Acórdão nº 51227114320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51227114320228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002669930
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5122711-43.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Improbidade Administrativa

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra a decisão monocrática proferida no agravo de instrumento interposto em desfavor de JAIRO JORGE DA SILVA, cuja ementa foi redigida nos seguintes termos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI N° 14.230/21. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO ESTÁ ELENCADA NAS HIPÓTESES NO ART. 1.015 CPC.

1. A decisão agravada que versa sobre o reconhecimento da retroatividade da nova lei de improbidade administrativa, bem como afasta a alegação de inconstitucionalidade da Lei 14.230/2021 não está elencada no rol taxativo das decisões suscetíveis de impugnação pela via do agravo de instrumento, o que leva ao não conhecimento do recurso.
2. Inaplicabilidade do Tema 988 do STJ.
3. Entendimento da jurisprudência do TJ/RS.

AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO, COM BASE NO ART. 932, INC. III, DO CPC, EM RAZÃO DA MANIFESTA INADMISSIBILIDADE.

O agravante aponta violação ao disposto no artigo 17, § 21, da Lei 8.429/1992 (alterada pela Lei 14.230/2021). Defende o cabimento do agravo de instrumento. Pede o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões, postulando a manutenção da decisão agravada.

É o relatório.

VOTO

I – RETRATAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA PELO RELATOR.

Tendo em vista os argumentos do agravante, retrato-me da decisão monocrática proferida por ocasião do julgamento do agravo de instrumento, aplicando o previsto no § 2º do artigo 1.021 do CPC:

§ 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta.

II - MÉRITO

A Lei nº 8.429/92, após as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, passou a dispor:

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.

(...)

§ 21. Das decisões interlocutórias caberá agravo de instrumento, inclusive da decisão que rejeitar questões preliminares suscitadas pelo réu em sua contestação.

Logo, merece ser conhecido o agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público.

Como o recurso encontra-se apto para julgamento, passo a enfrentar o mérito da questão.

Em 20/08/2020, o Ministério Público ingressou com ação civil pública por atos de improbidade administrativa contra Jairo Jorge da Silva, em razão da prática de condutas tipificadas nos artigos 10, IX e XI, e 11, caput e inc. I, da Lei nº 8.429/92.

O Ministério Público, em sua petição inicial, apontou violação aos princípios da Administração Pública, a saber, ao princípio da legalidade, uma vez que o demandado praticou atos que não lhe eram autorizados pela Constituição Federal e pela Lei n.º 9.615/1998 (Lei Pelé); ao princípio da moralidade; e ao princípio da impessoalidade, pois o demandado permitiu que somente uma determinada entidade se beneficiasse.

Sustentou o autor que a conduta do demandado JAIRO JORGE DA SILVA, praticada de forma reiterada (por cinco anos seguidos), violou de forma clara os princípios basilares da administração pública, circunstância que revela a necessidade de sua responsabilização.

Entendeu, ainda, haver comprovação suficiente de dolo do demandado JAIRO JORGE DA SILVA, para ambos os atos ímprobos a ele atribuídos na presente ação, na medida em que, enquanto Chefe do Poder Executivo local simplesmente ignorava os apontamentos do TCE/RS e mantinha e renovava, sistematicamente, os Convênios firmados com a APAV. Isso porque continuou os repasses à entidade, ainda que ciente de que eram destinados ao patrocínio de esporte de alto rendimento, de forma profissional, mesmo sem existir qualquer comprovação efetiva sobre a realização de “projetos sociais”, pois a única demonstração sobre isso sempre esteve lastrada apenas em fotografias, que, em verdade, demonstram que a equipe masculina de vôlei da APAV apenas realizava meras visitas em escolas e participação em eventos esportivos e fazer doações (de redes e bolas).

Segundo o autor/agravante, o requerido JAIRO JORGE DA SILVA sempre aceitou essa forma de justificativa dos projetos sociais da APAV, mesmo não existindo prova concreta de qualquer retorno dos investimentos. Ressaltou que o TCE/RS, já em 2012, apontou a irregularidade dos primeiros dois Convênios (03/2012 e 35/2012), na medida em que se havia constatado o pagamento de “direito de imagem” aos atletas mantidos pela APAV, revelando que o objetivo principal da parceria celebrada com o Poder Público se destinava ao esporte de alto rendimento, em caráter profissional, mantendo-se apenas um aparente incentivo/patrocínio de “política social” direcionada a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Asseverou que em nenhum momento, entre 2012 e 2016, se comprovou, de forma clara e efetiva, que os objetivos dos Convênios sempre tiveram como prioridade a promoção e o incentivo de esporte a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, até porque esses objetivos apenas se demonstraram mediantes fotografias dos atletas da equipe masculina de vôlei com crianças e adolescentes, o que foi aceito pelo demandado, que manteve sua conduta. Ou seja, isso apenas não passou de uma forma de tentar dar uma aparência de legalidade aos Convênios, mas que não surtiu o efeito esperado, já que o próprio TCE/RS, desde a primeira parceria entre o Município de Canoas e a APAV sinalizou sua ilegalidade. Além disso, também em nenhum momento durante esse período a administração logrou êxito em comprovar que os valores repassados à APAV foram revertidos ao Município de Canoas, de qualquer outra forma, pelo setor privado.

Requereu, por fim:

c. a produção de todas as provas admitidas pela legislação vigente, especialmente documental e testemunhal, requerendo, desde já, o depoimento pessoal do demandado, sob pena de confissão ficta quanto à matéria de fato, bem como a oitiva de testemunhas e a juntada de novos documentos, caso necessário (artigo 385, § 1º, do Código de Processo Civil);

d. ao final, seja julgada procedente a presente ação, a fim de que seja condenado o demandado JAIRO JORGE DA SILVA, pela prática de atos de improbidade administrativa, com a aplicação das sanções previstas nos incisos II e III do artigo 12 da Lei n.º 8.429/92: na hipótese do artigo 10, (a)ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, (b) perda da função pública, (c)suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, (d)pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e (e)proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; e, na hipótese do artigo 11, (a)ressarcimento integral do dano, se houver, (b)perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, (c)pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo réu e (d)proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

O demandado/agravado apresentou defesa prévia em 07/10/2020 (evento 8); sendo que a decisão de recebimento da inicial foi proferida em 15/01/2021 (evento 13).

Citado, o requerido apresentou contestação em 05/05/2022 (evento 48).

O Ministério Público apresentou réplica, postulando (evento 56):

a) sejam afastadas as alegações trazidas pelo requerido em sua contestação, inclusive a alegada ausência de interesse processual em razão das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, na Lei 8.429/1992;

b) pronuncie-se o juízo, nos termos do artigo 17, § 10-C, da Lei 8.429/1992 (alterada pela Lei 14.230/2021), tendo em vista o atual estágio em que se encontra a presente ação, observando-se a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, no que se refere à taxatividade do art. 11 da LIA; bem como seja declarada, incidentalmente, a inconstucionalidade da redação dada ao art. 11 da Lei 8429/92, pela Lei 14230/21, repristinando a redação anterior; ou para que seja conferida interpretação conforme à Constituição Federal em relação ao caput do artigo 11 da Lei 8.429/1992 (com as alterações inseridas pela Lei 14.230/2021), de modo a concluir pela não taxatividade do rol do referido dispositivo legal, possibilitando que condutas reprovadas pela Constituição Federal, além de ilícitos penais e administrativos também possam ser configurados como condutas ímprobas, por atentarem contra os princípios da administração pública;

c) no que toca a eventual Acordo de Não Persecução Cível, conforme acima referido, o Ministério Público consigna que será instaurado expediente administrativo, para iniciar tratativas sobre eventual acordo.

Sobreveio a decisão agravada (evento 66), que determinou a aplicação da Lei nº 14.230/2021, no que couber; afastou a alegação de inconstitucionalidade da Lei 14.230/2021; e enquadrou a conduta descrita na inicial ao tipo previsto no art. 10, inciso XI, da Lei n° 8.429/92.

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