Acórdão nº 51461732920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51461732920228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002846673
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5146173-29.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

AGRAVANTE: UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA

AGRAVADO: PEDRO MORAIS GREGIANIN (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

AGRAVADO: SABRINA MORAIS DA SILVA (Pais)

RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pela parte ré, UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MÉDICA LTDA., contra decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado nos autos da ação ajuizada por PEDRO MORAIS GREGIANIN, menor impúbere representado por sua genitora, na qual objetiva seja a ré compelida a custear as terapias multidisciplinares, bem assim os fármacos, prescritos para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista que lhe acomete.

Segue transcrição da decisão recorrida:

Vistos.

PEDRO MORAIS GREGIANIN representado por sua mãe SABRINA MORAIS DA SILVA, propõe ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e materiais contra UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA. Pede, em caráter de tutela antecipada de urgência, que seja a ré Unimed compelida a custear o tratamento multidisciplinar indicado ao autor, nos termos dos laudos médicos acostados à inicial (ev. 1.7).

É o relatório. Decido.

Recebo a inicial.

Defiro a AJG.

De acordo com a redação do art. 300, caput, do CPC, para a concessão da tutela de urgência se mostra necessária a presença dos seguintes pressupostos: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Se extrai do laudo que o tratamento pretendido pela parte autora consiste em:

a) Depakote (1 sprinkler, 2x ao dia) e Risperidona (0,25ml/manhã + 0,5ml/noite);

b) Fonoaudiologia (3x/semana);

c) Terapia ocupacional (3x/semana);

d) Psicopedagogia (1x/semana — método ABA), musicoterapia (1x/semana), psicologia (1x/semana), neuropsicopedagogia (1x/semana), nutrição (1x/semana).

No caso concreto, em sede de cognição sumária, tenho que estão presentes os requisitos necessários para a concessão da tutela provisória postulada. Conforme o laudo médico já mencionado, vê-se que o autor é portador do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) – CID-10 F84.0, não verbal, nível 2 — e que, conforme diagnóstico elaborado, necessita realizar tratamento multidisciplinar.

Vale dizer que o contrato de plano de saúde está submetido às normas do CDC, forte na Súmula 608, do STJ, e deve ser interpretado de maneira mais favorável à parte fraca na relação, na forma do art. 47 do aludido diploma consumerista. Ao tempo que as operadoras de saúde podem escolher para quais doenças oferecerão coberturas, não lhes cabe avaliar a necessidade da realização do tratamento indicado; tal incumbência pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente.

Para além disso, discute-se aqui a saúde, qualidade de vida e o desenvolvimento sadio de uma criança de três anos de idade (cf. certidão de nascimento - ev. 1.5). É temerário afastar a adequada oportunidade de tratamento porquanto presentes os riscos de obstaculização do pleno desenvolvimento da criança. Nesse norte, por força da Lei nº 12.764/12, a pessoa com transtorno de espectro autista tem direito ao diagnóstico precoce, ainda que não definitivo, e ao atendimento multiprofissional. Cito a disposição legal, por oportuno:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

Em convergência, cito precedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUTISMO. NECESSIDADE DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS CONFIGURADOS. 1. Trata-se de decisão recorrida publicada após a data de 18/03/2016, quando entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015, de modo que há a imediata incidência no caso dos autos da legislação vigente, na forma do artigo 1.046 do diploma processual precitado. 2. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98. Súmula n. 469 do STJ. 3. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos nos autos que evidenciem a probabilidade do direito reclamado e houver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300 do novo Código de Processo Civil. 4. A parte agravante apresenta diagnóstico de autismo, necessitando de diversos tratamentos, essenciais ao desenvolvimento do paciente, diante do quadro de saúde apresentado. Logo, presente o perigo de dano à saúde. 5. Em sede de cognição sumária, estão presentes os requisitos previstos para o deferimento da tutela de urgência no caso, pois, em tese, o que importa para a solução do litígio é a existência de cobertura da patologia apresentada. Dado provimento ao agravo de instrumento.

(Agravo de Instrumento Nº 70071374060, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 19/12/2016) — grifei.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIÇÃO DE FAZER. AUTISMO. TRATAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. DESCABIMENTO. NECESSIDADE E URGÊNCIA ATESTADAS EM LAUDO MÉDICO. A concessão da antecipação de tutela pressupõe prova inequívoca da verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a teor do disposto no art. 300 do Novo Código de Processo Civil. Presentes os requisitos previstos no art. 300 do NCPC, deve ser deferida a antecipação de tutela. Estando o tratamento para o Autismo devidamente prescrito pelo médico assistente, não cabe à operadora do plano de saúde negar o respectivo tratamento. Agravo de Instrumento provido, por maioria

(Agravo de Instrumento Nº 70071168157, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em 30/03/2017) — grifei.

Para além disso, o autista é considerado, para todos os efeitos, como pessoa com deficiência, e, portanto, deve receber os serviços de saúde o mais próximo possível de sua residência. Desse modo, não é razoável que a autora, já comprovadamente hipossuficiente, seja obrigada a realizar trajeto diário de mais de 120km a fim de proporcionar o tratamento adequado ao filho, mormente porque o tratamento é contínuo e perdura por tempo indeterminado.

Diante de todo o exposto, DEFIRO a tutela de urgência e DETERMINO que a ré Unimed passe, no prazo máximo de CINCO DIAS, a custear o tratamento pretendido à autora, sob pena de bloqueio de valores para contratação direta.

Cite-se a ré, com urgência, cientificando-a desta decisão.

Em suas razões recursais, a parte demandada alegou, em síntese, que, com exceção da musicoterapia e das medicações orais Depakote e Risperidona, os demais tratamentos postulados possuem efetiva cobertura contratual, observada a coparticipação prevista em contrato. Asseverou que o dever de cobertura de medicações de uso domiciliar está vinculado aos fármacos antineoplásicos. Quanto à musicoterapia, aduziu ausência de previsão no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS. Ainda, sustentou ser licita a cobrança de coparticipação amparada em cláusula contratual, que, no caso, é de 50% sobre as terapias multidisciplinares. Nesse contexto, postulou seja atribuído efeito suspensivo ao recurso. Por fim, requereu o provimento do Agravo de Instrumento.

O recurso foi recebido no duplo efeito.

A parte agravada apresentou contrarrazões.

Os autos subiram.

Distribuídos, vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do Agravo de Instrumento.

Conforme relatado, a matéria controvertida, devolvida a este grau, refere-se ao pedido de tutela de urgência - deferido na origem -, para que a operadora do plano de saúde custeie as terapias multidisciplinares prescritas à autora, portadora do Transtorno do Espectro Autista.

Na espécie, o médica assistente do demandante prescreveu sejam realizadas sessões de (i) fonoaudiologia; (ii) terapia ocupacional; (iii) Psicopedagogia; (iv) Musicoterapia; (v) psicologia; (vi) neuro psicopedagogia; e (vii) nutrição. Além disso, prescreveu o uso de duas medicações - Depakote e Risperidona.

A insurgência apresentada pela parte ré, com efeito, refere-se à a terapia não prevista no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Musicoterapia), bem assim com os remédios prescritos, que não seriam de cobertura obrigatória pelas operadoras dos planos de saúde, além da forma de reembolso das sessões realizadas com os profissionais de eleição, com a cobrança de coparticipação.

Nas ações como a presente devem ser observadas as coberturas definidas na Resolução Normativa nº 428/2017, atual RN nº 465/2021, da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), que apresenta Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a qual não pode prever aquelas excetuadas no artigo 10 da Lei nº 9.656/98 e, também, não pode excluir ou mitigar as hipóteses do artigo 12 do mesmo diploma legal.

In verbis:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística...

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