Acórdão nº 51194888220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 15-09-2022

Data de Julgamento15 Setembro 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo51194888220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002585151
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5119488-82.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra decisão da Juíza de Direito do 1º Juizado da 1ª VEC de Porto Alegre, que afastou a equiparação do delito de tráfico de drogas aos crimes hediondos, retificando o Relatório da Situação Processual Executória (RESPE) do apenado.

Foram apresentadas contrarrazões. Em juízo de retratação, a decisão foi mantida.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O apenado GLEISON LUIS DE LIMA, PEC nº 3728709-94.2010.8.21.0016, cumpre pena privativa de liberdade fixada em 136 anos, 11 meses e 15 dias.

A Magistrada a quo, em 10 de dezembro de 2021, afastou a equiparação do delito de tráfico de drogas aos crimes hediondos, retificando o RESPE do apenado. Salientou que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, não dispõe sobre os crimes hediondos e que coube à Lei 8.072/90 enunciar rol taxativo. Entretanto, a Lei 13.964/19 revogou expressamente o dispositivo [artigo 2º, § 2º] que equiparava o tráfico de drogas a delito hediondo para fins de progressão de regime. A Magistrada sustenta, ainda, que nenhuma legislação elenca quais delitos são equiparados aos hediondos, pelo que, diante da reserva legal (CF, art. 5º, incs. XXXIX e XL; CP, art. 1º), "(...) imperioso concluir que o apenado condenado pela prática de 'tráfico de drogas' deverá progredir conforme os critérios objetivos dos delitos comuns, ou seja, após o cumprimento de 16% , 20%, 25% ou 30% (salvo se cometido antes de 23/01/2020) da pena, pois ausente previsão legal sobre delitos 'equiparados a hediondo'. Da mesma forma, pelo esvaziamento da 'equiparação' à hediondez, não remanesce fundamento legal para o artigo 33 da Lei de Drogas gerar reincidência específica em delito hediondo.".

Pese a substancial fundamentação da decisão, tecida com argumentos cuidadosos, interessantes e razoáveis, com a devida vênia, o agravo deve ser provido, como resultado da melhor interpretação sistemática para o problema posto.

A Constituição Federal elencou o tráfico de drogas como inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, ao lado dos crimes de tortura, do terrorismo e dos "definidos como crimes hediondos". O mandado de criminalização específico indica o tratamento mais gravoso conferido a tais delitos pelo constituinte originário. Em certa medida, pode-se afirmar que, num primeiro plano, a Constituição demarcou os três delitos que "merecem" maior repressão [tortura, tráfico e terrorismo], de modo que, a rigor, estão fora da esfera primordial de disponibilidade do legislador infraconstitucional, diferente dos "hediondos", cujo rol, esse sim, pode ser ampliado ou restringido de acordo com a política criminal escolhida. Em outras palavras, a equiparação, no fundo, é dos crimes hediondos, de livre escolha legislativa, à tortura, ao tráfico e ao terrorismo, já selecionados singularmente pelo constituinte, como está literalmente escrito no inciso XLIII do artigo da Constituição. Trata-se de mera constatação. Pessoalmente, tenho sérias reservas, empíricas e axiológicas, ao que se convencionou chamar de "war on drugs", acesso em 10/3/2022."" data-tipo_marcacao="rodape" title as políticas puramente repressivas de combate ao tráfico e consumo se mostraram caríssimas ineficazes. o mais apropriado é tratar tema pela ótica da saúde pública, a legalização gradual deve ser debatida com coragem. produção venda dessas substâncias, taxadas controladas, poderiam gerar recursos para prevenção tratamento. ponto partida seria maconha, limitações campanhas educativas análogas às álcool tabaco. convém acompanhar atenção experiências do vizinho uruguai outros países. no plano doméstico, proposta passar por plebiscito ou referendo." - , acesso em 10/3/2022."">1- e que talvez estivesse no auge quando dos trabalhos constituintes. E não desconheço que expressivo contingente da população carcerária brasileira, especialmente a feminina, venha do endurecimento adotado pela Lei nº 11.343/2006. Mas não há como, em termos lógico-normativos, negar que o texto é claro e implica tratamento mais gravoso a tais crimes do que aos crimes ditos comuns. Por outro lado, se vingasse a ratio do juízo a quo, seria forçoso concluir que as frações para progressão em casos de tortura e terrorismo, em situações notoriamente graves e desvaliosas, também estariam no espectro de 25% a 30% da pena (na metade inferior do espectro previsto no artigo 112 da Lei de Execuções Penais), a delibar-se a proteção insuficiente de bens jurídicos tão fundamentais.

Neste sentido, precedente desta Câmara Criminal:

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. CRIMES DE ENTOECENTES. TRÁFICO DE DROGAS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO. REQUISITO OBJETIVO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME EM RELAÇÃO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. DECISÃO QUE AFASTOU A EQUIPARAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS A CRIME HEDIONDO E DETERMINOU A EXIGÊNCIA DE TEMPO DE CUMPRIMENTO DE PENA RELATIVO AOS CRIMES COMUNS PARA FINS DE PROGRESSÃO DE REGIME (REQUISITO OBJETIVO). CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS QUE CONTINUA SENDO EQUIPARADO A HEDIONDO. DECISÃO REFORMADA. A alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.964/2019 não afastou a equiparação do crime de tráfico de drogas a crime hediondo, tendo em vista que, na hipótese, é a Constituição Federal que faz referência ao tráfico de drogas como crime equiparado a hediondo. O inciso XLIII do artigo da Constituição Federal coloca no mesmo patamar de gravidade os crimes ali definidos, quais sejam a tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Jurisprudência desta Câmara Criminal. No caso, o apenado foi condenado por crime equiparado a hediondo (tráfico de drogas) e é reincidente em crimes comuns, de molde que, com base na redação vigente do Art. 112 da Lei de Execução Penal, é aplicável o prazo de 40% (quarenta por cento) em relação ao crime hediondo ou equiparado ao apenado (reincidente não específico) para fins de concessão da progressão de regime. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL PROVIDO. (Agravo de Execução Penal, Nº 50661474420228217000, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em: 28-04-2022).

E o STJ tem ecoado a mesma conclusão2:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. CÁLCULO DE PENA PARA PROGRESSÃO DE REGIME. REVOGAÇÃO DO § 2º DO ART. 2º DA LEI 8.072/90 (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS) PELA LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME) QUE NÃO AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006) COMO DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. CLASSIFICAÇÃO QUE DECORRE DO ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018) 2. A revogação do § 2º do art. 2º da Lei 8.072/90 pela Lei 13.964/2019 não tem o condão de retirar do tráfico de drogas sua caracterização como delito equiparado a hediondo, pois a classificação da narcotraficância como infração penal equiparada a hedionda decorre da previsão constitucional estabelecida no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal.
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 118.533/MS, concluiu que "o tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos" (HC 118.533/MS, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, TRIBUNAL PLENO, DJe 16/09/2016).
4. O fato de a Lei 13.964/2019 ter consignado, expressamente, no § 5º do art. 112 da Lei de Execução Penal, que não se considera hediondo ou equiparado o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 somente consagra o tratamento diferenciado que já vinha sendo atribuído pela jurisprudência ao denominado tráfico privilegiado. Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a hediondo tenha sido estendida ao crime do art. 33, caput e § 1º, da Lei de Drogas.
5. Esta Corte já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de referendar a natureza de delito equiparado a hediondo do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, mesmo após a entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote anticrime), ressaltando-se, inclusive que, no julgamento do Recurso Especial n. 1.918.338/MT (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2021, DJe 31/05/2021) pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema n. 1.084), no qual foi assentada a tese reconhecendo a possibilidade de aplicação retroativa do art. 112, V, da LEP a condenados por crimes hediondos ou equiparados que fossem reincidentes genéricos, o caso concreto tratou especificamente de condenado por tráfico de drogas.
Precedentes
...

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