Acórdão nº 51494945420218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 30-06-2022
Data de Julgamento | 30 Junho 2022 |
Órgão | Décima Terceira Câmara Cível |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 51494945420218210001 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002257652
13ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5149494-54.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas
RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER
APELANTE: IRACEMA DOROTI CORREA (AUTOR)
APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelações cíveis reciprocamente interpostas pelas partes, contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação revisional que IRACEMA DOROTI CORREA move em face de AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. Referido decisum (evento 20) teve o dispositivo assim redigido:
Assim, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional ajuizada por IRACEMA DOROTI CORREA contra AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., para:
1) determinar a revisão do(s) contrato(s) objeto(s) dos autos para:
- limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, para o mês da contratação, permitida a capitalização, na forma da fundamentação;
- limitar os juros moratórios a 1% ao mês;
- limitar a multa por inadimplência a 2% sobre o valor do débito;
2) descaracterizar a mora, razão pela qual o bem deve ficar na posse da parte autora e seu nome não deve ser negativado, ao menos enquanto não apurado o valor efetivamente devido;
3) condenar a parte ré a compensar o débito com o crédito da parte autora decorrente desta revisão, corrigindo-se monetariamente cada pagamento a maior pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação e, remanescendo saldo credor em favor da parte autora, os valores deverão ser restituídos, na forma simples, com a mesma forma de atualização monetária e juros determinados na compensação;
4) rejeitar os demais pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% 1sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da parte autora em tendo havido o deferimento da AJG.
Nas suas razões de apelação (evento 27) a parte ré arguiu, preliminarmente, a litigância de má-fé da parte autora. No mérito, alegou que não há falar em excessividade quanto aos juros remuneratórios praticados. Sustentou a legalidade da comissão de permanência, pois não cumulada com outros encargos moratórios. Rechaçou a compensação de valores e a repetição do indébito. Prequestionou matéria legal. Postulou o provimento do recurso.
Em seu apelo (evento 31) a parte autora requereu a repetição do indébito, em dobro e pela majoração dos honorários advocatícios. Postulou o provimento do apelo.
A parte autora apresentou contrarrazões (evento 36), bem como a parte ré (evento 38).
Subiram os autos à Corte.
Vieram conclusos.
VOTO
Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos e passo à análise conjunta.
DO CONTRATO
Cuida-se da Cédula de Crédito Bancário n.463495594, garantida por cláusula de alienação fiduciária, firmada pelas partes em 17 de agosto de 2020 (CONTRA6 - evento 1).
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Não assiste razão ao réu ao postular a condenação da parte autora por litigência de má-fé ante a existência de diversas ações patrocinadas pela advogada do autor, todas com o mesmo conteúdo.
Veja-se que a situação não se enquadra em nenhuma das hipóteses do artigo 80 do Código de Processo Civil. A interposição de ações revisionais é um direito dos contratantes e faz parte do ofício dos advogados. O fato de as petições possuírem o mesmo conteúdo diz apenas com o fato de se tratar de matéria repetitiva e não pode ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça. O direito de ação é um direito constitucional e acolhimento da pretensão do banco demandado iria de encontro à essa diretriz da nossa Carta Magna.
JUROS REMUNERATÓRIOS
Os juros remuneratórios são devidos como compensação ao mutuante pela disposição do dinheiro ao mutuário, sendo lícita a sua incidência. A discussão, pois, diz respeito ao limite de tais juros e sua abusividade, ou não.
O Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem como regra a não aplicação das restrições da Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933), em se tratando de instituições financeiras, não as sujeitando, pois, à limitação dos juros remuneratórios. Ademais, o §3º do artigo 192 da Constituição Federal, que dispunha sobre a limitação dos juros, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003.
A jurisprudência, com o tempo, encaminhou-se, maciçamente, pela livre pactuação, com restrições pontuais em casos de prova inarredável de abusividade (Resp nº 915.572/RS). Nesse sentido a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça:
“A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.
E mais recentemente, o REsp nº 1.061.530/RS - julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos - consolidou o posicionamento no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) à época da contratação.
Na sedimentação sobre o critério a ser adotado, por seu turno, também indicou o egrégio tribunal superior que a análise deve ocorrer de forma casuística.
Assim aquilatadas as diretrizes supra, entendo que no caso dos autos são regulares os juros remuneratórios pactuados (20,48% ao ano - CONTRA6- evento 1), porquanto não ultrapassam o dobro da taxa média de mercado estabelecida pelo BACEN para a data da contratação (18,88%2, em agosto/2020), critério esse que vem sendo amplamente aceito pelo STJ.
Mantenho, portanto, no caso concreto, a taxa de juros remuneratórios conforme pactuada pelas partes (20,48% ao ano).
CARACTERIZAÇÃO DA MORA
A matéria da caracterização da mora já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o paradigma assentado no REsp. nº 1.061.530/RS, julgado em 22/10/2008, que assim dispôs:
I. Afasta a caracterização da mora:
(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.
II. Não afasta a caracterização da mora:
(i) o simples ajuizamento de ação revisional;
(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.
Ainda, mais recentemente, dito entendimento foi convalidado pela corte superior no Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP, o qual fixou tese de que “a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora”.
Dessa forma, no caso concreto, a mora não resta afastada, pois não revisados os encargos da normalidade contratual.
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA
Carece a instituição financeira recorrente de interesse recursal ao defender a legalidade da comissão de permanência, pois tal cláusula não foi revisada em sentença. Apelo não conhecido no tópico.
JUROS DE MORA
No tocante aos juros moratórios, não há proibição quanto à incidência da taxa no percentual de 1% ao mês, ante a Súmula 596 do egrégio STF, que afasta a aplicação da Lei da Usura. O entendimento foi pacificado pelo STJ, inclusive, com a edição da Súmula nº 379:
“Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.”
Vale referir, ainda, que a Lei n.10.931/2004 - regramento especial às Cédulas de Crédito Bancário - em nada é incompatível com o dito enunciado, dada a ausência de autorização expressa para cobrança do encargo em patamar superior.
Assim, não há qualquer ilegalidade neste aspecto, notadamente porque o contrato estipula o encargo dentro do limite legal (cláusula N). Vão previstos no percentual pacutado de 1% ao mês.
MULTA MORATÓRIA
Quanto à multa contratual moratória, a Lei nº 9.298/96, que alterou o §1º do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, reduziu a sanção de 10% para o percentual de 2%, incidindo sobre os valores em atraso:
“ Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e...
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