Acórdão nº 51516702420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51516702420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002935442
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5151670-24.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos de Participação Financeira

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

AGRAVANTE: OI S.A. - EM RECUPERACAO JUDICIAL

AGRAVADO: ANA MARGARIDA FANK

RELATÓRIO

OI S.A. - EM RECUPERACAO JUDICIAL agrava em face da decisão que suspendeu o feito executivo em que litiga com ANA MARGARIDA FANK.

Em suas razões, defende que o crédito perseguido no feito decorre de fato gerador anterior ao processo recuperacional, razão pela qual deve, necessariamente, submeter-se aos efeitos previstos na Lei nº 11.101/2005, inclusive no que se refere à limitação da atualização monetária, prevista expressamente no art. 9º, II, da referida Lei. Defendeu, portanto, a necessidade de prosseguimento do feito. Por fim, asseveram que atualização do crédito até a data do pedido de recuperação judicial.

Transcorrido in albis o prazo para apresentar contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade recursal

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade em sua maior parte, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Deixa-se, contudo, de conhecer do recurso no ponto em que defende que a atualização do crédito até a data do pedido de recuperação judicial, porquanto esta matéria ainda não foi enfrentada pelo juízo de origem, razão pela qual sua análise neste momento implicaria em violação ao princípio da não supressão de instância.

Assim, vai parcialmente conhecido o recurso, a qual passo à análise.

Mérito do recurso

Para solver a celeuma que muitos credores têm trazido à tona recentemente acerca da “obrigatoriedade” ou não de suas “habilitações” junto ao plano de recuperação judicial da executada, imprescindível o estabelecimento de algumas premissas que orientam a conclusão dos pedidos.

Quanto a sujeição do crédito sub judice ao plano de soerguimento, estabelece-se de imediato que o critério definidor da sujeição ou não do crédito ao plano de recuperação judicial é efetivamente a data em que foi constituído.

Nos termos do art. 49 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falências), estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Por definição, “crédito é a soma das condições econômicas e morais, pelas quais se obtém uma prestação presente, contra promessa de uma prestação futura”1.

Outrossim, conforme assentado no julgamento do REsp nº 1.634.046/RS, “a constituição de um crédito pressupõe a existência de um vínculo jurídico entre as partes e não se encontra condicionada a uma decisão judicial que simplesmente o declare.

Dessa forma, nas obrigações contratuais, o crédito é constituído (considerado existente) no momento da conclusão do contrato. A parte assume a posição de credora da prestação e, consequentemente, da reparação eventualmente advinda do inadimplemento desde tal momento, e não com o pronunciamento judicial que o reconhece, razão pela qual deve este crédito sujeitar-se ao plano de recuperação judicial.

A correta interpretação dos dispositivos constantes na Lei de Recuperação Judicial e Falências conduz à esta interpretação, senão vejamos.

O inciso IX do art. 51 da LRFE, determina que a petição inicial do pedido de recuperação judicial deve ser instruída com a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

Igualmente, o art. 6º, §§ 1º e 3º, dispõem que versando a ação sobre quantia ilíquida, cujo processamento não é suspenso pelo pedido recuperacional, o crédito decorrente da respectiva sentença judicial deve ser incluído no quadro geral de credores, podendo, o juízo onde elas tramitam, inclusive, determinar a reserva de valor para satisfação da obrigação2.

Assim, este entendimento se amolda aos dispositivos da LRFE e justifica o fato de o legislador: (i) determinar a juntada da relação de todas ações existentes no momento no pedido de recuperação, ainda que pendente de sentença (art. 51, inc. IX); e a (ii) suspensão de todas as ações, exceto aquelas que versarem sobre demanda ilíquidas, as quais serão liquidadas e posteriormente incluídas no Quadro-Geral de Credores (art. 6º, §§ 3º e 4º).

Portanto, considera-se existente o crédito derivado de inadimplemento contratual ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial, devendo sujeitar-se ao plano de soerguimento da sociedade devedora. Esta foi a tese firmada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.727.771/RS, publicada no Informativo nº 626, em 15 de junho de 2018:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEVEDOR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO VERIFICADA. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. EVENTO DANOSO OCORRIDO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO RECUPERACIONAL. SUBMISSÃO AOS SEUS EFEITOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA POSTERIORMENTE. IRRELEVÂNCIA.

1. Ação ajuizada em 20/5/2013. Recurso especial interposto em 27/9/2017 e concluso ao Gabinete em 8/3/2018.

2. O propósito recursal é definir se o crédito de titularidade das recorridas, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado após o pedido de recuperação judicial do devedor, deve sujeitar-se ao plano de soerguimento.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões controvertidas, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional.

4. Para os fins do art. 49, caput, da Lei 11.101/05, a constituição do crédito discutido em ação de responsabilidade civil não se condiciona ao provimento judicial que declare sua existência e determine sua quantificação. Precedente.

5. Na hipótese, tratando-se de crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial, deve ser reconhecida sua sujeição ao plano de soerguimento da sociedade devedora.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1727771/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018)

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. DISCUSSÃO QUANTO AO MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA QUE PERSEGUE CRÉDITO ORIUNDO DE TRABALHO REALIZADO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUBMISSÃO AOS SEUS EFEITOS, INDEPENDENTE DE SENTENÇA POSTERIOR QUE SIMPLESMENTE O DECLARE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei n. 11.1.01/2005). 1.1 A noção de crédito envolve basicamente a troca de uma prestação atual por uma prestação futura. A partir de um vínculo jurídico existente entre as partes, um dos sujeitos, baseado na confiança depositada no outro (sob o aspecto subjetivo, decorrente dos predicados morais deste e/ou sob o enfoque objetivo, decorrente de sua capacidade econômico-financeira de adimplir com sua obrigação), cumpre com a sua prestação (a atual), com o que passa a assumir a condição de credor, conferindo a outra parte (o devedor) um prazo para a efetivação da contraprestação. Nesses termos, o crédito se encontra constituído, independente do transcurso de prazo que o devedor tem para cumprir com a sua contraprestação, ou seja, ainda, que inexigível. 2. A consolidação do crédito (ainda que inexigível e ilíquido) não depende de provimento judicial que o declare e muito menos do transcurso de seu trânsito em julgado , para efeito de sua sujeição aos efeitos da recuperação judicial.

2.1 O crédito trabalhista anterior ao pedido de recuperação judicial pode ser incluído, de forma extrajudicial, inclusive, consoante o disposto no art. 7º, da Lei 11.101/05. É possível, assim, ao próprio administrador judicial, quando da confecção do plano, relacionar os créditos trabalhistas pendentes, a despeito de o trabalhador sequer ter promovido a respectiva reclamação. E, com esteio no art. 6º, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei n. 11.1.01/2005, a ação trabalhista que verse, naturalmente, sobre crédito anterior ao pedido da recuperação judicial deve prosseguir até a sua apuração, em vindoura sentença e liquidação, a permitir, posteriormente, a inclusão no quadro de credores. Antes disso, é possível ao magistrado da Justiça laboral providenciar a reserva da importância que estimar devida, tudo a demonstrar que não é a sentença que constitui o aludido crédito, a qual tem a função de simplesmente declará-lo.

3. O tratamento privilegiado ofertado pela lei de regência aos créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial tem por propósito, a um só tempo, viabilizar a continuidade do desenvolvimento da atividade empresarial da empresa em recuperação, o que pressupõe, naturalmente, a realização de novos negócios jurídicos (que não seriam perfectibilizados, caso tivessem que ser submetidos ao concurso de credores), bem como beneficiar os credores que contribuem ativamente para o soerguimento da empresa em crise, prestando-lhes serviços (mesmo após o pedido de recuperação). Logo, o crédito trabalhista, oriundo de prestação de serviço efetivada em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, aos seus efeitos se submete, inarredavelmente.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1634046/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 18/05/2017)

Ressalta-se, contudo, que não se sujeitam ao plano de recuperação judicial e devem ser...

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