Acórdão nº 51374388620218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo51374388620218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002265951
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5137438-86.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: ALEX GOULART ALVES (AUTOR)

APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

ALEX GOULART ALVES e AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. interpuseram recursos de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional nº 5137438-86.2021.8.21.0001, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 22):

Assim, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional ajuizada por ALEX GOULART ALVES contra AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., para:

1) determinar a revisão do(s) contrato(s) objeto(s) dos autos para:

- limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, para o mês da contratação, permitida a capitalização, na forma da fundamentação.

2) descaracterizar a mora, razão pela qual o bem deve ficar na posse da parte autora e seu nome não deve ser negativado, ao menos enquanto não apurado o valor efetivamente devido;

3) condenar a parte ré a compensar o débito com o crédito da parte autora decorrente desta revisão, corrigindo-se monetariamente cada pagamento a maior pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação e, remanescendo saldo credor em favor da parte autora, os valores deverão ser restituídos, na forma simples, com a mesma forma de atualização monetária e juros determinados na compensação;

4) rejeitar os demais pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da parte autora em tendo havido o deferimento da AJG.

Em suas razões recursais o consumidor alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a repetição de indébito em dobro e a majoração da condenação dos honorários advocatícios para 20% do valor atualizado da causa. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira, por sua vez, alegou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Sustentou que os juros remuneratórios não podem ser limitados, que é permitida a capitalização na periodicidade contratada e que não é caso de descaracterização da mora. Requereu a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido revisional. Pugnou pelo provimento do apelo.

O consumidor apresentou contrarrazões (evento 52).

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 53).

Vieram os autos a este Tribunal.

Nos autos da ação de busca e apreensão nº 5039299-65.2022.8.21.0001 AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. também interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou o pedido da instituição financeira nos seguintes termos (evento 5):

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação de busca e apreensão interposta por AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. contra ALEX GOULART ALVES, com fundamento no artigo 332, I e II, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas judiciais. Deixo de fixar honorários de sucumbência, posto que sequer houve a citação do réu.

Em suas razões recursais aduziu que não há cláusulas abusivas no contrato firmado e que sobre ele não deve incidir o Código de Defesa do Consumidor. Asseverou que a ação de busca e apreensão é processo autônomo e independe de qualquer outro, nos termos do art. 3º, §8º, do Decreto-Lei nº 911/69. Afirmou a inexistência de cobrança de juros remuneratórios abusivos. Alegou que a inadimplência o demandado foi demonstrado nos autos e que o requerido foi regularmente constituído em mora, estando em conformidade com o Decreto Lei 911/69. Requereu a procedência do pedido de busca e apreensão. Pugnou pelo provimento do apelo.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (Operação nº 490927874) foi firmado em 06/02/2021, no valor de R$ 12.244,10, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 3,17% ao mês e de 45,37% ao ano sobre o valor financiado (evento 1 - CONTR6).

QUESTÃO PRELIMINAR

AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL:

É cediço que o interesse em recorrer constitui requisito à admissibilidade dos recursos.

Nesse sentido, cito as lições de Nelson Nery Junior, respectivamente, em Teoria Geral dos Recursos, 7ª edição, Editora RT, 2014, p. 300 e Comentários ao Código de Processo Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª tiragem, Editora RT, 2015, p. 1992.

“Da mesma forma com que se exige o interesse processual para que a ação seja julgada pelo mérito, há necessidade de estar presente o interesse recursal para que o recurso possa ser examinado em seus fundamentos. Assim, poder-se-ia dizer que incide no procedimento recursal o binômio necessidade + utilidade como integrantes do interesse de recorrer.

Deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada. Se ele puder obter a vantagem sem a interposição do recurso, não estará presente o requisito do interesse recursal”

“21. Requisitos de admissibilidade: interesse em recorrer. Consubstancia-se na necessidade que tem o recorrente de obter a anulação ou reforma da decisão que lhe for desfavorável. É preciso, portanto, que tenha sucumbido, entendida a sucumbência aqui como a não obtenção, pelo recorrente, de tudo o que poderia ter obtido no processo. Assim, ainda que tenha se saído vencedor da demandada, pode ter sucumbido e, consequentemente, ter interesse em recorrer”.

Frente ao exposto, não conheço do apelo da instituição financeira em relação ao pedido e fundamentos atinentes a capitalização dos juros, tendo em vista que a sentença não acolheu o pedido do consumidor em relação a essa matéria e o contrato foi mantido, o que configura ausência de interesse recursal por parte da instituição financeira quanto ao tópico.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao enfrentamento dos demais pontos devolvidos no recurso.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São...

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