Acórdão nº 51385335420218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51385335420218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003108321
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5138533-54.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: UNIMED SJRPRETO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO (RÉU)

APELADO: AMANI CHADI AL KHATIB (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR) E OUTRO

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por UNIMED SJRPRETO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO contra a sentença objeto do evento 81, SENT1 do feito originário que, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por AMANI CHADI AL KHATIB representada por sua genitora NATASHA ROGOFSKI JAPUR, julgou a demanda nos seguintes termos:

Diante do exposto, julgo PROCEDENTE a ação de obrigação de fazer ajuizada por AMANI CHADI AL KHATIB contra UNIMED SJRPRETO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO para, nos termos da tutela de urgência concedida, condenar a ré a fornecer à autora o tratamento multidisciplinar conforme a prescrição médica (evento 1, ATESTMED10), suportando o respectivo custo e enquanto mantiver ela a prescrição médica respectiva.

Condeno o(a) réu(ré) ao pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais e despesas, mais honorários advocatícios, sendo estes fixados, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, em 20% sobre o valor da causa atualizado desde a data do ajuizamento conforme a variação do IPCA.

A ré (evento 91, APELAÇÃO1) defende a taxatividade do rol da ANS, conforme recente entendimento firmado pelo STJ. Dispõe que há expressa exclusão de cobertura para a Equoterapia e Hidroterapia, uma vez que estas terapias não constam no Rol da ANS. Assevera que recentemente o Natjus emitiu pareceres técnicos desfavoráveis às técnicas em razão da ausência de superioridade frente às terapias convencionais disponibilizadas pelo convênio médico. Dispõe que a negativa de cobertura encontra respaldo no § 4º do artigo 10 da Lei 9.656/98 e do inciso III do artigo 4º da Lei 9.961/00, corroborados pelo artigo 2º da RN nº 465/21, que expressamente estabelecem que as coberturas exigidas dos planos de saúde são aquelas sinalizadas no Rol de Procedimentos e Eventos da AN. Pugna pelo prequestionamento dos artigos 12, I, “b”, da LPS, e do artigo 12, § 2º e 51, IV, parágrafo 1º, I e II do CDC. Assevera a legitimidade das limitações previstas no contrato para a moléstia diagnosticada na parte autora, conforme art. 10, § 4º, 16, IV, e 35-F da LPS. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (evento 99, CONTRAZAP1) ascenderam os autos a esta corte.

O Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O apelo é adequado, tempestivo e o recorrente comprova o recolhimento do preparo (evento 91, GUIADEP2), razão pela qual passo ao seu enfrentamento.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

AMANI CHADI AL KHATIB ajuizou ação de obrigação de fazer contra UNIMED SJRPRETO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO.

Alegou que necessita de tratamentos médicos especializados para enfrentamento de câncer de sistema nervoso central - CID 10 C71.7 e sequelas dela decorrentes que afetam o seu desenvolvimento. Disse que foram prescritos tratamentos de fisioterapia intensiva pelo método Bobath, a ser realizada imprescindivelmente, 3x na semana, terapia ocupacional 2x na semana, psicoterapia 1x na semana, equoterapia 1x na semana, hidroterapia 2x na semana, conforme se comprova através dos laudos dos médicos em anexo. A fisioterapia intensiva já está sendo custeada pela operadora ré, mas os demais tratamentos não contaram co cobertura autorizada, o que defendeu é medida ilegítima diante dos termos do contrato mantido com a mesma. Argumentou que não pode ser acolhida a negativa da operadora a partir da justificativa de inexistência de cobertura contratual e não previsão no Rol da RN 465/2021 da ANS. Teceu considerações sobre os fundamentos legais que amparam a pretensão e sobre a necessidade de concessão da tutela de urgência. Pediu ao final a procedência da demanda para que a ré seja compelida a custear o tratamento prescrito por tempo indeterminado. Requereu o benefício da gratuidade e juntou documentos.

A tutela de urgência foi indeferida em primeiro grau, sendo depois concedida pelo Tribunal de Justiça.

A ré contestou argumentando que a cobertura oferecida pelos planos de saúde não se dá em vista da doença diagnosticada, mas em vista dos procedimentos prescritos, sempre em conformidade com o Rol da ANS (RN nº 465/2021). Defendeu que a Lei nº 9.656/98 ampara o entendimento posto. Disse que as coberturas, então, estão pautadas pelas previsões de contrato e o que mais fixado pela ANS no rol de procedimentos e eventos em saúde. Argumentou que a negativa de cobertura é medida legítima diante das previsões do contrato e da compreensão de que o rol é taxativo. Concluiu com o pedido de improcedência da ação. Juntou documentos.

Houve réplica.

Não foram produzidas outras provas.

O Ministério Público opinou pela procedência da pretensão.

É o relatório. Decido.

Sobreveio sentença de parcial procedência, razão da interposição dos presentes recursos pelas partes.

A controvérsia recursal versa sobre o dever de cobertura para tratamento multidisciplinar, limitação do número de sessões, cobrança de coparticipação, bem como o cabimento de indenização por danos morais.

Pois bem. Observo que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Aliás, este é o entendimento da Súmula 608 do STJ1.

Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor.

É pacífico o entendimento deste Colegiado no sentido de que o plano de saúde não pode se recusar a custear o tratamento quando coberta pelo contrato a patologia diagnosticada no beneficiário do plano.

Não há controvérsia acerca da existência do plano e sua vigência, bem como do diagnóstico (evento 1, ATESTMED9) de Câncer de Sistema Nervoso Central - (CID 10 C71.7), as sequelas decorrentes da moléstia e retirada de tumor (CID10 - I69) que afetam desenvolvimento da beneficiária, e da indicação de tratamento multidisciplinar - a fisioterapia intensiva pelo método Bobath, 3x na semana, terapia ocupacional 2x na semana, psicoterapia 1x na semana, equoterapia 1x na semana, hidroterapia 2x na semana.

Contudo, há divergência quanto ao dever de cobertura do tratamento multidisciplinar, em razão da ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS.

Entendo que o tratamento indicado pelos especialistas que acompanham a criança é o mais indicado para suprir suas necessidades, sob pena de ocorrência de graves e irreversíveis danos à saúde do paciente caso o tratamento não seja custeado (evento 1, LAUDO11 e evento 1, ATESTMED6).

Vale lembrar que a recente orientação da ANS (RN 539/2022), que incluiu o §4º no art. 6º da RN 465/2021, oferece tratamento para paciente que possuem "transtornos globais do desenvolvimento" a seguir transcrito:

Art. 6º Os procedimentos e eventos listados nesta Resolução Normativa e em seus Anexos poderão ser executados por qualquer profissional de saúde habilitado para a sua realização, conforme legislação específica sobre as profissões de saúde e regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais, respeitados os critérios de credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer outro tipo de relação entre a operadora e prestadores de serviços de saúde.

[...]

§ 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente."

Ora, a hipótese em apreço possui semelhança com os casos de pacientes com TEA ou transtornos globais do desenvolvimento, uma vez que a beneficiária, devido ao Câncer de Sistema Nervoso Central, restou com prejuízos sociais e cognitivos que justificam o recebimento dos tratamentos postulados a fim de minimizar a progressão das sequelas.

Vale lembrar que não há discussão a respeito do dever de cobertura para a enfermidade diagnosticada no beneficiário, não sendo hipóteses de tratamentos não previstos nas exclusões elencadas no art. 10 da Lei n. 9.656/98,

Destarte, considerando a indicação médica, indispensável se mostra a cobertura das sessões necessárias ao adequado tratamento da paciente, pois se está a tratar de um bem de hierarquia superior que é a saúde humana.

Outrossim, além do princípio da boa-fé entre as partes, o plano ou seguro de saúde não pode, segundo o previsto no art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, impor obrigações abusivas que coloquem o consumidor em manifesta desvantagem.

A propósito, um dos elementos essenciais do contrato de prestação de serviços médicos é a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT