Acórdão nº 51499621820218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51499621820218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003023456
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5149962-18.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador EDUARDO KOTHE WERLANG

APELANTE: JOSE ANTONIO PORTO CRUZ (AUTOR)

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por JOSE ANTONIO PORTO CRUZ, nos autos da ação revisional movida contra FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, também apelante, da sentença datada de 18/08/2022, como segue:

"​Vistos etc.

JOSE ANTONIO PORTO CRUZ propôs ação revisional de contrato bancário contra FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO.

A parte autora da ação revisional discorreu sobre a abusividade dos encargos contratados por ocasião da celebração dos contratos de empréstimo descritos na inicial. Defendeu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Requereu a procedência dos pedidos.

Citado, o réu contestou. Arguiu preliminares. Sustentou, no mérito, que o contrato foi livremente pactuado pela parte autora, inexistindo qualquer abusividade nas cláusulas ajustadas. Requereu a improcedência da pretensão inicial.

Sobreveio réplica.

Relatei.

Decido.

A matéria comporta julgamento imediato consoante artigo 355, I, do CPC, eis que desnecessária a produção de outras provas.

Das questões prejudiciais à análise de mérito.

AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL

Rejeito a alegada preliminar, pois o fato de não ter havido requerimento administrativo não conduz à carência de ação, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no art. art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, em especial pelo fato de que a pretensão do autor não se restringe a obter as cópias dos contratos, mas vai mais além, buscando a revisão das contratações com seus reflexos patrimoniais.

A própria resistência da ré já evidencia o interesse de agir do autor, que, assim, sem a via jurisdicional não teria aptidão de ser alcançado.

PRESCRIÇÃO

A preliminar de prescrição não merece acolhida, pois a demanda foi ajuizada em 08/12/2021 e os contratos celebrados entre os anos de 2017 e 2021, não decorrido, portanto, o prazo decenal a justificar a alegação de prescrição.

Nestes termos a jurisprudência que segue:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO REVISIONAL. NÃO CONFIGURADA. Conforme entendimento assente do STJ, o prazo prescricional da pretensão revisional de contrato bancário é o decenal, previsto no art. 205 do Código Civil, por se tratar de direito pessoal. No caso concreto, merece ser afastada a prescrição da pretensão revisional. JUROS REMUNERATÓRIOS. Na espécie, consideradas as taxas pactuadas, configuram-se as mesmas em cobrança adequada, consoante à taxa média de mercado aferida pelo BACEN à época da contratação. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. Possível a capitalização mensal, desde que expressamente pactuada. Sendo a taxa de juros anual prevista em contrato superior ao duodécuplo da mensal, resta autorizada a capitalização dos juros em periodicidade mensal. TAXAS E TARIFAS ADMINISTRATIVAS. Vedada a cobrança de tarifas administrativas, tais como TAC e TEC, nos contratos celebrados após 30/04/2008, conforme julgamento dos Recursos Especiais nº 1.251.331/RS e nº 1.255.573/RS, na forma prevista para os recursos repetitivos. REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO DE VALORES. Cabimento da repetição do indébito, na sua forma simples, e da compensação de valores pagos a maior, mediante operação de revisão judicial das cláusulas contratuais abusivas. APELO PROVIDO EM PARTE.(Apelação Cível, Nº 70085039550, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em: 16-06-2021)

A mesma lógica e idêntico prazo se aplicam para o pedido de compensação e repetição do indébito no caso específico, vez que corolários dependentes da discussão contratual.

Passo a analisar o mérito.

Limito-me ao exame da legalidade das cláusulas contratuais expressamente impugnadas pelo autor, em conformidade com o tema 36 do STJ.

A par do que foi sumulado pelo Colendo STJ (súmula 297), o CDC é aplicável às instituições financeiras.

Não obstante, consoante ao Tema 24 daquela Corte e a súmula 596 do STF, as disposições do Dec. nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

JUROS REMUNERATÓRIOS

A revogação do art. 192, § 3º, da CF/88 pela EC nº 40, de 20 de maio de 2003 esgotou a discussão quanto à limitação dos juros remuneratórios à taxa de 12% ao ano, o que restou consolidado com o tema 25 do STJ, que expressamente estabelece que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Outrossim, o simples fato de os juros remuneratórios contratados serem superiores à taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade. (Jurisprudência em Teses - STJ, item 8).

Acrescente-se que a média é um valor indicativo de uma maior concentração de distribuição num intervalo medido. Não é adequado, para a hipótese, admiti-la como um valor absoluto e, sim, entender aceitáveis as taxas praticadas no intervalo próximo àquele índice apontado pelo BC como referência.

No caso em análise, de acordo com consulta no site do Banco Central do Brasil, disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries, verificou-se que os percentuais praticados a título de juros remuneratórios pela instituição bancária, ora ré, foram superiores a 30% (trinta por cento) da taxa média estabelecida pelo Bacen na série 25467, restando demonstrada a abusividade neste ponto.

Contrato

Taxa de juros pactuada

Taxa média de juros do Bacen

Limite de 30%

47010127

2,39% a.m.

1,30% a.m.

1,69% a.m.

4514888

3,83% a.m.

1,95% a.m.

2,53% a.m.

6066494

3,89% a.m.

1,24% a.m.

1,61% a.m.

12202660005

2,60% a.m.

1,31% a.m.

1,70% a.m.

12202680006

2,60% a.m.

1,31% a.m.

1,70% a.m.

3943390006

2,50% a.m.

1,48% a.m.

1,92% a.m.

1747050005

5,34% a.m.

1,79% a.m.

2,32% a.m.

1692090000

5,34% a.m.

1,79% a.m.

2,32% a.m.

DA DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA

A constatação de encargos abusivos durante o período da normalidade afasta a caracterização da mora.

Neste sentido é a orientação do STJ:

[...] ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA

a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora;

b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. [...] (RECURSO ESPECIAL Nº 1.061.530 - RS). (Suprimi).

DA COMPENSAÇÃO DOS VALORES E REPETIÇÃO DO INDÉBITO

Reconheço a possibilidade de compensação simples das prestações ainda pendentes de quitação e dos valores pagos a maior nas parcelas já liquidadas. No entanto, a repetição deverá ser de forma simples, apenas sobre a quantia paga a maior, caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores (conforme o art. 42 do CDC), pois a parte autora não comprovou a má-fé da instituição financeira.

DA LIMINAR

Reconhecido o direito da parte autora, alegado na inicial, e presente o perigo da demora (art. 300 CPC), consistente no comprometimento de seu sustento e nas consequências de eventual inadimplência, pertinente o deferimento de tutela provisória de urgência antecipada, de modo a impor-se à ré que a cobrança das parcelas pendentes de adimplemento se dê com o respeito da média de juros remuneratórios apurada pelo BACEN para a data da assinatura dos respectivos contratos, sob pena de multa por prestação mensal cobrada sem a readequação de R$ 500,00 (quinhentos reais).

MÁ-FÉ

Ausente a comprovação de que o autor alterou a verdade dos fatos para obter a gratuidade da justiça inviável o pretendido reconhecimento, postulado em contestação, de aplicação de sanções por litigância de má-fé.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios dos contratos de empréstimos discutidos nos autos à taxa média de mercado à época da contratação, de acordo com a taxa de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil na série 25467, bem como descaracterizar a mora da parte autora, condenando a ré à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Concedo tutela provisória de urgência antecipada para o fim de determinar à ré que, observado o prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar da intimação desta decisão, a cobrança das parcelas pendentes de adimplemento se faça com o respeito à média de juros remuneratórios apurada pelo BACEN para a data da assinatura dos respectivos contratos, sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por prestação mensal cobrada sem a readequação.

Condeno a ré, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em 10% (dez por cento) do proveito econômico advindo ao autor, em favor de seu procurador, tendo em vista a baixa complexidade da demanda, o trabalho efetivamente desempenhado e o tempo de tramitação do feito.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se."

A parte apelante alega a impossibilidade de compensação com...

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