Acórdão nº 51468099220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51468099220228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003227035
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5146809-92.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

AGRAVANTE: EDUINO ZAVALHA

AGRAVADO: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

RELATÓRIO

EDUINO ZAVALHA interpõe agravo de instrumento em face da decisão que indeferiu a gratuidade de justiça por si postulada nos autos do feito em que contende com PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, cuja fundamentação transcrevo a seguir (evento 14, DESPADEC1):

Vistos.

Conforme se verifica dos documentos juntados pelo requerente, em especial da declaração de IRPF referente à 2021 (DECLARAÇÃO6, Evento 12, o rendimento bruto anual do autor totaliza mais de R$ 174.000,00, auferindo assim, mensalmente, mais de R$ 14.000,00.

Logo, tal rendimento ultrapassa o patamar delimitado pelo TJ/RS para conceder o benefício da justiça gratuitda, cujo limite é de até cinco saláros mínimos mensais, consoante o Enunciado nº 49, do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça:

49ª - O benefício da gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores perquirições, aos que tiverem renda mensal bruta comprovada de até (5) cinco salários mínimos nacionais.

No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial do TJ/RS, o qual colaciono:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PESSOA FÍSICA. REQUISITOS OBJETIVOS NÃO IMPLEMENTADOS. Para concessão da gratuidade judiciária é necessário que a parte atenda aos requisitos previstos no Enunciado nº 49 do Centro de Estudos deste Tribunal de Justiça. Presente a confusão patrimonial entre a pessoa física e a sua pessoa jurídica (firma individual), é caso de manter o indeferimento do pedido, em razão da declaração de imposto de renda juntada aos autos comprovar que o agravante percebe renda mensal bruta superior a cinco salários mínimos nacionais. Inviabilidade de parcelamento das custas, diante do caso concreto. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50725399720228217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em: 24-06-2022) (grifei).

À vista do exposto, indefiro o benefício da justiça gratuita ao requerente.

Intime-se para que, em 15 dias, comprove o pagamento das custas iniciais, sob pena de cancelamento da distribuição do feito.

Diligências legais.

Em suas razões, sustenta fazer jus ao benefício devido as dívidas que estão sendo descontadas de sua conta bancária, como consequência, reduzindo sua capacidade financeira. Refere não ter condições de arcar com as custas do processo sem o comprometimento substancial de sua renda. Colaciona jurisprudência. Pugna pelo provimento (evento 1, INIC1).

Apresentadas contrarrazões (evento 14, CONTRAZ1), vieram os autos conclusos para julgamento (Evento 16).

VOTO

Admissibilidade recursal

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Assim, vai conhecido o recurso, o qual passo a analisar.

Mérito do recurso

No mérito, primeiramente, entendo que o tema da concessão do beneficio da gratuidade de justiça deva ser contextualizado dentro da sua atual moldura constitucional.

A Lei nº 1.060 de 05 de Fevereiro de 1950, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, dispõe no seu artigo. 4º que “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986).

E complementa o parágrafo 1º do mesmo artigo que: “Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986).

A presunção juris tantum de pobreza contida no parágrafo transcrito, como decorrência da simples afirmativa da parte nesse mesmo sentido, vinha sendo quase que indissonantemente acolhida pelos tribunais. Porém, esse entendimento majoritário sofreu relativo abalo com o advento da CF em 1988, cujo artigo 5º dispôs no seu inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Parcela da doutrina viu na expressão “aos que comprovarem insuficiência de recursos", uma limitação ao que já dispunha a legislação infraconstitucional, com o que já não mais vigoraria a presunção da necessidade a partir da mera afirmação da parte nesse sentido. Por outras palavras, ao invés de se entender que os constituintes limitaram-se a alçar à dignidade constitucional o instituto da gratuidade de justiça, o texto da Lex Magna acabou sendo interpretado como uma neutralização à simplificada forma de chegar-se à presunção de hipossuficiência do assistido - através da simples declaração deste - exigindo um processo bem mais complexo, qual o da demonstração cabal da alegada impossibilidade por parte do requerente, que decorreria da interpretação literal da verba constitucional “... aos que comprovarem insuficiência de recursos."

A partir disso, naturalmente, medraram os precedentes jurisprudenciais exigindo a comprovação da hipossuficiência, do que é exemplo exatamente o caso concreto.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, porém, em pelo menos duas decisões, referendou o entendimento de que a Constituição, longe de limitar um direito inspirado pela solidariedade - e que lhe era preexistente, recepcionou-o na sua plenitude. Eis as ementas dos dois arestos:

RE n° 205.029-6. Constitucional. Acesso à justiça. Assistência judiciária. Lei 1060, de 1950. CF., art.5°, LXXIV. I- a garantia do art. 5°, LXXIV – assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos – não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei 1060, de 1950, aos necessitados, certo que, para obtenção desta, basta a declaração, feita pelo próprio interessado, de que a sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Essa norma infraconstitucional põe-se, ademais, dentro do espírito da Constituição, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à Justiça (C.F. art. 5°, XXXV). II- R.E. não conhecido.” (STF, 2ª Turma, relator Min. Carlos Velloso. DJ de 07.03.97. Ementário n° 1860-06).

RE n° 206.958-2. “Assistência Judiciária Gratuita. Alegação de Revogação do art. 4°, §1°, da Lei 1.060/50 pelo art. 5°, LXXIV, da Constituição. Improcedência. A atual Constituição, em seu art. 5°, LXXIV, inclui, entre os direitos e garantias fundamentais, o da assistência jurídica integral e gratuita pelo Estado aos que comprovarem a insuficiência de recursos. Portanto, em face desse texto, não pode o Estado eximir-se desse dever desde que o interessado comprove insuficiência de recursos, mas isso não impede que ele, por lei, e visando a facilitar o amplo acesso ao Poder Judiciário que é também direito fundamental (art. 5°, XXXV, da Carta Magna), conceda assistência judiciária gratuita – que aliás é menos ampla que a assistência jurídica integral – mediante a presunção ‘iuris tantum’ de pobreza decorrente da afirmação da parte de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. Nesse sentido tem decidido a Segunda Turma (RREE 205.209 e 205.746). Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves. DJ de 26.06.98. Ementário n° 1916-03).

Como se vê, o eg. STF conjugou o direito à assistência judiciária gratuita com o princípio fundamental do livre acesso à justiça, previsto no inciso XXXV do art. 5º da CF, princípio esse que consubstancia a principal garantia dos direitos subjetivos dos cidadãos. Não é demais recordar-se que o Estado exerce o monopólio da jurisdição, proibindo a autotutela, pelo que, em contrapartida, a todos concede o pleno acesso à justiça. Daí também denominar-se essa faculdade constitucional de princípio da inafastabilidade da jurisdição.

De nada adiantaria essa norma constitucional, porém, caso fosse exigido daqueles que não detém capacidade econômica suficiente, o prévio preparo das custas e demais despesas processuais, que tem se constituído como pré-requisito ao direito de ação, zelosamente exigido em todas as instâncias judiciais. Ou, como em candente linguagem já se decidiu:

“(...) Mal-arranjada tapeação seria, ao cidadão, verdadeiro dono do Poder (CF, art. 1.º e § único), em que se insere o Judiciário (CF, art. 2.º), se lhe fosse dada apenas a mera possibilidade de ir ao Judiciário, mas do mesmo passo lhe fosse exigido pagamento de valor que lhe é insuportável; de tola construção retórica não passaria o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, na medida em que ao jurisdicionado estaria sendo concedida nada mais do que meia-justiça, se tanto. (...) (TJPR, AI n. 175.920-0, 8ª C.C, Rel. Des. Rabello Filho, julgada em 13/10/2005).

Essa mesma advertência é repetidamente grifada pela doutrina: A facilitação do acesso do necessitado à justiça, com a assistência jurídica integral, é manifestação do princípio do direito de ação. Todo expediente...

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