Acórdão nº 51577314320228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51577314320228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003218049
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5157731-43.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: CLAUDIA ADRIANA RODRIGUES DA COSTA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S.A em face da sentença, proferida nos autos da ação revisional de contrato que lhe move CLAUDIA ADRIANA RODRIGUES DA COSTA, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

Vistos.

CLAUDIA ADRIANA RODRIGUES DA COSTA propôs ação revisional de contrato bancário contra BANCO BMG S.A.

A parte autora da ação revisional afirmou ter celebrado contrato de empréstimo nº 2363130 com a instituição financeira ré. Alegou que no decorrer do contrato houve excesso na cobrança de juros remuneratórios, pelo que requereu a procedência da ação para revisá-lo e a repetição do indébito.

Foi deferida a gratuidade judiciária.

Citado, o réu contestou. Alegou, preliminarmente, conexão. Sustentou, no mérito, que o contrato foi livremente pactuado pela parte autora, inexistindo qualquer abusividade nas cláusulas ajustadas. Requereu a improcedência da ação.

Sobreveio réplica.

Relatei.

[...]

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 2363130 à taxa média de mercado à época da contratação (3,42% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente.

Em suas razões (evento 33, APELAÇÃO1), a instituição financeira apelante, defende a necessidade de reforma da sentença recorrida. Refere, em síntese, a legalidade dos juros remuneratórios, afirmando inaplicável a taxa média de mercado para a situação em apreço. Tece considerações acerca do risco compreendido no crédito concedido à parte recorrida e requer seja afastada a repetição de valores. Pede a redução da verba honorária. Postula pelo provimento de sua irresignação.

Apresentadas contrarrazões (evento 39, CONTRAZAP1), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Da possibilidade de revisão contratual.

Toda relação jurídica formada a partir de um acordo de vontades válido e eficaz é regida pelo princípio da obrigatoriedade dos contratos. Princípio que confere ao pacto força de lei entre as partes e que garante sua não violação em decorrência de dificuldades comezinhas de cumprimento ou, em outras palavras, por fatores externos plenamente previsíveis. Por essa razão, apenas a ocorrência de situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória, legitima a revisão judicial.

Inobstante, nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, indiscutível é a incidência do Código de Defesa do Consumidor a essa análise a par do disposto na Súmula 297 do STJ1, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente. Sob este prisma, no que pertine à limitação dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça2, a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou o entendimento no sentido de que é livre a pactuação dos juros entre as partes, salvo em caso de abusividade categoricamente demonstrada. Quanto ao ponto, para fins de melhor compreensão da solução adotada, já há mais de uma década, pela Corte Superior, pertinente a transcrição da elucidativa digressão histórica do controle dos juros no Brasil, traçada, em sede doutrinária, pelo Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

[...]. A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos. [...] No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País. No início do século XX, época da gestação do Código Civil de 1916, predominava a orientação ideológica liberal, que preconizava uma intervenção mínima do Estado no domínio econômico (Estado liberal). Por isso, no Código Civil de 1916, a regra estabelecida pela 2ª parte do art. 1.262 [...] conferia aos contratantes ampla liberdade negocial para estipulação dos juros e da periodicidade de sua capitalização. Os anos que se seguiram à vigência do CC/ 1916, no período compreendido entre as duas grandes guerras, constitui época de grande turbulência econômica e política em todo o mundo, especialmente na Europa, sendo um período de profundas modificações ideológicas no plano sociopolítico. [...]. No Brasil, a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, abre espaço para um regime político fortemente intervencionista, que culmina com o Estado Novo, instituído em 1937. Na década de trinta surge, no Brasil, o Decreto 22.626, de 07.04.1933, que passou a ser chamado de Lei de Usura, pois, em seu art. 1º, limitou a pactuação máxima de juros remuneratórios em contratos ao dobro da taxa legal, que era estabelecida pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916. Ou seja, os juros remuneratórios máximos passaram a ser de 12% ao ano. E o art. 4º permite apenas a capitalização anual dos juros. [...]. Em 1964, após o golpe militar, uma das medidas preconizadas foi a reestruturação do sistema financeiro nacional para solucionar a grave crise econômica e para estimular o desenvolvimento do País. Assim, a Lei 4.595, de 31.12.1964, estabeleceu normas para reestruturação e regulamentação do sistema financeiro nacional, atribuindo ao Conselho Monetário Nacional (art. 4º) e ao Banco Central do Brasil (art. 8º e ss.) amplos poderes para o controle das atividades das instituições financeiras nacionais, inclusive, “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros” (art. 4º, IX). A partir desse regramento da Lei 4.595/64, passou-se a discutir se as instituições financeiras estariam submetidas às normas da Lei da Usura (Decreto 22.626/33). Após longo debate jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 596 com o seguinte teor: “As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”. A jurisprudência dominante consolidou-se no sentido do entendimento de que os contratos celebrados por instituições financeiras não estavam submetidos aos ditames da Lei da Usura, embora esta...

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