Acórdão nº 51246003220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quinta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51246003220228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002776923
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

15ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5124600-32.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Honorários Profissionais

RELATOR: Desembargador LEOBERTO NARCISO BRANCHER

AGRAVANTE: Daniel Silva Achutti

AGRAVANTE: FERNANDA OSORIO

AGRAVADO: MAURICIO DAL AGNOL

RELATÓRIO

Inicialmente, adoto o relatório do evento nº 6:

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por FERNANDA OSORIO e DANIEL SILVA ACHUTTI em face da decisão de lavra do eminente magistrado Dr. Juliano Rossi, da 4ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo, que, nos autos da ação de exibição de documentos movida por MAURICIO DAL AGNOL, assim dispôs:

"Vistos.

1. Malgrado o ajuizamento do feito como ação autônoma de exibição de documentos, pelas razões que passo a externar, tenho por recebê-la como o procedimento de produção antecipada de provas, conforme autoriza o art. 381 do CPC, e seguindo a melhor doutrina e interpretação sobre o ponto.

De fato, na vigência do vetusto CPC de 1973, a exibição de documentos era ação cautelar (satisfativa e autônoma), com previsão nos artigos 844 e seguintes. Com a entrada em vigor do CPC de 2015, que eliminou o procedimento cautelar, a tutela almejada pela parte autora pode ter outros caminhos: a) o procedimento de produção antecipada de provas; b) o pedido de tutela de urgência cautelar antecedente; ou, c) o procedimento comum (a pior dentre todas as hipóteses, e menos plausível).

Acerca da produção antecipada de prova, leciona Bruno Vinícius Da Rós Bodart1:

"O CPC/2015 aboliu o procedimento cautelar autônomo para a exibição de documento ou coisa (arts. 844 e 845 do CPC/1973). Entretanto, ainda se revela possível a postulação da medida em caráter preparatório, observando-se o rito da produção antecipada da prova, previsto nos arts. 381 a 383, em conjunto, no que couber, com as disposições dos arts. 396 a 404, todos do CPC 2015. O art. 381, III, desse diploma permite a produção antecipada da prova nos casos em que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação.

Ainda sobre o tema, a abalizada doutrina de Teresa Arruda Alvim Wamblier2:

A ação autônoma de produção antecipada de prova não é instrumento voltado ao reconhecimento do direito material, mas sim do direito à produção da prova, seja em razão da urgência, seja para fins de auxiliar a parte na sua análise sobre a viabilidade de demanda futura.

(…)

Realizada a produção antecipada de prova, o juiz deverá dar por encerrado o processo, mediante sentença homologatória, que não reconhecerá direito material algum, nem conterá qualquer juízo de valor acerca dos fatos apurados. A sentença se limita a atestar que a produção da prova se deu de maneira regular e legítima, ou seja, mediante contraditório e sob a supervisão do juiz.

Nesse sentido, oportuno transcrever precedente recente do E. TJRS, amparando o entendimento aqui esposado, reconhecendo o pedido de exibição de documentos como produção antecipada de prova:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SUCUMBÊNCIA. 1. O EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ADMITIU A POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA DE CUNHO SATISFATIVO, VOLTADA À EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO QUE SE ENCONTRE NA POSSE DE OUTREM, CASO EM QUE SERÁ REGIDA PELO RITO PREVISTO NO ART. 318 E SEGUINTES DO CPC, APLICANDO-SE, NO QUE COUBER, O DISPOSTO NOS ARTS. 396 E SEGUINTES DO MESMO DIPLOMA LEGAL. 2. AINDA, É POSSÍVEL QUE A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO SE DÊ MEDIANTE A PROPOSITURA DE AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA, NA ATUAL SISTEMÁTICA PROCESSUAL, ATENDENDO AS SITUAÇÕES EM QUE O PRÉVIO CONHECIMENTO DOS FATOS POSSA JUSTIFICAR OU, ATÉ MESMO EVITAR, O INGRESSO DE DEMANDA JUDICIAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 381 DO CPC. 3. CUIDA-SE DE DOCUMENTO COMUM ÀS PARTES, A DEMANDADA TEM O DEVER DE EXIBIR O CONTRATO POSTULADO, NA FORMA DOS ARTS. 396 E 399, III, DO CPC, MOSTRANDO-SE CABÍVEL A PRESENTE DEMANDA. 4. EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE, DEVE A RÉ ARCAR COM O ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA, UMA VEZ QUE DEU CAUSA AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA, EM ATENÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 85, §10 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DADO PROVIMENTO AO APELO, POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 50563612620198210001, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em: 09-04-2021) - Grifei

Convergindo com este entendimento, verifica-se o teor do Enunciado n° 129 da II Jornada de Direito Processual Civil: "É admitida a exibição de documentos como objeto de produção antecipada de prova, nos termos do art. 381 do CPC".

Parece-me, pois, completamente infundada a tutela pelo rito comum, como faz alguma jurisprudência, porque o bem da vida (documento) não é bastante em si, senão instrumentalmente vinculado à futura demanda sob o rito ordinário (a busca da prova antecipadamente para evitar demanda ou esclarecer alguma situação fática).

Assinalo, ainda, que este entendimento encontra supedâneo nos princípios da cooperação, economia processual, celeridade e duração razoável do processo, pois simplifica-se um procedimento, antes ordinário, mais custoso e moroso. Ademais, evita-se a oneração das partes e, principalmente, a proliferação de diversas demandas exibitórias, a meu ver inúteis, dado os remédios previstos pelo novo Codex processual, que só visam o recebimento de honorários e abarrotam o Judiciário.

Por oportuno, transcrevo trecho do voto do Des. Dilso Domingos Pereira, proferido no julgamento da Apelação Cível n° 70065311623, que analisa as causas e consequências práticas do ajuizamento deste tipo de demanda:

[...]Ocorre que o posicionamento em questão, reiterado ao longo dos anos, acabou por chancelar a conduta de profissionais antiéticos, que, aproveitando-se da tutela em demasia abrangente, concedida com o fito de resguardar o direito daqueles que de fato o detém, passaram a ajuizar de forma desenfreada ações cautelares massificadas, com o único objetivo de angariar honorários advocatícios. Os clientes, muitas das vezes recrutados nas ruas, sequer são sabedores da propositura de inúmeras demandas em seu nome. Outorgam procuração em razão das promessas de “dinheiro fácil” e, ato contínuo, passam a integrar o polo ativo de incontáveis ações manifestamente improcedentes, gerando, para seus mandatários, renda garantida.

De outra banda, com o fito de comprovar inequivocamente a criação de uma verdadeira indústria honorária, foram obtidos, junto a PROCERGS, os seguintes dados estatísticos, referentes ao primeiro trimestre de 2014:

No tocante à subclasse “direito privado não especificado”, dos 8.112 novos recursos distribuídos no TJRS (afora aqueles encaminhados a 3ª Vice-Presidência para juízo de admissibilidade de REsp e Rext), 1.307 eram vinculados apenas a ações cautelares de exibição de documentos. Ou seja, mais de 16% (dezesseis por cento) dos processos, desta classe, distribuídos no Tribunal, correspondem a ações cautelares exibitórias.

Já na subclasse “negócios jurídicos bancários”, o número é ainda mais expressivo: dos 5.401 novos recursos distribuídos, 1.228 eram atrelados às cautelares de exibição de documentos, quer dizer, de todos os recursos envolvendo negócios jurídicos bancários, mais de 22% (vinte e dois por cento) são de ações cautelares exibitórias.

Então, pergunta-se, instalou-se ou não a indústria de honorários sob pretexto de ‘ver documentos comuns’...?!

Amparados por essas decisões antigas, muitos advogados se sentiram liberados para, sob qualquer argumento, ingressar com ação exibitória não porque há alguma necessidade, mas para lucrar com os honorários sucumbenciais.

E a consequência é o abarrotamento do Judiciário com ações totalmente infundadas.

Outro fato que não pode passar desapercebido é o da coincidência de identidade entre os problemas enfrentados pelos clientes de determinados procuradores. Anota-se, os fatos são concretos, mas se preserva os nomes dos advogados, substituindo-os por pseudônimos. Enquanto todos os constituintes do advogado ‘A’ nunca são notificados previamente à sua inscrição junto aos órgãos creditícios, todos os clientes do advogado ‘B’ necessitam os contratos bancários (que não sabem se firmaram ou não), com o fito de “analisar a viabilidade de...

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