Acórdão nº 51469474120218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022
Data de Julgamento | 09 Dezembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 51469474120218210001 |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003089359
19ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5146947-41.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda
RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL
APELANTE: SUSANA CRISTINA ROGLIO (RÉU)
APELADO: DORALINA MISZCZUK (AUTOR)
APELADO: EZEQUIEL MISZCZUK (AUTOR)
APELADO: SAMUEL MISZCZUK (AUTOR)
RELATÓRIO
SUSANA CRISTINA ROGLIO apela da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda ajuizada por DORALINA MISZCZUK, EZEQUIEL MISZCZUK e SAMUEL MISZCZUK.
Transcrevo o dispositivo sentencial:
3.Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a AÇÃO para declarar rescindida a promessa de compra e venda inadimplida pela ré e para determinar, nos termos do pedido, e como consequência a rescisão ora decretada, o cancelamento do R.10.90573, da 4ª Zona de Porto Alegre, condenando a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios estes arbitrados em 10% do valor da causa.
Registrar e intimar.
Em razões (Evento 34), argui a nulidade da citação, aduzindo que os autores induziram o juízo em erro ao indicar endereço diverso daquele onde reside a ré/apelante e informado no contrato de promessa de compra e venda que é objeto deste feito, qual seja: R. Deoclécio Ribeira, n.º 584, Bairro Rio Branco, Caxias do Sul/RS. Argumenta que as próprias notificações de cobrança enviadas à ré se destinaram ao endereço errôneo. Aduz que a carta AR enviada à R. Engenheiro Saldanha, nº 75, apto. 802, CEP 90570/120 não foi recebida pela demandada e nem há qualquer comprovação que a demandada teria tido conhecimento de documento contido no envelope. Cita o teor do art. 280 do CPC que dispõe que as intimações são nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, pois, no caso dos autos, os demandantes deslealmente postularam a citação da demandada em endereço antigo quando, a bem da verdade, tinham total conhecimento do seu endereço atual. Afirma ser inquestionável a irregularidade no procedimento de citação, cuja nulidade foi arguida na primeira oportunidade em que a ré se manifestou nos autos (25/05/2022). Pretende, ainda, que seja reconhecida a litigância de má-fé dos autores, os quais, mesmo tendo conhecimento do endereço de residência da ré, pesquisaram endereço antigo, com a finalidade de obstaculizar a citação e a respectiva defesa.
Pugna pelo reconhecimento da nulidade do ato citatório, devendo ser oportunizado o oferecimento de contestação pela parte ré, bem como a aplicação de multa por litigância de má-fé contra os apelados.
Os autores apresentaram contrarrazões (Evento 43), alegando, em suma, que a apelante possui vários endereços, e que, ao seu bel prazer, os direciona para buscar a anulação de atos hígidos, ou seja, em ato de pura má-fé processual. Referen que a 1ª prova da mentira e falsidade da ré/apelante se dá através do Processo Trabalhista nº 000815-42.2011.5.04.0012 que tramita perante a 12ª Vara Trabalhista de Porto Alegre/RS, no qual, conforme procuração outorgada em 20/04/2016, é informado como local de residência o imóvel sito à Rua Engenheiro Saldanha, n.º 75, ap. 802, Bairro Floresta, Porto Alegre, RS; que a 2ª prova exsurge do Processo Civil n.º 5001954-84.2019.8.21.2001, que tramita perante a Vara Cível do Foro Regional do Alto Petrópolis, desta Capital, na qual, segundo petição protocolada em 20/05/2022, Evento 160, pela advogada da ré/apelante (Drª Giuliane Giorgi Torres – OAB/RS 82.731), afirma-se que o endereço da parte também é aquele anteriormente referido. Por fim, salienta que a 3ª prova da mentira e falsidade da ré/apelante se apresenta na execução fiscal municipal de n.º 5037882-48.2020.8.21.0001, que tramita perante a 8ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central desta Capital, onde no Anexo 3, Evento 1, informa o endereço da Ré/Apelante como sendo o mesmo apontado nessa ação.
Propugnam a confirmação da revelia e da sentença, bem como pela condenação da parte ré à penalidade por litigância de má-fé.
É o relatório.
VOTO
Satisfeitos os requisitos de admissibilidade.
Eminentes Colegas.
Inicialmente, convém destacar que a nulidade ou a inexistência de citação constitui vício transrescisório, não havendo óbice a que o magistrado de primeira instância o declare ex officio ou a requerimento da parte interessada, a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Conforme dicção do art. 238 do CPC, “Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”.
Como anota, Daniel Amorim Assumpção Neves1, a previsão legal não está completamente certa, na medida em que o réu, o executado e o interessado são automaticamente integrados ao polo passivo da ação, não se tratando de convocação propriamente dita, in verbis:
O art. 238 do Novo CPC prevê que a citação é o ato pelo qual se convoca o réu, o executado ou o interessado (o termo “demandado” seria mais adequado) para integrar a relação jurídica processual. Apesar de não estar integralmente correto, já que a citação não convoca o demandado a coisa alguma, integrando-o automaticamente à relação jurídica processual, o conceito é melhor que o anterior.
Seja como for, a citação, é indispensável para a própria existência da relação processual, e a sua validade igualmente indispensável para a validade do processo judicial, pelo que deve zelar o Poder Judiciário em todas as suas instâncias por força do devido processo legal, garantia constitucional de índole processual positivada no art. 5º, LIV, da CF/88.
Daí estabelecer o art. 239 do CPC que o ato citatório é indispensável para a validade do processo, in verbis:
Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.
§ 2º Rejeitada a alegação de nulidade, tratando-se de processo de:
I - conhecimento, o réu será considerado revel;
II - execução, o feito terá seguimento.
Neste particular, insta colacionar o escólio doutrinário de Nelson Nery Júnior2:
2. Pressuposto processual de existência. Muito embora com o despacho da petição inicial já exista relação angular entre autor e juiz, para que seja instaurada, de forma completa, a relação jurídica processual, é necessária a realização da citação. Portanto, a citação é pressuposto de existência da relação processual, assim considerada em sua totalidade (autor, réu, juiz)). Sem a citação não existe processo (Liebman. Est., 179). Em suma, pressuposto de existência da relação processual: citação. Havendo sido feita a citação, mesmo que invalidamente, o processo existe, mas estará viciado. Citação é pressuposto de existência do processo; citação válida é pressuposto de validade do processo.
Partindo-se dessa premissa, a citação, por expressa disposição legal, deve observar todas as formalidades que lhe são inerentes, sob pena de restar inquinado o ato por nulidade absoluta, e, como tal insanável, a qual, em razão da sua gravidade, não só pode, como deve ser proclamada de ofício pelo magistrado, como se extrai da interpretação conjunta dos arts. 278, parágrafo único, e 280 do CPC:
Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.”
“Art. 280. As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.
Com efeito, é dever do magistrado zelar pela higidez e validade da relação jurídico-processual, razão pela qual a lei lhe confere o poder-dever de declarar as nulidades absolutas que constatar no trâmite processual, a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Neste particular, calha invocar o teor do art. 139, IX, do CPC:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:(...)
IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;(...).”
Nelson Nery Júnior3 inclusive ressalta a imprescritibilidade da pretensão relativa à declaração de nulidade de atos processuais nulos, bem como a não sujeição desses mesmos atos processuais à preclusão, in verbis:
“6. “Preclusão” da nulidade absoluta. A nulidade absoluta recebe tratamento severo da legislação civil: nunca convalida, deve ser decretada de ofício, a declaração de nulidade tem eficácia ex tunc e prescinde de ação para ser reconhecida. Justamente porque a nulidade absoluta, sua declaração tem caráter imprescritível. Demais disso, como a nulidade deve ser decretava ex officio, não há que se falar em preclusão da declaração de nulidade absoluta, nos termos do CPC/1973 245 par. Ún. [CPC 278 par. Ún]. As matérias de ordem pública podem, e devem, ser decretadas pelo juiz a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição.
Sobre as nulidades processuais absolutas e a possibilidade de decretação ex officio pelo magistrado, oportuna a lição do mencionado doutrinador4:
O ato absolutamente nulo já dispõe da categoria de ato processual; não é mero fato como o inexistente; mas sua condição jurídica mostra-se gravemente afetada por defeito localizado em seus requisitos essenciais. Compromete a execução normal da função jurisdicional e, por isso, é vício insanável. Diz respeito a interesse de ordem pública, afetando, por isso, a própria jurisdição (falta de pressupostos processuais ou condições da...
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