Acórdão nº 51203323220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51203323220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002544329
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5120332-32.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

AGRAVANTE: ELISABETE DOS SANTOS LYRA

AGRAVADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

RELATÓRIO

ELISABETE DOS SANTOS LYRA interpõe agravo de instrumento em face da decisão que indeferiu a gratuidade de justiça por si postulada nos autos do feito em que contende com BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., nos seguintes termos:

Vistos.

O contracheque da parte autora demonstra que aufere rendimentos superiores a 05 salários mínimos, motivo pelo qual indefiro o benefício da gratuidade judiciária, consoante Conclusão 49ª do Centro de Estudos do TJRS. Ademais, tal benefício se destina às pessoas realmente necessitadas, o que não é o caso dos autos.

Isso posto, intime-se a parte autora para recolher as custas, no prazo de 15 dias, sob pena de cancelamento da distribuição (art. 290 do CPC).

No sistema Eproc, a geração da guia de custas deve ser realizada pela própria parte.

Diligências legais.

Em suas razões, sustenta fazer jus ao benefício devido as dívidas que estão sendo descontadas de seus vencimentos, como consequência, reduzindo sua capacidade financeira. Refere não ter condições de arcar com as custas do processo sem o comprometimento substancial de sua renda. Colaciona jurisprudência. Pugna pelo provimento.

Sem contrarrazões, ainda que intimada a parte agravada para tanto, vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Admissibilidade recursal

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Assim, vai conhecido o recurso, a qual passo à análise.

Mérito do recurso

No mérito, primeiramente, entendo que o tema da concessão do beneficio da gratuidade de justiça deva ser contextualizado dentro da sua atual moldura constitucional.

A Lei nº 1.060 de 05 de Fevereiro de 1950, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, dispõe no seu artigo. 4º que “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986).

E complementa o parágrafo 1º do mesmo artigo que: “Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986).

A presunção juris tantum de pobreza contida no parágrafo transcrito, como decorrência da simples afirmativa da parte nesse mesmo sentido, vinha sendo quase que indissonantemente acolhida pelos tribunais. Porém, esse entendimento majoritário sofreu relativo abalo com o advento da CF em 1988, cujo artigo 5º dispôs no seu inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Parcela da doutrina viu na expressão “aos que comprovarem insuficiência de recursos", uma limitação ao que já dispunha a legislação infraconstitucional, com o que já não mais vigoraria a presunção da necessidade a partir da mera afirmação da parte nesse sentido. Por outras palavras, ao invés de se entender que os constituintes limitaram-se a alçar à dignidade constitucional o instituto da gratuidade de justiça, o texto da Lex Magna acabou sendo interpretado como uma neutralização à simplificada forma de chegar-se à presunção de hipossuficiência do assistido - através da simples declaração deste - exigindo um processo bem mais complexo, qual o da demonstração cabal da alegada impossibilidade por parte do requerente, que decorreria da interpretação literal da verba constitucional “... aos que comprovarem insuficiência de recursos."

A partir disso, naturalmente, medraram os precedentes jurisprudenciais exigindo a comprovação da hipossuficiência, do que é exemplo exatamente o caso concreto.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, porém, em pelo menos duas decisões, referendou o entendimento de que a Constituição, longe de limitar um direito inspirado pela solidariedade - e que lhe era preexistente, recepcionou-o na sua plenitude. Eis as ementas dos dois arestos:

RE n° 205.029-6. Constitucional. Acesso à justiça. Assistência judiciária. Lei 1060, de 1950. CF., art.5°, LXXIV. I- a garantia do art. 5°, LXXIV – assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos – não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei 1060, de 1950, aos necessitados, certo que, para obtenção desta, basta a declaração, feita pelo próprio interessado, de que a sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Essa norma infraconstitucional põe-se, ademais, dentro do espírito da Constituição, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à Justiça (C.F. art. 5°, XXXV). II- R.E. não conhecido.” (STF, 2ª Turma, relator Min. Carlos Velloso. DJ de 07.03.97. Ementário n° 1860-06).

RE n° 206.958-2. “Assistência Judiciária Gratuita. Alegação de Revogação do art. 4°, §1°, da Lei 1.060/50 pelo art. 5°, LXXIV, da Constituição. Improcedência. A atual Constituição, em seu art. 5°, LXXIV, inclui, entre os direitos e garantias fundamentais, o da assistência jurídica integral e gratuita pelo Estado aos que comprovarem a insuficiência de recursos. Portanto, em face desse texto, não pode o Estado eximir-se desse dever desde que o interessado comprove insuficiência de recursos, mas isso não impede que ele, por lei, e visando a facilitar o amplo acesso ao Poder Judiciário que é também direito fundamental (art. 5°, XXXV, da Carta Magna), conceda assistência judiciária gratuita – que aliás é menos ampla que a assistência jurídica integral – mediante a presunção ‘iuris tantum’ de pobreza decorrente da afirmação da parte de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. Nesse sentido tem decidido a Segunda Turma (RREE 205.209 e 205.746). Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves. DJ de 26.06.98. Ementário n° 1916-03).

Como se vê, o eg. STF conjugou o direito à assistência judiciária gratuita com o princípio fundamental do livre acesso à justiça, previsto no inciso XXXV do art. 5º da CF, princípio esse que consubstancia a principal garantia dos direitos subjetivos dos cidadãos. Não é demais recordar-se que o Estado exerce o monopólio da jurisdição, proibindo a autotutela, pelo que, em contrapartida, a todos concede o pleno acesso à justiça. Daí também denominar-se essa faculdade constitucional de princípio da inafastabilidade da jurisdição.

De nada adiantaria essa norma constitucional, porém, caso fosse exigido daqueles que não detém capacidade econômica suficiente, o prévio preparo das custas e demais despesas processuais, que tem se constituído como pré-requisito ao direito de ação, zelosamente exigido em todas as instâncias judiciais. Ou, como em candente linguagem já se decidiu:

“(...) Mal-arranjada tapeação seria, ao cidadão, verdadeiro dono do Poder (CF, art. 1.º e § único), em que se insere o Judiciário (CF, art. 2.º), se lhe fosse dada apenas a mera possibilidade de ir ao Judiciário, mas do mesmo passo lhe fosse exigido pagamento de valor que lhe é insuportável; de tola construção retórica não passaria o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, na medida em que ao jurisdicionado estaria sendo concedida nada mais do que meia-justiça, se tanto. (...) (TJPR, AI n. 175.920-0, 8ª C.C, Rel. Des. Rabello Filho, julgada em 13/10/2005).

Essa mesma advertência é repetidamente grifada pela doutrina: A facilitação do acesso do necessitado à justiça, com a assistência jurídica integral, é manifestação do princípio do direito de ação. Todo expediente destinado a impedir ou dificultar sobremodo a ação ou a defesa no processo civil constitui ofensa ao princípio constitucional do direito de ação.”1

A gratuidade de justiça encontra respaldo também no princípio da solidariedade, enunciado no inciso I do art. 3° da CF: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária.” Essa norma constitucional determina uma direção a seguir, como o norte da bússola a orientar o marinheiro em noite escura, de indiscutível caráter orientativo: trata-se de um estado ideal a ser atingido, uma finalidade a ser alcançada pela sociedade brasileira”.

No seu efeito vertical, o princípio da solidariedade consubstancia um solene dever do Estado, no sentido de minimizar o quanto...

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