Acórdão nº 51490028020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51490028020228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003047392
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5149002-80.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

AGRAVANTE: BANCO REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL - BRDE

AGRAVADO: FRANCISCO ARTUR PUCCINELLI ALVES

AGRAVADO: WAINE DE MELO MEDEIROS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por BANCO REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL - BRDE, contra a decisão prolatada nos autos da execução ajuizada em face de FRANCISCO ARTUR PUCCINELLI ALVES e WAINE DE MELO MEDEIROS, com o seguinte conteúdo:

Vistos. Cuida-se de analisar impugnação à penhora do imóvel de matrícula nº 11.683, sob o fundamento de tratar-se de bem impenhorável, por caracterizar bem de família e pequena propriedade rural. É o brevíssimo relato. Decido. A pequena propriedade rural recebe proteção constitucional, sendo vedada a penhora para o pagamento de dívida, ainda que decorrente de sua atividade produtiva, nos termos do art. 5°, inc. XXVI, verbis: “A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento” A finalidade da regra constitucional é a proteção dos meios de o agricultor obter subsistência e desenvolver-se, protegendo, enfim a dignidade da pessoa e o direito à moradia, bem como homenageando a função social da propriedade. A Lei no 8.009/91, no seu art. 4°, §2° exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família. Conforme interpretação sistemática da Lei 8.629/1993 (Reforma Agrária), da Lei 8.009/1990 (Impenhorabilidade) e da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), se enquadra no conceito de pequena propriedade rural, aquela cuja extensão de área é inferior ao módulo fiscal. Na região, o módulo fiscal é de 40 ha, conforme informação extraída do sítio do INCRA na internet. No caso do executado, verifica-se que a propriedade rural possui 36ha.64a.49ca, registrado sob a matrícula n° 11.683. Assim, restou caracterizada a impenhorabilidade do imóvel rural, motivo pelo qual desconstituo a penhora anteriormente efetuada sobre o imóvel de matrícula 11.683. Intimem-se. Com o trânsito da presente decisão, deverá a parte exequente comprovar que procedeu o levantamento da penhora junto ao CRI.

A parte-agravante, declinando suas razões, requer o provimento do recurso. Refere que a decisão agravada não possui fundamentação, devendo ser reconhecida sua nulidade. Destaca, ainda, que "os devedores convivem em união estável, tendo os recursos do financiamento sido revertidos em benefício da entidade familiar" e que "cada um dos devedores ofereceu dois imóveis em garantia ao título- o imóvel objeto da irresignação que gerou a decisão agravada e um já declarado impenhorável. Portanto, resta evidente que não estamos diante de hipótese de impenhorabilidade".

A parte-agravada ofereceu contrarrazões, alegando a perda do objeto (evento 13, CONTRAZ1).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. PERDA DO OBJETO.

O interesse recursal é um dos requisitos intrínsecos de admissibilidade dos recursos.

Consoante Araken de Assis1:

Considera-se prejudicado o recurso nos casos em que o interesse recursal desapareceu superveniente à interposição. O processo representa o indispensável mecanismo de mediação e resolução dos conflitos verificados na vida em sociedade. Todavia, o processo se desenvolve no tempo, pois não há justiça instantânea... Nesta contingência, o juiz julgará a lide não como ela se apresentava no passado, mas como ela se exibe no presente – no momento do próprio julgamento. A transformação dos fatos ou do direito beneficia as partes, indiferentemente, mas, vindo ao encontro da proposição do réu, diz-se que o processo perdeu o objeto ou se encontra prejudicado.

Na lição de Fredie Didier Jr2:

Para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar este objetivo.

No caso, alega a parte agravada, em contrarrazões, a perda do objeto do presente recurso, destacando que "a decisão atacada foi proferida no processo executivo em 29/06 do corrente ano (ev. 19), sendo que na data de 14/07 a parte agravante fez juntada das matrículas a serem penhorados (ev. 24), com pedido acolhido em 28/07 (ev. 26)".

Sem razão. Isto porque eventual oferecimento de bens à penhora não interfere no interesse recursal da parte agravante em ver reconhecida a penhorabilidade do imóvel objeto do presente agravo, inclusive para manutenção e/ou efetivação da garantia.

NULIDADE DA DECISÃO POR SUPOSTA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

No que tange ao dever de fundamentação, nos termos do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Por sua vez, o §1º do art. 489 do CPC refere o seguinte:

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Na lição de Teresa Arruda Alvim Wambier 3:

Princípios jurídicos, a seu turno, que também são normas jurídicas, também são, via de regra, verbalmente formulados com o uso de conceitos indeterminados. Quanto mais fluído, mais rarefeito, o parâmetro que o juiz há de levar em conta para decidir, mais evidente a necessidade de que seja densa a fundamentação da sentença, no sentido de se explicitar os porquês de se enxergar, no caso concreto, oportunidade para aplicação da norma jurídica (v. mais sobre o tema nos comentários sobre os embargos de declaração). Norma já embutida nas anteriores (art. 489, § 1.º, I e II) é que consta do § 1.º, III, que considera não motivada a decisão "vestidinho preto", que se prestaria a justificar qualquer decisum: como, por exemplo, concedo a liminar porque presentes os seus pressupostos. A fundamentação deve ser expressa e especificamente relacionada ao caso concreto que está sendo resolvido.

Na hipótese dos autos, não se verifica nulidade da decisão.

Inobstante concisa, a decisão agravada fundamentou a impenhorabilidade, destacando a norma de regência em cotejo com o caso concreto.

Com efeito, embora sucinta, a decisão foi suficientemente fundamentada, pois presentes os motivos pelos quais o juízo a quo entendeu impenhorável o imóvel.

Nesse cenário, impõe-se rejeitar a preliminar suscitada.

IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL.

A Constituição Federal prevê que a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento (art. 5º, XXVI, CF).

O art. 833 do CPC estabelece o rol dos bens impenhoráveis.

Segundo dispõe o inciso VIII do artigo supramencionado, são impenhoráveis a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.

O parágrafo 2º do art. da Lei n. 8.009/90, que dispõe acerca da impenhorabilidade do bem de família, possui a seguinte redação:

§ 2º - Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede da moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.

Por sua vez, o art. 4º da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra) estabelece o seguinte:

“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
(...)
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso anterior”
;

Outrossim, segundo prevê a alínea “a” do inciso II do artigo 4º da Lei n. 8.629/93 “para efeitos dessa lei, conceituam-se a pequena propriedade – o imóvel de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais”.

Enfim, a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, não pode ser objeto de penhora ainda que oferecida em garantia hipotecária.

Transcrevo:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS.
INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL....

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