Acórdão nº 51511929520218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo51511929520218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002248173
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5151192-95.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: TRANPORTADORA CADOMAR LTDA. (IMPETRANTE)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Adoto o relatório do parecer ministerial (ev. 6):

I- Trata-se de apelação cível interposta por Transportadora Cadomar LTDA., inconformada com a sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado pela apelante contra ato do Subsecretário da da Fazenda Estadual – Estado do Rio Grande do Sul, a qual foi proferida nos seguintes termos: Em face do exposto, INDEFIRO, DE PLANO, A PETIÇÃO INICIAL, nos termos do art. 10 da Lei 12.016/09 e julgo extinto o presente feito, forte no art. 485, inc. I, do CPC. Custas pela parte impetrante. Sem honorários, de acordo com as Súmulas 512 do STF e 105 do STJ (Processo 51511929520218210001/RS, Evento 16, SENT1 – mantida em Evento 21 dos autos originários).

A parte autora, em razões de apelo (Evento 24, APELAÇÃO2, dos autos originários), de início, empreende suma fática e delimita a controvérsia posta nos autos. No mérito, discorre sobre o conceito de mercadoria. Atenta para junção de conceitos doutrinários e jurisprudências, concluindo que mercadoria é bem móvel posto à venda por um sujeito que a pratica com habitualidade. Pondera sobre os princípios da seletividade e da essencialidade. Destaca o art. 155, §2º, inc. III, da CF/88, o qual dispõe que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade da mercadoria/serviço. Defende que a Constituição Federal trouxe a seletividade como poder/dever para realizar a tributação de ICMS segundo o critério da essencialidade. Assevera que, determinada pelo legislador estadual a aplicação de alíquotas seletivas, a essencialidade é critério de tributação de observância inafastável no que toca ao ICMS, não havendo a possibilidade de mitigar a sua aplicação. Refere que o art. 24, inc. I, “a”, item 6, da Lei Estadual n. 8.820/1989 é inconstitucional. Observa que, em razão da essencialidade da energia elétrica, não se justifica, para fins de incidência de ICMS, a alíquota de 25% que, ainda, foi majorada para 30%. Diz que a energia elétrica é essencial. Alega que o STF decidiu pela inconstitucionalidade da alíquota majorada sobre a energia elétrica no RE n. 714.139/SC – Tema 745 – que deve ser aplicado ao caso, independentemente de trânsito em julgado. Aponta julgamento do Recurso Extraordinário n. 634.457/RJ. Postula o provimento do recurso de apelação, para reformar a sentença e para determinar que a autoridade coatora declare o direito da Apelante de pagar o ICMS sobre energia elétrica com base na alíquota essencial do Estado do Rio Grande do Sul, que é de 12% (doze por cento), e reconhecer a inconstitucionalidade do art. 24, inciso II, alínea “a”, da Lei estadual 8.820/1989 do Rio Grande do Sul, por incompatibilidade com o princípio constitucional da seletividade, em função da essencialidade, bem como seja aplicado o entendimento firmado pelo Pleno do STF no julgamento do Recurso Extraordinário n. 714139, Tema 745. Alternativamente, requer que seja declarado o direito da Apelante de pagar o ICMS sobre energia elétrica com base na alíquota interna do estado do Rio Grande do Sul, que é 17,5% (dezessete por cento), reconhecendo a inconstitucionalidade art. 24, inciso II, alínea “a”, da Lei estadual 8.820/1989 do Rio Grande do Sul, por incompatibilidade com o princípio constitucional da seletividade, em função da essencialidade, bem como seja aplicado o entendimento firmado Pleno do STF no julgamento do Recurso Extraordinário n. 714139, Tema 745. Ainda, pugna pela restituição dos valores recolhidos a maior via, compensação, com a devida correção monetária, incidência de juros e expurgos admitidos pelo Judiciário, corrigidos monetariamente pelo IPCA-E, desde o pagamento indevido, ou outro índice que venha a ser aplicado, observado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos aplicável (art. 168 do CTN), a contar da distribuição da presente ação.

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso pelo Estado, oportunidade em que pugna pelo desprovimento do apelo, requerendo a extinção do feito com fulcro no art. 485, inc. VI, do CPC (Evento 28 dos autos originários)

O Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Busca a impetrante seja reconhecido seu direito de recolher o ICMS sobre o serviço de energia elétrica conforme a alíquota geral do imposto no Estado, além da compensação/restituição dos valores pagos a maior nos últimos 5 (cinco) anos.

Assim, tratando-se de discussão acerca da cobrança de ICMS sobre o serviço de energia elétrica, o consumidor é parte legítima para postular a redução da alíquota do imposto, nos termos do REsp nº 1.299.303, processado sob o regime dos recursos representativos de controvérsia:

RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A DEMANDA "CONTRATADA E NÃO UTILIZADA". LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR PARA PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

- Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada.

- O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica. Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. (REsp 1299303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 14/08/2012)

Vale transcrever excerto do voto do eminente Ministro Cesar Astor Rocha:

“(...) Ocorre que, no caso dos serviços prestados pelas concessionárias de serviço público, a identificação do "contribuinte de fato" e do "contribuinte de direito" deve ser enfrentada à luz, também, das normas pertinentes às concessões, que revelam uma relação ímpar envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor. Os dois primeiros, observo, ao longo de toda a exploração do serviço de fornecimento de energia elétrica, de competência da União (art. 21, inciso XII, alínea "b", da CF/88), trabalham em conjunto, estando a concessionária em uma posição de quase total submissão, sob pena de rescisão do contrato de concessão na hipótese de desrespeito a alguma diretriz, política pública, projeto ou norma imposta pelo Estado-concedente. Politicamente, portanto, nas relações contratuais em geral estabelecidas com o poder público, a concessionária sempre evitará embates desgastantes e que gerem prejuízos aos serviços ou aos interesses públicos.

Mas não é só. Sem dúvida alguma, sobretudo no tocante à cobrança, ao cálculo e à majoração dos tributos – à exceção do imposto de renda –, o poder concedente e a concessionária encontram-se, na verdade, lado a lado, ausente qualquer possibilidade de conflitos de interesses.

Com efeito, a Lei n. 8.987/1995, que "dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências", e que se aplica também à concessões de energia elétrica (cf. art. 4º da Lei n. 9.074/1995), estabelece, expressamente, que:

"Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.

[...]

§2º. Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.

§3º. Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso" (grifou-se).

Veja-se que, quando se trata de "criação ou alteração" de tributos, devendo-se incluir aí as modificações na forma de calcular e na base de cálculo, a concessionária encontra-se sempre protegida, impondo a lei nesses casos, para preservar o "equilíbrio econômico-financeiro", a majoração da tarifa. Sob esse enfoque é que o Estado-concedente e a concessionária do serviço público encontram-se lado a lado, no mesmo polo, em situação absolutamente cômoda e sem desavenças, inviabilizando qualquer litígio em casos como o presente. O consumidor da energia elétrica, por sua vez, observada a mencionada relação paradisíaca concedente/concessionária, fica relegado e totalmente prejudicado e desprotegido. Esse quadro revela que a concessionária assume o papel de contribuinte de direito apenas "formalmente", assim como o consumidor também assume a posição de contribuinte de fato em caráter meramente "formal".

Para ilustrar, observo que a parceria entre o Estado-concedente e a concessionária, no campo tributário, sem divergências e razões para litígio, já é antiga.

Veja-se, a propósito, o que diz Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, Forense, 1ª edição brasileira, 1970, Tomo II) no tocante à tarifa:

"Como, porém, tal retribuição resultará da cobrança dos preços fixados em tarifa dependente do concedente, é necessário evitar que a um sistema rígido de obtenção de receitas de exploração corresponda a variabilidade na fixação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT