Acórdão nº 51349707020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51349707020228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003000897
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5134970-70.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Gestão de negócios

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

AGRAVANTE: MARCELO ROSSI JAHNS

AGRAVADO: ANGELO VENTURA DA SILVA

AGRAVADO: FRANCISCO DANIEL LIMA DE FREITAS

AGRAVADO: INDEAL CONSULTORIA EM MERCADOS DIGITAIS LTDA

AGRAVADO: MARCOS ANTONIO FAGUNDES

AGRAVADO: REGIS LIPPERT FERNANDES

AGRAVADO: TASSIA FERNANDA DA PAZ

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por MARCELO ROSSI JAHNS, nos autos da Ação de Rescisão de Contrato c/c Restituição de Bens (Criptoativos) e com Desconstituição da Personalidade Jurídica proposta em desfavor de INDEAL – CONSULTORIA EM MERCADOS DIGITAIS LTDA. e OUTROS, em face de decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência (Evento 16 dos autos originais) nos seguintes termos:

Vistos.

[...]

PASSO A FUNDAMENTAR.

Verifico que a parte autora formalmente emendou a inicial, conferindo à sua pretensão uma estimativa em moeda corrente nacional, o que deve permitir seja processado o pedido.

Contudo, verifico que a tese sustentada pela parte autora na inicial não se sustenta, de forma que o pedido de tutela provisória formulado deve ser indeferido.

Com efeito, pretende a parte autora construir a hipótese de que, por intermédio do contrato celebrado com a requerida, teria entregue para a INDEAL a custódia de criptoativos e, com isso, bloqueados tais bens pela ação da Polícia Federal, deveriam lhe ser restituídos - não pelos valores representados em reais, mas na própria criptomoeda -, postulando a rescisão do contrato.

Ou seja, a parte autora pretende ver reconhecida a existência de uma obrigação por parte da requerida de entrega de coisa certa, ou seja, de criptoativos, o que, contudo, não corresponde à realidade da relação jurídica constituída entre as partes e que vem sendo diuturnamente trazida à apreciação do Poder Judiciário pelos inúmeros investidores lesados.

Primeiramente, deixo consignado que, caso pela ação da Polícia Federal fossem apreendidos bens de terceiros, deveria ser postulado no processo penal sua restituição ao proprietário, como preveem os artigos 118 e seguintes do Código de Processo Penal, de forma que a pretensão da parte autora no presente feito não caracterizaria a medida processual correta.

Contudo, sequer há efetiva demonstração de que eventuais criptomoedas apreendidas ainda estejam disponíveis no processo penal, não tendo ocorrido sua venda antecipada, de forma que deve se admitir o processamento da ação cível, inclusive ante a necessidade de análise do pedido de rescisão do contrato celebrado entre as partes, o que ultrapassa a mera pretensão da restituição dos criptoativos.

De toda sorte, o cerne da questão está na natureza da obrigação assumida pela requerida e, além disso, na alegação da parte autora de que teria entregue criptomoedas para custódia da requerida, o que, contudo, não se sustenta.

Veja-se que o contrato padrão celebrado entre a INDEAL e os investidores, aqui retratado pelo CONTR8, anexado ao Evento 1, claramente prevê que a obrigação da parte requerida é de gerenciamento de compra e venda de ativos criptográficos. Ou seja, incumbia também a requerida a compra dos ativos criptográficos - que não lhe eram entregues pelos clientes apenas para sua custódia.

Outrossim, na Cláusula III, que trata do objeto do contrato, está expressamente previsto que a contratação é do serviço de custódia e gerenciamento da compra e venda de ativos criptográficos diversos, sendo que ao contratante ficaria garantido um ganho de capital de 15% incidente sobre o aporte inicial e aporte extra, esclarecendo que esse ganho tinha por base o valor em reais.

Ou seja, a obrigação assumida pela requerida nunca foi de entregar ativos criptográficos, mas sim de utilizar os valores em reais aportados pelos clientes nessa modalidade de investimento, restituindo, ao final, a quantia aportada com um acréscimo de capital de 15% - sempre sobre o valor em reais.

Ainda, prossegue o contrato esclarecendo que a escolha dos ativos criptográficos a serem comprados e vendidos fica a exclusivo critério da INDEAL, bem como que em caso de solicitação de valor parcial do aporte, os rendimentos teriam por base os valores em reais remanescentes.

Transcreve-se a cláusula em questão, para sua melhor compreensão, adicionando-se grifos naquilo que corrobora a tese ora esposada:

O presente contrato tem por objetivo a contratação, por parte do CLIENTE CONTRATANTE, dos serviços de custódia e gerenciamento de compra e venda de ativos criptográficos diversos, em plataforma de operação, garantindo um ganho de capital de 15% no prazo de um mês do status de CLIENTE ATIVO, incidente sobre o APORTE INICIAL e APORTE EXTRA, tendo como base seu valor em reais, que estão discriminados em adendo que faz parte integrante do mesmo. O presente contrato reger-se-á da seguinte forma:

a) O gerenciamento da compra e venda de ATIVOS CRIPTOGRÁFICOS será realizado em sites e exchanges escolhidas pela PRESTADORA CONTRATADA, sem interferência do CLIENTE CONTRATANTE;

b) Os ATIVOS CRIPTOGRÁFICOS escolhidos para a compra e venda serão selecionados a julgamento da PRESTADORA CONTRATADA, sem interferência do CLIENTE CONTRATANTE, visando maximizar o resultado das operações;

c) Em caso de solicitação do valor integral do aporte, o status do CLIENTE CONTRATANTE passa de CLIENTE ATIVO para CLIENTE INATIVO e não serão mais realizadas operações par o CLIENTE CONTRATANTE atá haver APORTE EXTRA;

d) Em caso de solicitação de valor parcial do aporte a quantia restante garantirá que o CLIENTE CONTRATANTE permaneça com status de CLIENTE ATIVO e seus rendimentos terão como base o valor em reais remanescente na plataforma da PRESTADORA CONTRATADA;

e) Os APORTES ATIVOS, com seu respectivo ganho de capital, realizados pelo CLIENTE CONTRATANTE, serão inteiramente garantidos pela PRESTADORA CONTRATADA.

A referência ao que está expresso no contrato deixa claro que os investidores entregavam à requerida determinadas quantias em reais, ou seja, os aportes iniciais ou aportes extras, para que a requerida, então, supostamente realizasse a compra e a venda de ativos criptográficos, a sua livre escolha e sem interferência do cliente, a quem seria garantido o ganho de capital de 15% sobre o valor do aporte, com a expressa referência de que incidiria sobre o seu valor em reais.

Artificial, portanto, a tese da parte autora de que teria entregue à requerida criptomoedas e que, com a rescisão do contrato de custódia, teria direito a reaver os criptoativos entregues - o que se conclui tenha sido intentado com a pretensão de distinguir-se dos demais investidores, que aguardam decisão da Justiça Federal sobre o destino dos valores apreendidos em razão do processo penal, na qual reside a esperança de verem reparadas ou minimizadas suas perdas.

Reprise-se, pelo contrato celebrado a parte autora não entregou criptomoedas para custódia pela requerida, mas valores em reais - inclusive mediante transferências bancárias - que, segundo o contratado, seriam objeto de investimento pela requerida, que tinha plena liberdade na escolha dos ativos criptográficos que seriam então comprados, custodiados e vendidos. Ao final, receberia a parte autora o valor em reais aportado, com o acréscimo do ganho de capital.

Faça-se, inclusive, a devida observação de que a investigação pela Polícia Federal acerca da atividade da requerida - que culminou com a já referida apreensão de seus bens, mas também com a prisão de seus sócios e encerramento das atividades da empresa -, passava pela suspeita de que a INDEAL agiria com finalidade diversa da divulgada, deixando de realizar os prometidos investimentos em criptoativos, constituindo-se em verdadeira pirâmide financeira, o que também reforça a tese de que não há criptoativos a serem restituídos à parte autora.

Registre-se que todas as obrigações assumidas no contrato eram representadas por quantias em reais e não por fração ideal de criptoativos, como inclusive consta do relatório de aportes e movimentação, que aponta o saldo em reais (final do CONTR8 - Evento 1).

Ou seja, estivesse a empresa em funcionamento e cumprindo o contrato celebrado, a parte autora receberia a quantia em reais descrita no aplicativo como resultado do ganho de capital sobre o aporte inicial e/ou aportes extras, mas nunca eventual fração de criptomoedas, pois não era esse o objeto do contrato ou o direito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT