Acórdão nº 51346015820218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo51346015820218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003334089
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5134601-58.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATORA: Desembargadora DEBORAH COLETO A DE MORAES

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: CHOW SUM (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, na ação revisional que lhe move CHOW SUM, em face da sentença cujo dispositivo colaciono:

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 3802906237 à taxa média de mercado à época da contratação (7,64% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Considerando a sucumbência que toca à parte autora, decorrente da improcedência do pedido de indenização por danos morais, o decaimento é mínimo, a ensejar a condenação da parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais).

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões (evento 26), preliminarmente, a parte ré sustenta a sua ilegitimidade passsiva e denunciação da lide da empresa PRATICARD ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO LTDA. No mérito, aduz, em síntese, que os juros remuneratórios elencados no contrato não são abusivos, não sendo possível a repetição do indébito de acordo com a prescrição trienal. Ainda, menciona a impossibilidade de revisão do contrato quitado.

Apresentadas contrarrazões (evento 31).

Subiram os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça, vindo conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso.

De plano, destaco que relação jurídica travada entre as partes está jungida às diretrizes do Código de Defesa de Consumidor. Em se tratando de ação revisional de contrato empréstimo bancário, a parte autora ostenta a condição de consumidora, propriamente dita, ou por equiparação, nos termos do art. 2º do CDC:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Neste sentido é a Súmula 297 do STJ, segundo a qual “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Com efeito, estando a matéria afeita ao diploma protetivo, é possível a inversão do ônus da prova nos termos do art. 6º, VIII, do CDC como meio de facilitação da defesa dos direitos do consumidor, verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

V– a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Ademais, verifico no caso em questão os pressupostos para a inversão do ônus da prova, na medida em que incontestável que a parte autora é hipossuficiente em relação à instituição bancária, além do fato de que há verossimilhança naquilo que alegado pelo demandante, considerando que não se desconhece a necessidade do judiciário, muitas vezes, diante das abusividades contratuais perpetradas pelas instituições financeiras.

Feitas estas considerações absolutamente genéricas e assentadas tais premissas, especificamente no que concernem aos juros remuneratórios, adianto que não assiste razão à parte ré.

DAS PRELIMINARES

A ré arguiu a preliminar de ilegitimidade passiva, a qual não merece ser acolhida, uma vez que o autor firmou contrato com a requerida, conforme documento acostado na contestação (evento 14), de forma que possui gerência sobre as cláusulas e encargos pactuados, fazendo, portanto, parte da cadeira de fornecedores e configurando responsabilidade solidária (art. 18, Lei 8078/90).

Ademais, não restou comprovado que o demandante foi comunicado da cessão do crédito, sendo esta somente acostada entre as financeiras.

É faculdade do autor acionar um, ou alguns, ou todos os responsáveis solidários. Logo, prejudicada a denunciação da lide, de modo que a ré deverá, se por assim entender, ingressar com ação regressiva em face da empresa PRATICARD ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO LTDA com a qual operou a cessão de crédito.

Portanto, rejeito as preliminares.

DA REVISÃO DE CONTRATO QUITADO

De plano, cabe esclarecer que é possível a revisão de contrato de empréstimo bancário já quitado, nos termos da Súmula 286 do Superior Tribunal de Justiça: "A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores". Neste sentido é o entendimento desta Câmara:

APELAÇÃO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. REVISÃO DE CONTRATO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA. Conforme entendimento dos tribunais superiores, a taxa de juros remuneratórios pactuada somente pode ser considerada abusiva quando demonstrado que excede à taxa média praticada pelo mercado, o que se verificou na situação dos autos. COBRANÇA DE HONORÁRIOS JUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. É ilegal a previsão contratual de cobrança de honorários e despesas judiciais, pois estes valores são estipulados pelo julgador como consequência da prestação jurisdicional. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. Reconhecida a abusividade na cobrança dos juros remuneratórios durante o período de normalidade contratual, correta a descaracterização da mora, consoante entendimento do STJ, ainda que se trate de contrato extinto pelo pagamento. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. MANUTENÇÃO. Revisado o contrato de empréstimo, inevitável reconhecer que o autor também faz jus à repetição simples dos valores pagos a maior, nos termos do art. 940 do CC. REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. DESCABIMENTO. Inviável a pretendida redução da verba honorária ao procurador do autor, uma vez que o valor arbitrado (R$1.000,00) está de acordo com os parâmetros do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC e remunera de forma adequada o patrono. Recurso desprovido.(Apelação Cível, Nº 70078544855, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em: 23-08-2018)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO FINDO. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO SUMULADO. ACORDO HOMOLOGADO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. LITISPENDÊNCIA NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR E PEDIDO ENTRE AS AÇÕES. O posicionamento assente no Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte é no sentido da possibilidade de revisão de contratos findos. Ademais, no caso dos autos, a homologação de acordo nos autos de ação envolvendo as mesmas partes no âmbito do Juizado Especial Cível não induz litispendência, porquanto diversa a causa de pedir e o pedido. Naquele feito o autor pretendia a cessação de descontos em folha, repetição do indébito e indenização por dano moral, enquanto nestes pretende a revisão da avença finda. APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70077787364, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Julgado em: 05-07-2018)

DOS JUROS REMUNERATÓRIOS

Sobre tal aspecto, salvo exceções expressamente reconhecidas por nosso ordenamento, as operações de crédito bancárias e os respectivos juros pactuados como remuneração do capital entregue sujeitam-se ao regramento infralegal conferido pelo Conselho Monetário Nacional, entidade propriamente incumbida da regulamentação de tais questões, o que se denota pelo conteúdo do art. 4º, incisos VI e IX, da Lei n.º 4.595/1964.

Entretanto, é consabido que o supramencionado órgão normativo não conferiu barreiras às instituições financeiras e equiparadas quanto à fixação dos juros remuneratórios, permitindo-lhes a livre estipulação de tal encargo em relação a toda e qualquer operação de fornecimento de crédito que não seja diretamente incentivada pelo Estado, como se pode depreender dos incisos I e III, da Resolução 1.064/1.985.

Por outro lado, a autorização para livre estipulação da remuneração do empréstimo de crédito de modo algum pode servir de anuência para a cobrança de percentuais destoantes do que o mercado usualmente adota, principalmente em relações delicadas como as de consumo. Por isso, assim como o Superior Tribunal de Justiça, este Tribunal não pode fechar os olhos para a vedação imposta pelo art. 39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor à exigência de vantagens manifestamente excessivas,...

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