Acórdão nº 51595267320218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51595267320218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001964999
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5159526-73.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

AGRAVANTE: CLÍNICA SAÚDE VISUAL

AGRAVANTE: DIEGO VINÍCIUS A. PEREIRA

AGRAVADO: CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA - CBO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por DIEGO VINÍCIUS A. PEREIRA contra a decisão proferida nos autos da ação civil pública movida pelo CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA - CBO, nos seguintes termos:

Vistos.

1. Considerando que se trata de ação civil pública, há isenção de custas para a associação autora, conforme previsto na legislação vigente (inciso IV do art. 5º da Lei 14.634/14 e artigo 18 da Lei 7.347/1985).

Assim, recebo a inicial e passo à análise do pedido liminar.

Trata-se de ação civil pública proposta pelo CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA em face de DIEGO VINÍCIUS A. PEREIRA e CLÍNICA SAÚDE VISUAL.

Alegou, em apertada síntese, que o requerido tem atuado de forma irregular como Optometrista, extrapolando as prerrogativas legais previstas para o exercício da sua profissão, prescrevendo receitas e realizando diagnósticos, funções privativas dos profissionais médicos. Sustentou que a atitude do demandado põe em risco a saúde da coletividade. Requereu, em sede liminar, (a) a proibição do requerido realizar atendimento ao público, avaliações oculares, acompanhamentos, exames, diagnósticos nosológicos, prescrição de lentes de grau e instalar consultório; (b) o oficiamento à ANVISA para que realize vistoria no local e (c) a fixação de multa pelo descumprimento. No mérito, requer que a medida liminar seja tornada definitiva, consolidando-se a multa aplicada e possibilitando a aplicação de novas medidas constritivas para o caso de descumprimento. Juntou documentos (Evento 1).

É o sucinto relato.

Decido.

A tutela provisória de urgência somente pode ser deferida se preenchidos os requisitos previstos no art. 300 do CPC.

No caso, a parte autora acostou aos autos uma receita de prescrição de óculos de grau firmada pelo requerido DIEGO VINÍCIUS A. PEREIRA, optometrista, com timbre e dados da requerida CLÍNICA SAÚDE VISUAL (COMP5).

Os artigos 38, 39 e 41 do Decreto 20.931/32 e artigos 13 e 14 do Decreto 24.492/34, que regulam e fiscalizam o exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira, no Brasil, proíbem a escolha, aconselhamento ou indicação de uso de lentes de grau sem prescrição médica.

Decreto nº 20.931/32

Art. 38. É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas e ortopedistas a instalação de consultórios para atender clientes, devendo o material aí encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público, onde será vendido judicialmente a requerimento da Procuradoria dos leitos da Saúde Pública e a quem a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo que as multas sanitárias. [grifei]

Art. 39. É vedado às casas de ótica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências dos seus estabelecimentos. [grifei]

Art. 41. As casas de ótica (...) devem possuir um livro devidamente rubricado pela autoridade sanitária competente, destinado ao registro das prescrições médicas”.[grifei]

Decreto nº 24.492/34

Art. 13. É expressamente proibido ao proprietário, sóciogerente, ótico prático e demais empregados do estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou aconselhar o uso de lentes de grau, sob pena de processo por exercício ilegal da medicina, além das outras penalidades previstas em lei . [grifei]

Art. 14. O estabelecimento de venda de lentes de grau só poderá fornecer lentes de grau mediante apresentação da fórmula ótica de médico, cujo diploma se ache devidamente registrado na repartição competente”. [grifei]

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 131, entendeu pela receptividade dos artigos 38, 39 e 41 do Decreto 20.931/32 e arts. 13 e 14 do Decreto 24.492/34. Depreende-se, portanto, inexistir competência legal dos optometristas para realizarem diagnósticos nosológicos – sendo proibido atender pacientes e, às casas de ótica, confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica.

Nesse contexto, há elementos suficientes a demonstrar a probabilidade do direito pleiteado pela parte autora.

Quanto ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, também está configurado, na medida em que os requeridos estão prescrevendo lentes corretivas de grau, em desacordo com a legislação vigente, o que pode prejudicar a saúde das pessoas atendidas.

Por fim, a medida de suspensão do exercício das atividades pelos requeridos é perfeitamente reversível, caso a ação venha a ser julgada improcedente.

Relativamente ao pedido de oficiamento à ANVISA para realizar vistoria/fiscalização no local, percebe-se a falta interesse processual da parte autora para tanto, já que a própria demandante poderá oficiar diretamente à ANVISA na forma requerida, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Ante o exposto, DEFIRO, em parte, a liminar pleiteada apenas para determinar que os requeridos se abstenham de praticar qualquer ato previsto nos artigos 38, 39 e 41 do Decreto nº 20.931/32 e artigos 13 e 14 do Decreto nº 24.492/34, sob pena de pagamento de multa por evento descumprido, no valor de 500,00 (quinhentos reais).

Intimem-se.

2. Cite-se e intime-se o requerido sobre a medida liminar deferida, bem como para, querendo, apresentar contestação, em 15 (quinze) dias.

3. Sobrevindo contestação, dê-se vista dos autos ao Ministério Público para manifestação, em 10 (dez) dias.

4. Após, façam-se os autos conclusos para sentença.

Diligências legais.

Em razões recursais, a parte agravante discorre, preliminarmente, acerca da atipicidade do fato a ela imputado, em razão do arquivamento da representação autuada sob o nº NF 01589.000.860/2021 pelo Ministério Público Estadual, sob a mesma acusação do suposto exercício ilegal da medicina oftalmológica. Alude a caso análogo, em que foi reconhecida a improcedência da representação contra outro optometrista, tendo sido realizado TAC, com posterior arquivamento. Discorre acerca da ciência da Optometria, da profissão de optometrista e do perfil dos egressos dos cursos de Optometria. Menciona a chancela dos cursos universitários de Optometria pelo STJ e pelo STF. Salienta a diferença entre o oftalmologista, o optometrista e o óptico. Afirma que a Lei nº 12.842/13 revogou tacitamente os artigos 38, 39 e 41 do Decreto nº 20.931/32, bem como os artigos 13 e 14 do Decreto nº 24.492/34. Afirma que o rol de atividades privativas da classe médica, dentre as quais não se inclui a prescrição de lentes de grau, é exaustivo e não pode ser interpretado extensivamente, pois restringe direitos fundamentais (art. 5º, XIII, CF). Cita a exceção do art. 4º, §5º, IX, da Lei do Ato Médico. Aponta a fragilidade e inaplicabilidade das decisões nas quais se escoram a ação civil pública e a liminar ora recorrida. Destaca a nulidade do julgamento da ADPF 131 e a falta do trânsito em julgado, bem como a inconstitucionalidade superveniente dos decretos getulianos no que se refere aos optometristas graduados. Entende que a liminar vigente implica periculum in mora inverso, posto que retira da população a oportunidade de ser atendida em mais alto grau de custo x benefício, com segurança, qualidade e em perfeita sintonia com as mais civilizadas políticas de saúde, primando pela resolutividade via cuidados multi e interdisciplinar. Friza que todos os equipamentos que são necessários ao exercício da atividade de optometrista estão elencados na Portaria 397 de 09.10.2002, que aprovou a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, admitindo a habilitação deste profissional para o seu uso e manuseio, sendo de rigor o reconhecimento da arbitrariedade e equívoco da decisão agravada que liminarmente obstou injustamente o Agravante de manter seu consultório e manusear os equipamentos que compõem seu gabinete optométrico, com o afastamento da multa fixada. Giza o precedente do Agravo de Instrumento n. 50965823520218217000, assegurando ao profissional optometrista de Gravataí citado anteriormente o direito de exercer sua profissão nos moldes do que foi acordado com o MPRS.Assevera ser fundado o receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao impedir o livre exercício das atividades do Agravante, profissão e trabalho que lhe confere subsistência digna. Requer:

a) seja o presente Agravo de Instrumento recebido, sendo deferida a Antecipação da Tutela Recursal, para suspender os efeitos da liminar de primeiro grau, permitindo que o Agravante possa voltar a exercer as atividades paras as quais foi efetivamente formado pelo Estado (atenção primária em saúde visual, com a identificação de erros refrativos e a indicação de lentes de grau quando necessário, bem como com a detecção sintomas e sinais de patologias oculares e ou sistêmicas, para então proceder o imediato encaminhamento ao profissional médico) tendo seus limites de atuação naquilo que hoje é taxativamente exclusivo do profissional médico, conforme art. 4º da Lei nº 12842/2013, respeitada igualmente a exceção do seu §5º, IX;

(...)

c) seja o presente Agravo de Instrumento provido em julgamento colegiado, para assegurar ao Agravante o requerido na alínea “a” supra;

d) seja concedido o benefício da gratuidade da justiça em favor do agravante em virtude de que por força da liminar agravada, encontra-se impedido de trabalhar e consequentemente de auferir renda.

Foi determinado que a parte agravante juntasse declaração de...

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