Acórdão nº 51292024820218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51292024820218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001786406
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5129202-48.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: FABIANE TAJES DE SOUSA (AUTOR)

RELATÓRIO

OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida por FABIANE TAJES DE SOUSA, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 19):

Assim, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional ajuizada por FABIANE TAJES DE SOUSA contra OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para:

1) determinar a revisão do(s) contrato(s) objeto(s) dos autos para:

- limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, para o mês da contratação, permitida a capitalização, na forma da fundamentação.

2) descaracterizar a mora, razão pela qual o bem deve ficar na posse da parte autora e seu nome não deve ser negativado, ao menos enquanto não apurado o valor efetivamente devido;

3) condenar a parte ré a compensar o débito com o crédito da parte autora decorrente desta revisão, corrigindo-se monetariamente cada pagamento a maior pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação e, remanescendo saldo credor em favor da parte autora, os valores deverão ser restituídos, na forma simples, com a mesma forma de atualização monetária e juros determinados na compensação;

4) rejeitar os demais pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da parte autora em tendo havido o deferimento da AJG.

Em suas razões recursais alegou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Preliminarmente, asseverou que o autor tem capacidade financeira de arcar com as despesas do processo e os honorários advocatícios sucumbenciais, devendo ser revogado o benefício da gratuidade judiciária. Sustentou que os juros remuneratórios não podem ser limitados, que é permitida a capitalização na periodicidade contratada, que não é caso de descaracterização da mora, que deve ser mantida a cobrança de todos os encargos moratórios previstos no contrato, que não é caso de permitir a compensação e a repetição de indébito e que deve ser revogada a antecipação de tutela concedida. Requereu a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido revisional. Pugnou pelo provimento do apelo.

O consumidor apresentou contrarrazões (evento 32).

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº1.01149.0000581.19) foi firmado em 09/08/2019, no valor de R$8.729,72, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 5,20% ao mês e de 83,73% ao ano sobre o valor financiado (evento 1 - CONTR6).

QUESTÃO PRELIMINAR

AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL:

É cediço que o interesse em recorrer constitui requisito à admissibilidade dos recursos.

Nesse sentido, cito as lições de Nelson Nery Junior, respectivamente, em Teoria Geral dos Recursos, 7ª edição, Editora RT, 2014, p. 300 e Comentários ao Código de Processo Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª tiragem, Editora RT, 2015, p. 1992.

“Da mesma forma com que se exige o interesse processual para que a ação seja julgada pelo mérito, há necessidade de estar presente o interesse recursal para que o recurso possa ser examinado em seus fundamentos. Assim, poder-se-ia dizer que incide no procedimento recursal o binômio necessidade + utilidade como integrantes do interesse de recorrer.

Deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada. Se ele puder obter a vantagem sem a interposição do recurso, não estará presente o requisito do interesse recursal”

“21. Requisitos de admissibilidade: interesse em recorrer. Consubstancia-se na necessidade que tem o recorrente de obter a anulação ou reforma da decisão que lhe for desfavorável. É preciso, portanto, que tenha sucumbido, entendida a sucumbência aqui como a não obtenção, pelo recorrente, de tudo o que poderia ter obtido no processo. Assim, ainda que tenha se saído vencedor da demandada, pode ter sucumbido e, consequentemente, ter interesse em recorrer”.

Frente ao exposto, não conheço do apelo em relação aos pedidos e fundamentos atinentes aos encargos moratórios e capitalização dos juros, tendo em vista que a sentença não acolheu o pedido do consumidor em relação a essas matérias e o contrato foi mantido, o que configura ausência de interesse recursal por parte da instituição financeira quanto aos tópicos.

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO.

Nos termos do que dispõe o caput do art. 98 do novo Código de Processo Civil, terá direito à gratuidade judiciária a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Art. 99, §3º CPC. Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Todavia, a declaração de pobreza não gera presunção absoluta da condição de necessitado do postulante, constituindo-se presunção iuris tantum, capaz de ser afastada caso o requerente da gratuidade judiciária não comprove a sua hipossuficiência econômica, quando instado a tanto, ou quando os elementos constantes dos autos demonstrem a incompatibilidade da alegação.

A respeito, Nélson Nery Júnior leciona que (...) A declaração pura e simples do interessado, conquanto seja o único entrave burocrático que se exige para liberar o magistrado para decidir em favor do peticionário, não é prova inequívoca daquilo que ele afirma, nem obriga o juiz a se curvar aos dizeres se de outras provas e circunstâncias ficar evidenciado que o conceito de pobreza que a parte invoca não é aquele que justifica a concessão do privilégio. Cabe ao magistrado, livremente, fazer juízo de valor acerca do conceito do termo pobreza, deferindo ou não o benefício.” NERY JÚNIOR, Nelson et al. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. p.477.

Ocorre que à vista dos elementos coligidos foi deferido o benefício da gratuidade judiciária ao requerente no curso do feito e, por outro lado, o pedido de revogação formulado no recurso da instituição financeira é genérico e sem a demonstração segura e robusta de que o beneficiário tem capacidade econômica de suportar as custas e despesas processuais sem comprometer o seu sustento.

Diante do exposto, vai indeferido o pedido de revogação da gratuidade judiciária concedida ao consumidor.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao enfrentamento dos demais pontos devolvidos no recurso.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação...

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