Acórdão nº 51195630620218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51195630620218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003110624
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5119563-06.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de imagem

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: MARCELO MARSILLAC MATIAS (AUTOR)

APELADO: RICARDO DE GASPERI NEU 42543053034 (RÉU)

APELADO: RICARDO DE GASPERI NEU (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCELO MARSILLAC MATIAS, inconformado com a sentença (Evento 3 – SENT8, origem) que julgou improcedente a ação de indenização por danos morais com pedido de direito de resposta em tutela de urgência movida em desfavor de IMPRENSA LIVRE RS E RICARDO DE GASPERI NEU.

Em suas razões (Evento 35, APELAÇÃO1, origem), defende a reforma da sentença, sob fundamento de que as matérias redigidas pelos apelados não possuem cunho informativo nas publicações, as quais buscam denegrir a imagem da ora apelante. Aduz que as matérias extrapolam os limites da liberdade de expressão, vindo a atingir os direitos da personalidade do autor. Argumenta que as publicações realizadas pelos réus apelados causaram sim grave dano à imagem do apelante, o qual utiliza insinuações cínicas, irônicas, abusando do deboche e outros eufemismos, em estrita ofensa pessoal ao autor. Sustenta que se trata de fake news, matérias ofensivas e mentirosas, eivadas de má-fé e de cunho lesivo, que extrapolam o exercício da liberdade de expressão. Assevera que a notícia, da (má) forma como redigida, transmite informação que equivocadamente associa ao autor fatos dissociados da realidade, desonrosos e ofensivos. Trata-se, portanto, de editoração, fora de propósito, veiculadas em matérias de caráter nada abonatório, pejorativo, o que se demonstra ainda mais grave diante do fato da parte autora ser uma pessoa pública, de reputação ilibada. Assim, entende que restaram plenamente demonstrados os elementos ensejadores da responsabilidade civil, de caráter subjetivo concernentes à conduta lesiva, dano e o nexo de causalidade, a procedência do pedido de indenização pela ofensa extrapatrimonial é medida que se impõe adotar, nos termos do artigo 186 e 927, ambos do Código Civil. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, com a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.

Sem contrarrazões.

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato nº 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

A demanda versa, em síntese, sobre pedido de retirada de postagens e indenização por danos morais em razão de matéria veiculada pelo blog dos réus, acusando o autor de ser o “garoto de ouro”, coligado “aos ladrões do GAMP”, entre outras ofensas de cunho pessoal, prejudicando o bom nome da demandante, na medida em que se tratam de acusações falsas, caluniosas e difamatórias.

Citados os réus, deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentação de contestação, de modo que, na forma do art. 344 do CPC1 - é considerado revel, presumindo-se verdadeiras as alegações de fato formuladas pela parte autora.

Julgada improcedente a ação, recorre o autor.

Acerca da matéria de fundo, vale registrar que as liberdades de expressão e de imprensa estão constitucionalmente garantidas (art. 5º, IV2, e art. 220, caput e §§ 1º e 2º3), não havendo como conceber, sem elas, uma democracia efetiva e, por consequência, um Estado Democrático.

Destaca-se, nesse particular, a lição de Nelson Nery Jr. e Georges 4Abboud:

A liberdade de expressão se consubstancia em uma das pilastras do Estado Constitucional sobre as quais é erigida uma democracia e se constrói um Estado Democrático de Direito.

Desse modo, não é possível falar-se em democracia sem que seja assegurada a plenitude da liberdade de expressão, porquanto a própria concepção moderna da ideia de democracia [e, por conseguinte, de Estado Democrático de Direito] pressupõe a liberdade de expressão.

Como pontua Ronald Dworkin há uma verdadeira vinculação entre a liberdade de expressão e a democracia. A liberdade de expressão resguarda um componente fundamental da própria democracia. Elas, na realidade, são complementares uma da outra.

Assegurar a liberdade de expressão em última instância significa privilegiar a transparência e a publicidade de uma democracia. Flertar com o obscurantismo é flertar com regime não democrático, posto ser o debate livre uma das virtudes da democracia. (...)

Ocorre que nem mesmo a sua expressa menção, pela Carta Federal, como liberdade pública, permite o exercício irrestrito da liberdade de expressão. De fato, é pacífico o entendimento de que é possível a limitação do exercício de direitos fundamentais frente a certas circunstâncias, desde que devidamente amparadas na Lei Maior, e suficientemente justificadas no caso concreto. Tal restrição, assim, de forma alguma se confunde com a censura, outrora institucionalizada e hoje, dentro de nova ordem jurídica, sabidamente inconstitucional (art. 220, caput e §§ 1º e 2º, da CF).

Quanto ao ponto, vale citar os comentários de José Miguel Garcia Medina5 ao inciso IV do art. 5º da Constituição Federal:

II. Limites à liberdade de expressão. Há limites ao exercício da liberdade de expressão. A liberdade de expressão pode ser balizada, p.ex., pelo direito fundamental à inviolabilidade da intimidade, previsto no art. 5.º, X (cf. STF, ADPF 130, rel. Min. Ayres Brito, j. 30.04.2009; STF, Rcl 9428, rel. Min. Cezar Peluso, j. 10.12.2009; STJ, REsp 1687860/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.a T., j. 07/05/2019). Também pode ocorrer que, exercido o direito à manifestação de pensamento e detectado que seu conteúdo é racista, sua veiculação seja proibida (cf. art. 497 do CPC/2015) e o autor da ofensa responsabilizado, civil (cf. art. 5.º, V) e criminalmente (cf. art. 5.º, XLII). Segundo Ronald Dworkin, o discurso democrático acaba sendo restringido não apenas pela censura, mas também fracassa se pautado por insultos, o que, segundo o autor, enfraquece um autogoverno coletivo (op. cit., p. 395). O mau exercício do direito à liberdade de expressão, assim, pode ser controlado. Nesse sentido, p.ex., decidiu-se que “o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra” (STF, HC 82.424, rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, Pleno, j. 17.09.2003; no julgamento da ADO 26/STF, o pedido foi julgado procedente para “(...)” – STF, ADO 26/DF, rel. Min. Celso de Mello, maioria, j. 13.06.2019). Vê-se, assim, que, para se compreender as várias dimensões do direito fundamental à liberdade de expressão, faz-se necessário examinar, além desse direito em si, também as suas restrições. Há exemplo interessante, no direito comparado. A Corte Europeia dos Direitos do Homem decidiu que a liberdade de expressão não permite que se negue a ocorrência do Holocausto. No caso referido, afirmou-se que o reclamante, um político alemão, havia negado o Holocausto, mostrado desdém pelas vítimas e contrariado fatos históricos estabelecidos, usando de seu direito à liberdade de expressão com o objetivo de promover ideias contrárias ao texto e ao espírito da Convenção. Afirmou-se, ainda, que declarações de tal natureza, por estarem em desacordo com valores democráticos, merecem pouca ou nenhuma proteção. “O exercício da liberdade de expressão, mesmo no Parlamento, traz consigo ‘deveres e responsabilidades’” (cf., especialmente, os trechos a seguir: “(...)” (Cour Européenne des Droits de L’Homme, Case of Pastörs v. Germany, Application n. 55225/14, 5.ª Seção da Corte, em 3/10/2019). A nosso ver, semelhante problema se coloca em relação à divulgação de notícias falsas (ou, como popularmente no Brasil também são conhecidas, fake news). Em razão da rapidez com que notícias dessa natureza podem se proliferar em redes sociais existentes na internet, deve-se estabelecer medida que celeremente viabilize a retratação e a indenização respectiva (cf. comentário ao inc. V do art. 5.º).

Assim, a (legítima) possibilidade de limitação do exercício da liberdade de expressão exibe-se, por exemplo, quando da sua contraposição com os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. É que estes, não bastasse integrarem o que se convencionou chamar de "direitos da personalidade", igualmente estão previstos no rol do art. 5º da Constituição Federal (inciso X6). Aliás, no dispositivo imediatamente subsequente àquele que prescreve a liberdade de expressão, a Carta Política prevê o direito de resposta, a par de indenização por danos morais, à imagem ou materiais (inciso V7), o que não permite conclusão diversa de que a liberdade de expressão do pensamento, conquanto garantida, não é absoluta, sendo ilícitos eventuais excessos (art. 187 do Código Civil8).

Vale citar aqui, uma vez mais, os comentários de Medina9, desta vez ao inciso V do art. 5º:

I. Direito de resposta e direito a indenização por dano material, moral e à imagem. Embora assegure a liberdade de manifestação de pensamento, a norma constitucional não contempla esse direito fundamental de modo irrestrito (cf. comentário ao art. 5.º, IV). Pode a pessoa ameaçada valer-se de meios tendentes a impedir a ocorrência da lesão (art. 5.º, X e XXXV, da CF, c/c art. 497 do CPC/2015). Violado o direito, passa a ter lugar a tutela ressarcitória – embora ainda possa ser possível a concessão de tutela voltada a impedir o prosseguimento da prática de ato considerado ilegal, ou que cause prejuízo à parte. A tutela ressarcitória pode assumir a forma de tutela pelo equivalente ou em forma específica...

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