Acórdão nº 51224491220208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51224491220208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001945540
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5122449-12.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto (art. 155)

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

APELANTE: MOISES DOS SANTOS SILVEIRA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra MOISES DOS SANTOS SILVEIRA, afirmando estar incurso nas sanções do artigo 155, § 1º, do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 4, PROCJUDIC1, fls. 2/4):

"No dia 29 de abril de 2020, por volta das 6h30min, na Rua Padre Hildebrando, nº 1073/101, Bairro Santa Maria Goretti, nesta capital, o denunciado MOISÉS DOS SANTOS SILVEIRA subtraiu, para si ou para outrem, uma bicicleta South, pertencente à vítima SOFIA DOS SANTOS WALMARATH.

Na ocasião, o denunciado MOISÉS DOS SANTOS SILVEIRA pulou o muro e subtraiu a bicicleta da vítima, empreendendo fuga.

Na sequência, o agente foi abordado por policiais militares que o questionaram sobre a bicicleta, tendo o denunciado respondido que a teria furtado.

Ato contínuo, o denunciado foi conduzido até a casa da vítima que, após ser acordada pelos policiais militares, reconheceu a bicicleta subtraída como sendo sua.

Os policiais militares conduziram o denunciado que se identificou como ALISSON ORLANDO MARQUES até a Delegacia de Polícia, quando foi civilmente identificado por ocasião do flagrante.

O furto foi praticado durante o repouso noturno".

Recebida a denúncia em 06/05/2020 (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 4, PROCJUDIC2, fls. 37/39) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada parcialmente procedente (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 14, SENT1):

"3. CÁLCULO DA PENA:

3.1. Agravante da reincidência x atenuante da confissão:

O sentenciado é reincidente, o que faz incidir a agravante do art. 61, inciso I, do CP (ações penais nº 001/2.09.0063073-7; 001/2.09.0114957-9; 001/2.10.0037213-6; 001/2.17.0026027-6; 015/2.05.0000103-2, sem notícias de extinção do cumprimento da pena na certidão de antecedentes - ev. 09).

O denunciado admitiu o cometimento do furto, o que faz incidir a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, do CP).

O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1341370 / MT), ao interpretar o art. 67, do CP, fixou entendimento no sentido da compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência.

Cito:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). PENAL. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência.

2. Recurso especial provido.

(REsp 1341370/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 17/04/2013)

3.2. Pena-base:

A culpabilidade de MOISÉS DOS SANTOS SILVEIRA é reduzida, considerando se tratar de pessoa de extrema vulnerabilidade social (pessoa em situação de rua, com fragilidade dos vínculos familiares desde a adolescência, desde quando também faz uso de entorpecentes, analfabeto e sem renda) e a conduta se revestir de baixa complexidade, sem premeditação. O sentenciado é reincidente, o que será considerado na segunda fase da aplicação da pena, com compensação com a confissão. A personalidade e a conduta social não foram apuradas. Os motivos do crime foram a drogadicção. As circunstâncias foram consideradas na culpabilidade. As consequências foram minimizadas com a apreensão e a restituição da coisa sem avarias. A vítima não concorreu para o fato.

Dada a culpabilidade reduzida e não havendo destaques a considerar no exame dos vetores do at. 59 do CP, fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão.

3.3. Pena provisória:

Incide a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, as quais se compensam, de modo a não alterar a pena-base nesta fase.

3.4. Pena definitiva:

Na terceira fase do cálculo, não havendo causas de aumento ou de diminuição de pena a considerar (tendo sido afastada a majorante do repouso noturno), a pena definitiva vai fixada em em 01 (um) ano de reclusão.

3.5. Do regime prisional:

Com base no art. 33, § 2º, alíneas 'b' e 'c', e no § 3º do mesmo artigo do Código Penal, fixo o regime inicial de cumprimento da pena o semiaberto.

3.6. Substituição da pena:

Inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (artigo 44 do CP), bem como o sursis (artigo 77 do CP), em face da reincidência e pena anterior a cumprir (PEC nº 54740998120108211001).

3.7. Pena de multa:

Fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, calculado o dia-multa na razão de um trinta avos do salário-mínimo vigente à época do delito, corrigida desde a data do fato, considerando a situação econômica do sentenciado.

3.8. Detração:

Observe-se, para fins de detração, o tempo de prisão cautelar de 29.04.2020 (flagrante convertido em prisão preventiva - fls. 31/33) até 07.08.2020 quando, neste processo, recebeu a liberdade provisória (fl. 62), nos termos do art. 387, § 2 do CPP.

[...]

5. DISPOSITIVO:

Isso posto, julgo procedente em parte a denúncia para condenar MOISÉS DOS SANTOS SILVEIRA nas penas do art. 155, caput do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto e a pagar 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo da época do fato, corrigido desde então.

Custas pelo sentenciado, com exigibilidade suspensa devido a pobreza declarada, razão pela qual defiro-lhe a gratuidade judiciária".

Intimado (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 23, CERTGM1), o réu ingressou com apelação (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 30, PET1), sustentando, em síntese, após menção à prova oral, que (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 35, RAZAPELA1): (a) preliminarmente, "se encontram presentes causa excludente da culpabilidade e da tipicidade, que levam necessariamente à absolvição" (fl. 6); (b) "confessou a prática do delito, referindo que, na época dos fatos, tinha problemas com drogas e teria cometido o suposto furto por estar drogado, na intenção de trocar a res furtiva por mais drogas", de modo que "Tal circunstância permite concluir que o acusado não tinha a plena formação da vontade do ato que cometeu", restando "ausente elemento do ato típico" (fl. 6); (c) "não tinha a plena capacidade de entendimento dos atos praticados", estando "ausente a imputabilidade do acusado e também a consciência da ilicitude do fato delituoso eventualmente praticado, a excluir a sua culpabilidade" (fl. 6); (d) "não lhe era exigível conduta diversa" (fl. 6), uma vez que "os elementos essenciais ao juízo de censura penal decorrem da premissa fundamental de que a ordem jurídica pode exigir do agente comportamento diverso, sendo que a exculpação sempre evidencia a inexigibilidade da prática de outro comportamento e decorre do fato de que o direito penal somente pode exigir do indivíduo o que lhe seja faticamente possível" (fls. 6/7); (e) "o conjunto probatório se apresenta insubsistente para alicerçar um juízo condenatório, não havendo prova robusta e irrefutável que assegure certeza acerca da autoria dos fatos" (fl. 7), beneficiando-lhe a dúvida; (f) era caso de aplicação de "regime menos gravoso para início do cumprimento de pena, qual seja o regime aberto" (fl. 12); (g) a hipótese era de "afastamento ou diminuição da pena de multa aplicada", mostrando-se "injusta a sua aplicação a indivíduos sabidamente pobres, como é o caso do réu, que não tem condições econômicas para arcar com a pena de multa aplicada sem afetar a sua própria subsistência e a de sua família" (fl. 12). Assim, ao final, pediu o provimento do recurso e a absolvição ou, subsidiariamente, a fixação do regime inicial aberto e o afastamento da pena de multa.

O Ministério Público, em contrarrazões, postulou o não provimento do recurso (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 38, CONTRAZ1).

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/TJRS, Evento 6, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso de apelação, porquanto atendidos os requisitos previstos no artigo 593 do Código de Processo Penal (CPP), notadamente em função do conteúdo da Súmula n. 705 do Supremo Tribunal Federal (STF):

"A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta".

Assim, sem efetiva relevância o pronunciamento certificado pelo Oficial de Justiça no processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 23, CERTGM1.

1. Preliminar - Imputabilidade

A defesa sustentou, preliminarmente, "que o acusado, em razão do vício, estava com sua capacidade reduzida" (processo 5122449-12.2020.8.21.0001/RS, Evento 35, RAZAPELA1. fl. 6).

A tese, no entanto, não merece êxito.

A condição de usuário de drogas ilícitas, por si só, não se revela caracterizadora da inimputabilidade, sobretudo adotando a legislação, nos termos dos artigos 261 e 28, inciso II2, do Código Penal (CP), a Teoria da actio libera in causa, que "abrange os casos em que o agente não era imputável no momento de cometer o fato, mas o era no momento em que planejou cometê-lo ou no momento em que deu início ao processo causal que resultou na ação típica"3.

Além disso, as provas não permitem concluir que o réu/apelante: (a) cometeu o delito em razão de estar, por caso fortuito ou força maior, sem a capacidade de compreender o caráter ilícito da sua conduta ou de determinar-se de acordo com esse entendimento...

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