Acórdão nº 51209583320218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo51209583320218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002304038
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5120958-33.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Ato Lesivo ao Patrimônio Artístico, Estético, Histórico ou Turístico

RELATORA: Desembargadora MATILDE CHABAR MAIA

APELANTE: SINDICATO DOS ENGENHEIROS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por SINDICATO DOS ENGENHEIROS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da sentença do evento 4 dos autos de primeiro grau, que indeferiu a petição inicial da ação civil pública ajuizada contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Em suas razões (evento 7 dos autos de primeiro grau), traça um resumo da petição inicial. Sustenta o cabimento da ação civil pública, alegando que os destinatários específicos da ação é a sociedade gaúcha, que será potencialmente lesada caso haja a assinatura de contrato irregulares. Afirma que, quanto ao polo passivo da demanda, cabe ao juízo determinar, de ofício, a inclusão da Corsan, pois seria o caso de litisconsórcio passivo necessário.

Arrola os fatos concretos que justificam o ajuizamento da ação civil pública: envio pela Corsan de termos aditivos aos Municípios em dissonância com o que está previsto na Lei n° 14.026/20 (renovação de contratos de programas por mais de 40 anos); inobservância do prazo previsto na Lei n° 14.026/20 de 180 dias para possibilitar as assinaturas dos termos aditivos; inexistência da avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica da doação dos bens móveis (ações) prevista na Lei Estadual.

Salienta que não pretende manejar ação civil pública com objeto de ação direta de inconstitucionalidade, pois há fatos concretos a serem resguardados em virtude da aplicação da Lei Estadual nº 15.708/21. Afirma que a pretensão é assegurar a devida aplicação da Lei nº 14.026/20 aos aditivos enviados pela Corsan e refere que não há pedido de declaração de inconstitucionalidade em abstrato, mas sim de não aplicação da Lei Estadual aos fatos concretos suscitados na presente ação.

Menciona que alguns Municípios estão sendo constrangidos a assinar os termos aditivos irregulares. Entende que a Lei Estadual não deva ser aplicada pela Corsan, por evidente ilegalidade e, com isso, deverá ser declarada a sua inconstitucionalidade parcial de forma incidental, e não direta, como quer crer o juízo a quo, sendo cabível a ação civil pública.

Refere que recentemente foi editada a Lei Estadual nº 15.708/2021, cujo objeto é a desestatização parcial ou total da Corsan e que dá carta branca à Corsan para realizar termos aditivos irregulares. Assevera haver evidente ilegalidade no texto da citada lei, que atrairá a declaração de inconstitucionalidade de forma incidental, pois os procedimentos a serem adotados pela Corsan com base nessa lei causarão danos ao patrimônio público e social.

Giza que a Lei nº 14.026/20 alterou a Lei nº 11.445/07, incluindo regras e metas para o atingimento de índices de excelência em cobertura dos serviços de saneamento, porém teve um artigo vetado pelo Presidente da República (art. 16), que entendeu demasiado longa a prorrogação dos atuais contratos de programa por 30 anos, por postergar soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico.

Reitera que, em burla aos objetivos da Lei nº 14.026/20, a Lei Estadual nº 15.708/21 possibilita o aditamento dos contratos de programa por 40 anos antes da sua transformação em contratos de concessão com a futura privatização da empresa.

Reputa contrárias ao princípio da legalidade as manobras hermenêuticas que pretendam alongar os contratos de programa, pois não precedidos de licitação. Repisa os argumentos já expostos.

Requer o provimento do recurso.

O Estado apresentou contrarrazões (evento 13 dos autos de primeiro grau), arguindo preliminar de não conhecimento do recurso, pela ausência de impugnação específica dos fundamentos da sentença, uma vez que o apelante corrobora a percepção do juízo de origem ao postular a não aplicação da Lei Estadual nº 15.708/21.

Nesta instância, manifestou-se o Ministério Público pelo não conhecimento do apelo e, no mérito, por seu improvimento, em parecer da ilustre Procuradora de Justiça, Dr.ª Elaine Fayet Lorenzon Schaly (evento 7).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio Grande do Sul (SENGE/RS) ajuizou ação civil pública contra o Estado sustentando a presença de vícios na Lei Estadual nº 15.708/21, que autoriza a desestatização da Corsan, por contrariar a Lei nº 14.026/20, que atualiza o marco legal do saneamento básico, entre outras providências, mormente por permitir termos aditivos aos contratos de programa, não precedidos de licitação, prorrogando os prazos dos contratos por até 40 anos.

Alega, em suma, que a lei estadual, ao permitir os aditivos, é inconstitucional por divergir da lei federal.

Os pedidos foram assim redigidos (evento 1, INIC1, fl. 40, dos autos de primeiro grau):

ANTE O EXPOSTO, pede, inaudita altera pars, o deferimento liminar como forma de medida acautelatória, a fim de que sejam suspensos os efeitos da Lei Estadual n. 15.708/2021, especialmente, o art. 2° da citada Lei Estadual, até o julgamento do mérito da presente demanda ou, alternativamente, que seja suspenso o envio e as assinaturas dos termos aditivos, até o julgamento do mérito da presente demanda. NO MÉRITO, confirmando os efeitos da liminar eventualmente deferida, pede que seja julgado procedente a ação a fim de que sejam afastadas as irregularidades perpetradas pela Lei Estadual n. 15.708/2021, em vista do desvio do poder de legislar, por apresentar vício intrínseco, decorrente do divórcio em relação ao fim a que persegue ou deveria perseguir e, especialmente, pelo fato de que o artigo 2° da Lei Estadual n. 15.708/2021 se apresenta irregular por violar o disposto no veto presidencial do art. 16 da Lei Federal n°. 14.026/20, bem como contrariar o disposto no artigo 14 da citada lei, o princípio da livre concorrência (§4°, art. 173 c/c 31, 36, I, II, III, IV, §°, III e IV da Lei Federal nº 12.529, de 30 de novembro de 2011) e arts. 15 e 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000) e, consequentemente, requer seja declarada incidentalmente a sua inconstitucionalidade, por violação aos princípios da legalidade (art. 37, CF/88) e da hierarquia das leis (art. 24, VI, §§ 1°, §2° e 3°, CF/88), além de violar o princípio do desvio do poder de legislar, por apresentar vício intrínseco, decorrente do divórcio em relação ao fim a que persegue ou deveria perseguir, declarando incidentalmente a sua inconstitucionalidade. [grifei]

O juízo a quo indeferiu a petição inicial, nestes termos (evento 4, SENT1, dos autos de origem):

Pela análise da inicial, adianto que se trata, em verdade, de ação civil pública utilizada como substitutiva/sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, pois a despeito de o sindicato autor aduzir que pretende a declaração de inconstitucionalidade incidental a impugnação (declaração de irregularidades, nulidade ou vício) é direta à Lei Estadual nº 15.708/2021.

Da narração da inicial, consta que, em decorrência do veto sofrido pelo art. 16 da Federal/Nacional Lei nº 14.026/2020, quando da edição da Lei Estadual nº 15.708/2021, especialmente aquilo que consta do seu art. 2º, houve violação à princípios constitucionais e legais, os quais tornam nulo o ato normativo.

Pois bem, o controle difuso de constitucionalidade poderá ser apreciado por qualquer Juiz ou Tribunal, fins de declarar a inconstitucionalidade de uma lei em face de um caso concreto, de forma incidental (incidenter tantum). No entanto, para que isso seja possível, a declaração de constitucionalidade não poderá ser o objeto principal da demanda.

Segundo se tem dos elementos desta Ação Civil Pública, o que o autor pretende é a declaração de irregularidades, vícios, nulidades por conta da promulgação da Lei Estadual nº 15.708/2021. Logo, em verdade, o reconhecimento destes aludidos aspectos, conforme pretende a parte autora, importa em reconhecimento da inconstitucionalidade da lei ou de parte dela, em abstrato.

Senão vejamos. A ação foi proposta contra o Estado do Rio Grande do Sul, quem encaminhou ao Poder Legislativo o Projeto de Lei nº 211/2021, resultante na Lei nº 15.708/2021, ora impugnada. Logo, sob este aspecto, não há um caso concreto que pudesse dar ensejo ao exercício pelo Juiz do controle difuso de constitucionalidade.

Nesse passo, sempre com base nos elementos que constaram da inicial, eventual caso concreto está relacionado ao encaminhamento pela CORSAN aos Municípios, dos Termos Aditivos aos contratos vigentes. Ocorre que a companhia não é parte no processo e os pedidos não são dirigidos contra ela, bem como a parte autora não aponta destinatários específicos que estão sendo lesados pela norma impugnada.

Ainda, mesmo que a CORSAN estivesse no polo passivo, não se poderia em falar de controle difuso de constitucionalidade, pois o objeto da Lei impugnada está diretamente relacionado com os contratos que a companhia firmou e pretende aditar com os Municípios.

Sendo assim, por forma oblíqua, a parte autora, pretende a declaração de inconstitucionalidade de parte de lei de modo génerico...

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