Acórdão nº 51195554720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 03-08-2022

Data de Julgamento03 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de Jurisdição
Número do processo51195554720228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002505676
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Jurisdição (Câmara) Nº 5119555-47.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo (art. 157)

RELATOR: Desembargador JOAO BATISTA MARQUES TOVO

SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO LEOPOLDO

SUSCITADO: JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA COMARCA DE SÃO LEOPOLDO

RELATÓRIO

Adoto o relatório do parecer ministerial, transcrevendo-o:

(...)Trata-se de Conflito Negativo de Jurisdição suscitado pela Juíza da 3ª Vara Criminal da Comarca de São Leopoldo em relação à Juíza do Juizado da Violência Doméstica da mesma comarca. Subiram os autos, vindo a este Órgão para parecer.(...)

O parecer, da lavra do Dr. Roberto Claus Radke, ilustre Procurador de Justiça, foi no sentido de julgar procedente o conflito negativo de jurisdição.

Autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra MÁRCIO TEIXEIRA MUNIZ, nos seguintes termos:

(...)No dia 13 de março de 2021, por volta de 18h, na Rua Henrique Lopes, 440, Bairro Vicentina, em São Leopoldo/RS, o denunciado MÁRCIO TEIXEIRA MUNIZ, mediante grave ameaça, consistente em utilizar uma arma de fogo (não apreendida), subtraiu, para si, R$ 20,00 (vinte reais), da vítima Eva Teixeira Muniz, sua genitora. Na oportunidade, o denunciado, usuário de drogas, foi até a casa da vítima, armado, e pediu dinheiro. Ato contínuo, avisada por vizinhos, a vítima Marcos, irmão do denunciado, foi até o local, onde foi ameaçado pelo denunciado, que lhe mostrou a arma e disse "se tu não se mete que eu vou te encher de bala". Na sequência, o denunciado levantou a camiseta e mostrou a pistola para a mãe, levando consigo R$ 20,00 (vinte reais). O fato foi praticado em razão da condição de mulher da vítima, e em situação de violência doméstica, visto que a vítima é genitora do denunciado. O denunciado é reincidente, conforme certidão de antecedentes criminais juntada no procedimento de Medidas Protetivas de Urgência, sob n. 5004701-23.2021.8.21.0033.(...)

A competência assim foi declinada:

(...)Vistos.

Trata-se de denúncia ofertada pelo Ministério Público em face de MARCIO TEIXEIRA MUNIZ, dando-o como incurso nas sanções do art. 157, § 2º-A, I, do Código Penal, combinado com o art. 61, incisos I e II, alíneas “f” e “j”, do Código Penal e art. 5.º, incisos I, II, III, e do art. 7.º, inciso II, da Lei n.º 11.340/06

Pois bem.

Entendo que não é caso de aplicação da Lei Maria da Penha à hipótese em tela.

Com efeito, para a incidência da Lei nº 11.340/06, imperioso que restem configurados os seguintes requisitos: (a) a violência deve ser praticada contra a mulher; (b) o fato tenha se dado no âmbito da unidade doméstica, da família ou, ainda, seja decorrente de relação íntima de afeto; e (c) a violência sofrida deve ter como motivação a opressão à mulher, ou seja, violência de gênero.

Dessa forma, não basta que a vítima da agressão seja do sexo feminino, sendo imperioso, para incidência da Lei Protetiva, que a violência praticada tenha por motivação a opressão ao gênero.

Na hipótese em análise, em que pese exista relação de parentesco entre o suposto ofensor e a vítima (mãe e filho), não há o mínimo indício que revele a existência de violência de gênero para justificar a incidência da Lei Maria da Penha.

Aliás, ficou bem claro nos autos que o motivo do conflito foi a dependência química do acusado, que frequenta a casa da ofendida e exige que ela lhe forneça dinheiro para sustentar o vício. Todavia, mesmo que o fato narrado seja revestido de gravidade em concreto, já que houve o emprego de uma arma de fogo para exercer a violência sobre ela, não houve motivação de gênero, o que afasta a competência deste juizado especializado.

Nesse sentido, oportuno:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LESÃO COORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. FATO PRATICADO CONTRA OS PAIS DA ACUSADA. 1ª VARA JUDICIAL E 2ª VARA JUDICIAL, AMBAS DA COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ. VIOLÊNCIA NÃO BASEADA EM GÊNERO. INEXISTÊNCIA DE REQUISITO NECESSÁRIO PARA INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.340/06. 1. A incidência da Lei 11.340/06 depende de que a violência seja baseada em questões de gênero – indicativas da vulnerabilidade da mulher ofendida – o que não se confunde com a diferença de sexo masculino/feminino. 2. No caso concreto, trata-se de agressões físicas e verbais realizadas pela filha contra ambos os pais idosos. Na situação, mesmo que tenha ocorrido efetivamente agressão contra pessoa do sexo feminino e resguardado relação de afeto e parentesco familiar, não prospera o quesito gênero, pois não restou demonstrado nos autos que a vítima estava em situação de vulnerabilidade, ainda que deferida as medidas protetivas para fins de amparo às vítimas, bem como de inferioridade nas situações descritas, até porque as agressões foram desferidas pela filha contra a mãe e contra o pai, restando claro e evidente que não resguarda nenhuma relação com o gênero. 3. Ausente um dos requisitos basilares para configurar, no caso concreto, a violência baseada no gênero, ensejando na incidência da lei protetiva. CONFLITO JULGADO IMPROCEDENTE. 1

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. AMEAÇAS PRATICADAS POR FILHA CONTRA MÃE. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NÃO CONFIGURADA. Competência do Juizado Especial Criminal. Não basta, para que haja a incidência da Lei nº 11.340/2006, que o fato envolva violência doméstica ou familiar contra mulher. Necessita-se, também, que a ação ou omissão, quando realizada em detrimento de mulher em situação de vulnerabilidade, seja baseada no gênero. Inteligência do art. 5º, caput, da Lei nº 11.340/2006. Contexto fático de ameaça praticada pela filha contra mãe em decorrência de conflitos em razão da guarda e da criação do neto da ofendida. Circunstâncias que não demonstram a violência de gênero a justificar a incidência da Lei Maria da Penha. Competência do Juizado Especial Criminal. CONFLITO IMPROCEDENTE.2

Dito isso, considerando os delitos cometidos, deixo de receber a denúncia, em razão da incompetência deste Juízo e declino da competência deste para uma das varas criminais comuns desta comarca.

Cumpra-se. Diligências legais.(...)

E o conflito assim estabelecido:

(...)Tratou-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público contra Márcio Teixeira Muniz como incurso nas sanções do art. 157, § 2º-A, I, do Código Penal, combinado com o art. 61, incisos I e II, alíneas “f” e “j”, do Código Penal e art. 5º, incisos I, II, III, e do art. 7.º, inciso II, da Lei n.º 11.340/06.

O expediente foi, inicialmente, distribuído ao Juizado da Violência Doméstica desta Comarca, o qual declinou da competência, sendo a medida redistribuída a esta 3ª Vara Criminal.

É o relatório, passo a motivar e fundamentar.

Muito embora o posicionamento da Magistrada titular do Juizado da Violência Doméstica destac Comarca, exposto na decisão do evento 05, entendo que o caso atrai a incidência da Lei nº 11.340/2006.

Isso porque se trata de suposto roubo de filho contra mãe, estando presente, portanto, todas as condições presentes no art. 5º da referida Lei.

Segundo os fatos narrados na denúncia:

(...omissis...)

Impende destacar que o âmbito de aplicação da Lei nº 11.340/2006 não se restringe aos conflitos envolvendo relação conjugal.

Por certo, trata-se de Lei que visa proteger e coibir a violência baseada em gênero na esfera de violência doméstica e familiar.

Inclusive a questão de gênero nem sempre estará explícita, mas ínsita no comportamento abusivo de pessoas do sexo masculino contra familiares do sexo feminino, baseado na falsa ideia de direito de subjugação dessas àqueles ou de levar vantagem pela força física.

A par disso, o artigo 5º da Lei nº 11.340/06 dispõe que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero", quando (I) verificada no âmbito da unidade doméstica, com ou sem vínculo familiar; (II) no âmbito da família, por pessoas que são ou se consideram aparentados, por laços naturais, afinidade ou por vontade expressa; ou (III) em qualquer relação íntima de afeto, independentemente de coabitação.

No caso concreto, não restam dúvidas de que os fatos relatados na ocorrência policial ocorreram entre parentes. As agressões e ameaças sofridas pela vítima foram praticadas pelo seu filho, Márcio Teixeira Muniz, motivadas por questões familiares referente ao patrimônio da genitora.

Assim sendo, não há como afastar, estreme de dúvidas, que o agressor não esteja se aproveitando do gênero da vítima para perpetrar o roubo.

Tanto isso ocorre que o próprio Ministério Público, titular da açã penal, direcionou a ação penal para o Juizado da Violência Doméstica dessa Comarca.

Neste sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do RS:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE O JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR DA COMARCA DE CANOAS E O JUÍZO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ADJUNTO À 4ª VARA CRIMINAL DAQUELA COMARCA, SUSCITADO POR ESTE ÚLTIMO. Versa o presente conflito sobre a definição da competência, na comarca de Canoas, para processar e julgar o delito de ameaça, envolvendo filho e sua genitora, no âmbito familiar. Tenho que razão assiste ao juízo suscitante. Isso porque, a vítima, mulher, sofre ameaças proferidas pelo próprio filho, bem como que o mesmo cometeu furtos na residência em que esta habita, situada no mesmo terreno de moradia em comum com o réu, alegando que o mesmo possui vício em drogas, caracterizada a ofensa à integridade física de mulher e ao seu patrimônio, praticado por homem, fato ocorrido no âmbito familiar, situação que se amolda ao “artigo 5°, da Lei n° 11.340/06 – Lei Maria da Penha: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação...

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