por isso, precisava trabalhar. Invocou o princípio da insignificância. Aduziu, ainda, que a condenação pelo delito versa de bis in idem pois já foi responsabilizado no processo de execução penal. Em caso de entendimento diverso, pugnou pela redução da pena-base aquém do mínimo legal pela confissão espontânea, diminuição da pena-base, afastamento da prestação pecuniária ou substituição por outra pena restritiva de direito e exclusão da pena de multa, por violação do princípio da intranscedência (evento 80, RAZAPELA1).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões (evento 88, CONTRAZAP1).

Neste grau de jurisdição, o nobre Procurador de Justiça, Dr. Roberto Bandeira Pereira, opinou pelo afastamento das prefaciais suscitadas e, no mérito, pelo parcial provimento ao apelo, para que a pena pecuniária substitutiva seja reduzida ao mínimo legal, nos termos do artigo 45, §1º, do Código Penal (evento 8, PARECER1).

VOTO

Eminentes Colegas, trata-se de recurso de apelação interposto pela douta defesa técnica de IGOR NOGUEIRA PEREIRA, inconformada com a decisão que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 163, §único, inciso III, do Código Penal.

DAS PRELIMINARES:

a) Inépcia da inicial:

A defesa arguiu, preliminarmente, inépcia da inicial acusatória, pois na verdade a tornozeleira teria sido extraviada e o verbo extraviar não está previsto no artigo 163 do Código Penal.

Vejo que a descrição contida na denúncia permite a clara compreensão acerca dos fatos imputados ao acusado, estando o tempo, o local e o modus operandi perfeitamente delimitados.

O Promotor de Justiça é claro na exordial ao referir que o denunciado danificou o dispositivo e depois o extraviou.

Portanto, a peça vestibular contém todos os requisitos formais exigidos, pois descreve os fatos na integralidade, não havendo falar em inépcia, e, consequentemente, em limitação da defesa.

b) Decadência do direto de queixa:

A defesa arguiu preliminar da extinção da punibilidade pela decadência do direito de queixa, pois as tornozeleiras eletrônicas são de patrimônio de empresa locadora das tornozeleiras ao Estado do Rio Grande do Sul, logo, não seria patrimônio público e o dano deveria ser processado em ação penal privada.

Não assiste razão à defesa.

Como bem referiu a juíza sentenciante, embora o Estado do Rio Grande do Sul não seja o proprietário do equipamento eletrônico, é o locador, e nessa condição de possuidor direto dos equipamentos é o responsável por eventuais danos causados, respondendo perante a proprietária.

Efetivamente, incabível o afastamento da qualificadora do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, pois, em que pese as tornozeleiras eletrônicas sejam de propriedade de empresa privada, o Estado é o locatário e, como tal, deverá sempre arcar com os custos decorrentes de eventuais danos.

Assim, não há dúvida de que o caso em tela versa sobre crime que o processamento deve se dar em uma ação penal pública incondicionada, não havendo falar em direito de queixa e decadência.

Neste sentido já se manifestou esta Colenda Câmara:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. DANO QUALIFICADO. VIOLAÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. Preliminar de decadência do direito de queixa. Não há que se falar em ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público, haja vista que o Estado, enquanto locador dos equipamentos de monitoramento eletrônico, arca com os prejuízos eventualmente havidos durante o período do contrato de locação. Assim, eventual dano havido à tornozeleira eletrônica atinge patrimônio público, no caso, pertencente ao Estado do Rio Grande do Sul. Desta forma, havendo, em tese, prejuízo ao erário, a hipótese é de configuração de dano qualificado, que se processa mediante ação penal pública incondicionada - sendo, por lógico, o Agente Ministerial parte legítima para propô-la. Mérito. Não obstante exista prova da materialidade do fato, bem como da autoria delitiva, segundo o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do crime de dano qualificado, previsto pelo 163, parágrafo único, inc. III, do CP, é imprescindível a demonstração do animus nocendi, consistente na manifesta intenção de causar prejuízo ao bem público. Há, portanto, a necessidade de comprovação deste elemento subjetivo específico, o que não ocorre no caso em que a violação da tornozeleira eletrônica ocorreu com provável intenção de burlar a fiscalização estatal. No caso, o acusado restou silente em juízo e a testemunha inquirida não esclarece a questão. Diante dessa conjuntura, resta, pelo menos, dúvida insuperável sobre o dolo específico do agente, de forma que não se sustenta o decreto condenatório. Absolvido o réu, com base no art. 386, inc. VII, do CPP. PRELIMINAR REJEITADA. APELO PROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 50630063320208210001, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Joni Victoria Simões, Julgado em: 14-02-2022)

APELAÇÃO CRIME. DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, DO CP. PRELIMINAR REJEITADA. AUSENTE PROVA DA MATERIALIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. 1. Preliminar de extinção da punibilidade pela decadência do direito de queixa rejeitada porque a tornozeleira...

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