Acórdão nº 51253724020228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51253724020228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003199444
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5125372-40.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

APELANTE: SERVICOOP - COOPERATIVA DE CREDITO DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: ALCIDES REGINALDO DA ROSA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo SERVICOOP - COOPERATIVA DE CREDITO DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS DO RIO GRANDE DO SUL da sentença que julgou procedente a ação revisional movida por ALCIDES REGINALDO DA ROSA.

Eis o relatório da sentença (Evento 22):

“(...).

ALCIDES REGINALDO DA ROSA propôs ação revisional de contrato bancário contra SERVICOOP - COOPERATIVA DE CREDITO DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS DO RIO GRANDE DO SUL.

A parte autora da ação revisional afirmou ter celebrado contrato de empréstimo n° 00088312-000 com a instituição financeira ré. Alegou que no decorrer do contrato houve excesso na cobrança de juros remuneratórios, pelo que requereu a procedência da ação para revisá-lo, a descaracterização da mora e a repetição de indébito.

Foi deferida a gratuidade judiciária.

Citado, o réu contestou. Sustentou, no mérito, que o contrato foi livremente pactuado pela parte autora, inexistindo qualquer abusividade nas cláusulas ajustadas. Requereu a improcedência da ação.

Sobreveio réplica.

(...).”

Assim constou no dispositivo:

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo à taxa média de mercado à época da contratação (1,78% a.m.) e descaracterizar a mora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Considerando a sucumbência, condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais) nos termos do art. 85, §8º, do CPC.

“(...)”

A parte ré/autora opôs embargos de declaração (Evento 28), os quais foram desacolhidos (Evento 30).

Em suas razões recursais, em síntese, a parte ré requer a manutenção das taxas pactuadas, uma vez que o juízo de primeiro grau não observou as peculiaridades e riscos elencados na hora da efetivação do contrato. Postula, alternativamente, em caso de reconhecimento do excesso, a limitação da taxa média proferida pelo BACEN acrescida de 30%. Pede a aplicação do IPCA como índice de correção monetária. Requer a manutenção das cobranças das rubricas CAD, Seguro Prestamista e IOF. Por fim, pugna pela anulação da fixação dos honorários sucumbenciais em R$ 1000,00, uma vez que em desacordo com o postulado pela parte autora, no caso, em 20% sobre o valor da condenação. Ao final, requer o provimento do recurso (Evento 39).

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 42).

Cumpridas as formalidades do artigo 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Apresentada dentro do prazo recursal previsto no artigo 1.003, § 5°, do CPC, bem como comprovado o seu preparo (Evento 39 - Pagamento de Custas 2), presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no duplo efeito.

OBJETO DA REVISÃO

Trata-se de ação revisional que tem por objeto o Contrato de Mútuo nº 00088312-000, pactuado em 12.05.2014, pactuado no valor de R$ 1.221,67, com 6 parcelas de R$ 235,31 com juros remuneratórios de 2,69% ao mês e de 37,511129% ao ano (Evento 16, CONTR2).

JUROS REMUNERATÓRIOS

A norma prevista no art. 192, § 3º, da Carta da República que limitava as taxas de juros reais em 12% ao ano e que, por sua vez, restou revogada pela Emenda Constitucional nº 40 de 29 de maio de 2003, não era auto-aplicável.

Tal entendimento, inclusive, encontra-se consubstanciado na Súmula nº 648 do STF: “A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”.

Outrossim, a limitação dos juros em 12% ao ano, fundamentada na legislação ordinária e infraconstitucional, também não procede.

Com efeito, com o advento da Lei nº 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, estas deixaram de sofrer as limitações do Decreto nº 22.626/33 (lei de Usura), tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

A matéria, inclusive, encontra-se pacificada no STJ, nos termos da Súmula nº 596 do STF: "As disposições do Dec. nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional."

Aliás, no Recurso Especial n. 1.061.530 – RS, o STJ analisou a questão dos juros remuneratórios em contrato bancário em sede de incidente de processo repetitivo, resultando a orientação nº 1, a qual transcrevo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (...) ORIENTAÇÃO 1 – JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...)”(Recurso Especial n. 1.061.530 – RS (2008/0119992-4,) Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008).

Esse posicionamento, inclusive, ensejou a formulação da Súmula 382, in verbis:

“A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”

Dessa forma, a taxa de juros remuneratórios não se encontra limitada a 12% ao ano.

Por outro lado, eventual abusividade no caso concreto pode determinar a revisão dos juros contratados com base na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).

Tem entendido o STJ que, para a aferição da excessiva onerosidade dos juros remuneratórios, é necessário, apenas, o cotejamento da taxa contratada com a taxa média de mercado.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS

LIMITADOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

1.- Mantém-se a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado quando comprovada, no caso concreto, a significativa discrepância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações da espécie.

2.- O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos.

3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 504021 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2014/0089812-6, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, Julgado em 27.05.2014, DJe em 09.06.2014) (grifado)

Note-se que, para aferir a abusividade, ou não, dos juros remuneratórios contratados pelas partes, cabe traçar um paralelo entre as taxas de juros contratadas e a Taxa média de juros das operações de crédito com recurso livres Pessoas físicas - crédito pessoal consignado para trabalhadores do setor público - código 25467 (taxa mensal), informadas pelo BACEN no seu site, como observado na sentença.

Destaco, ainda, que este Colegiado adota como parâmetro para apuração da existência de abusividade na contratação sujeitada à revisão, a taxa média de mercado registrada pelo Banco Central do Brasil – BACEN à época da contratação e em conformidade com a respectiva operação somada do percentual de 30% (trinta por cento), tido como a margem tolerável, sendo que, no caso, os juros ajustados ultrapassam tal margem.

Na hipótese dos autos, restou efetivamente demonstrada a abusividade na taxa de juros remuneratórios, diante da taxa pactuada, em maio/2014, de 2,69% ao mês, comparada à taxa média praticada no mercado, à mesma época, de 1,78% ao mês (que, acrescida da margem tolerável, poderia alcançar o máximo de 2,314% ao mês), na operação de mesma espécie.

Portanto, no caso concreto, se verifica que a taxa de juros mensal é muito superior à taxa de juros divulgada pelo BACEN, à época da contratação correspondente, já acrescida do percentual de 30%, o que se mostra exorbitante, diante das peculiaridades que envolvem as contratações, em especial, o tipo de operação, o valor disponibilizado, o prazo ajustado para pagamento, bem como o perfil do contratante, restando configurada a abusividade alegada.

Outrossim, não se pode admitir que o grau de risco da operação, tenha o condão de permitir a cobrança de juros exorbitantes pela instituição financeira, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, diante da referida situação, sendo sua a discricionariedade de conceder crédito a determinado segmento de clientes, em concorrência com as demais instituições financeiras atuantes no mercado.

Assim, admite-se a cobrança...

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