Acórdão nº 51607890920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51607890920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003107737
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5160789-09.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

AGRAVANTE: KATIA MARLOVA DE SOUZA

AGRAVADO: BRADESCO SAUDE S/A

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal interposto por KATIA MARLOVA DE SOUZA, nos autos desta ação de obrigação de fazer que move em face de BRADESCO SAUDE S/A, contra a decisão interlocutória (Evento 33 do processo originário) que indeferiu a tutela de urgência postulada nos seguintes termos:

Vistos.

Tendo em vista que os atetados médicos acostados no Evento 30, OUT2, nada mencionam acerca da necessidade de retirada do excesso de pele como informado na petição da autora, indefiro o postulado.

Intimem-se.

Diligências Legais.

Em razões recursais, a autora sustenta que necessita realizar o procedimento cirúrgico de mastopexia para retirada de prótese da mama esquerda, o que foi deferido pelo Juízo de Origem. Aduz, porém, que há também a necessidade de retirada do excesso de pele, apontando prescrição médica recente. Refere que não será permitido o tratamento integral da região das mamas caso mantido o indeferimento da retirada do excesso de pele. Defende que a privação da cirurgia acarretará prejuízos à sua vida, saúde e integridade física. Sinala que os procedimentos são uma continuidade da cirurgia bariátrica realizada. Pondera a ocorrência de agravamento dos seus transtornos físicos e psicológicos. Pugna pela concessão de tutela antecipada recursal para que a agravada autorize e custeie integralmente a realização dos procedimentos cirúrgicos não estéticos, exatamente conforme a indicação médica. Requer o provimento do recurso.

Recebido o recurso, foi indeferido o pedido de antecipação de tutela recursal (Evento 5).

Sobrevieram contrarrazões, com preliminar de não conhecimento do recurso em razão da coisa julgada (Evento 10).

Intimada, a agravante se manifestou acerca da prefacial contrarrecursal (Evento 17).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

De início, saliento que não há como conhecer o documento anexado nos autos do recurso (evento 1, LAUDO2), porquanto não apresentado perante o Juízo de Origem, de modo que a sua análise neste grau recursal implicaria em supressão de instância.

Em relação à prefacial contrarrecursal de não conhecido do recurso por ofensa à coisa julgada, entendo que merece ser acolhida em parte.

Isso porque não há como discutir, nos autos deste recurso, eventual cobertura pela ré em sede de tutela de urgência em relação a todos os procedimentos cirúrgicos objetos do laudo médico acostado à exordial, tendo em vista que já houve o julgamento do agravo de instrumento nº 5187995-32.2021.8.21.7000/RS interposto em face da decisão que indeferiu a tutela de urgência pleiteada na inicial, o qual transitou em julgado em 01/02/2022 (processo 5187995-32.2021.8.21.7000/TJRS, evento 27, CERT1).

Veja-se que a decisão ora agravada restringe-se ao indeferimento da tutela de urgência postulada no sentido de obter a cobertura da retirada de excesso de pele ocasionado pela remoção da prótese da mama esquerda, esta última cirurgia que foi objeto da liminar concedida pela magistrada a quo (evento 15, DESPADEC1) em razão dos documentos supervenientes à exordial apresentados pela autora, senão vejamos:

Tendo em vista que os documentos apresentados pela autora demonstram a urgência na retirada da mama esquerda em razão de ruptura do implante, para fins de se evitar complicações de saúde futura defiro o pedido de tutela liminar para a efetivação da retirada da prótese esquerda, nos termos do art.300 do CPC.

Destaco que em relação aos demais pedidos, fica mantida a decisão proferida no evento 3.

Desse modo, há de se reconhecer a coisa julgada concernente ao pedido de concessão da tutela antecipada de urgência para fins de obtenção de todos procedimentos cirúrgicos não estéticos prescritos no laudo médico anexado à petição inicial, restringindo-se o exame neste recurso ao pleito atinente à retirada de pele da mama esquerda, ponto em que vai conhecido o agravo de instrumento, nos termos da decisão que realizou o seu recebimento.

Consoante a redação do artigo 300, caput, do Código de Processo Civil, para a concessão de tutela de urgência, mostra-se necessária a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98....

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