Acórdão nº 51226551020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-11-2022

Data de Julgamento04 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51226551020228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002770554
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5122655-10.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Posse

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

AGRAVANTE: LUCAS AULER DA LUZ

AGRAVANTE: WAYSUL TRANSPORTES LTDA - EPP

AGRAVANTE: JULIANA AULER

AGRAVADO: ADEMIR MARQUES WOLFF

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUCAS AULER DA LUZ, WAYSUL TRANSPORTES LTDA - EPP e JULIANA AULER contra a decisão que julgou procedente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica nº 5001340-46.2021.8.21.0114, requerido por ADEMIR MARQUES WOLFF.

Em suas razões (evento 1, INIC1), a parte agravante alega que a desconsideração da personalidade foi requerida com base na ausência de endereço da empresa, na existência de execução fiscal contra esta, na inexistência de bens suscetíveis de constrição e na economia processual, elementos que não estão previstos na lei como fundamentos para tanto.

Refere que em nenhum momento o agravado postulou a penhora de bens da empresa e que não há qualquer indício de confusão patrimonial ou objetivo de fraudar credores.

Destaca que a existência de execução fiscal não enseja a desconsideração da personalidade jurídica.

Sustenta a ausência de qualquer prova indicativa do abuso de direito ou desvio de finalidade praticado pelos sócios, não tendo o agravado se desincumbido do seu ônus probatório.

Assevera que na matéria foi adotada a teoria maior.

Requer o provimento do recurso, para que julgado improcedente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica originário.

Sem preparo uma vez que a parte agravante litiga sob o pálio da gratuidade judiciária.

Concedido efeito suspensivo ao recurso (evento 7, DESPADEC1), a parte agravada apresentou contrarrazões (evento 15, CONTRAZ1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e merece conhecimento.

Objetiva a parte agravante a reforma da decisão que julgou procedente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nestes termos (evento 33 da origem):

No mérito, entendo cabível a desconsideração da personalidade jurídica de Wayasul Transportes Ltda, para atingir as pessoas de seus sócios Juliana e Lucas, ora réus.

O art. 50, do CC/2002, assim dispõe:

(...) Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica...”

Com efeito, há nos autos da execução elementos suficientes a demonstrar que os sócios da devedora primitiva, mediante confusão patrimonial, agiram de forma a dificultar o pagamento dos débitos desta, simplesmente encerrando as atividades, sem liquidação do passivo.

A empresa não mais está em atividade e não possui bens a penhorar, tendo sido extinta, sem resolver suas pendências.

As diversas execuções fiscais também em trâmite nesta Comarca constituem indícios robustos de abuso de personalidade e encerramento irregular da sociedade, ensejando a responsabilização pessoal.

Desnecessário, portanto, que o credor tenha exaurido os meios para constrição de bens da empresa, quando a exemplo de tantas outras execuções, nada foi encontrado capaz de fazer frente às dívidas.

Portanto, caracteriza-se o caso entre as hipóteses fáticas que permitem a desconsideração da personalidade jurídica,

A desconsideração da personalidade jurídica é medida cabível, a qualquer tempo, através de incidente processual, para responsabilizar pessoalmente os sócios que se utilizam da personalidade jurídica fictícia, de forma abusiva, para fraudar credores ou praticar ilícitos.

Tal entendimento era dominante na doutrina e jurisprudência pátria. Com a entrada em vigor do NCPC, veio a ser definitivamente incorporado ao direito positivo, na forma do que estabelece o art. 134 da lei processual, segundo o qual:

o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.”

Em suma, estão presentes os dois requisitos, no caso, a confusão patrimonial, pelo encerramento sem liquidação do passivo e o desvio de finalidade, pela utilização da pessoa jurídica com o fito de fraudar credores.

Logo, inarredável a desconsideração da personalidade jurídica e a sujeição dos sócios à execução.

ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTE o incidente de desconsideração da personalidade jurídica de WAYASUL TRANSPORTES LTDA., para DESCONSIDERAR a personalidade jurídica desta e determinar a inclusão dos sócios JULIANA AULER e LUCAS AULER DA LUZ no polo passivo da execução.

Diante deste resultado, condeno cada um dos sócios ao pagamento de 50% das custas do incidente e honorários aos procuradores da credora, que fixo em R$2.424,00, divididos na mesma proporção, na forma do art. 85, §8º, do CPC, suspensa a exigência, eis que lhes defiro a AJG.

Em que pese a impugnação do credor, não há nada nos autos que permita concluir que as declarações e demais documentos carreados com a resposta não correspondam à realidade econômica dos sócios.

Passo ao enfrentamento do tema de forma destacada.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

É sabido que a desconsideração da personalidade jurídica é possível nos casos de fraude ou de má-fé no seu uso, o que se caracteriza pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme preconiza o art. 50 do Código Civil.

Os parágrafos do referido dispositivo são elucidativos em relação à matéria. Transcrevo:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

No caso dos autos, o exequente/agravado requereu a instauração do incidente originário sob os fundamentos da ausência nos autos de endereço da empresa executada, na existência de execuções fiscais contra esta em que não foram encontrados bens suscetíveis de constrição e de inúmeros outros processos e na economia processual (evento 1 dos autos de primeiro grau).

Em primeiro lugar, cumpre dizer que a relação jurídica entre as partes não é de direito do consumidor, mas de direito civil, conforme o acórdão que lastreia o cumprimento de sentença no bojo do qual instaurado o incidente em apreço (processo 5000100-56.2020.8.21.0114/RS, evento 1, OUT3).

Então, a desconsideração da personalidade jurídica na espécie deve ser avaliada com base na disciplina do Código Civil (acima colacionada), o qual adotou a chamada "teoria maior", que não se satisfaz com a mera insolvência da pessoa jurídica - contrariamente à "teoria menor", albergada pelo Código de Defesa do Consumidor -, sendo necessário, como já referido, o abuso da personalidade jurídica, que exsurge da confusão patrimonial ou do desvio de finalidade.

O julgador monocrático entendeu procedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, ao argumento de que os sócios da empresa executada,...

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