Acórdão nº 51609631820228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51609631820228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003199679
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5160963-18.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Recuperação extrajudicial

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

AGRAVANTE: MULTIPLAN EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S/A

AGRAVADO: RABUSCH INDUSTRIAL E COMERCIAL DE VESTUARIO LTDA

AGRAVADO: DEBUS FRANQUEADORA DE MARCAS LTDA

RELATÓRIO

Multiplan Empreendimentos Imobiliários S.A. interpôs o presente agravo de instrumento contra a decisão que, nos autos da Recuperação Judicial de Rabusch Industrial e Comercial de Vestuário Ltda. e Debus Franqueadora de Marcas Ltda., foi proferida nos seguintes termos:

Vistos.

Rabusch Industrial e Comecial de Vestuário Ltda e Debus Franqueadora de Marcas Ltda, devidamente qualificadas na exordial, ajuizaram pedido de Recuperação Judicial. Em síntese, aduziram sobre os motivos pelos quais entraram em crise econômico-financeira, sustentando a necessidade de uso do regime recuperacional. Discorreram acerca da situação patrimonial e da possibilidade de reversão do quadro, explicitando, ainda, o cumprimento dos requisitos a que aludem os arts. 48 e 51, ambos da Lei 11.101/05.

A parte autora requereu, liminarmente: (a) seja reconhecida a essencialidade do imóvel matriculado sob o n° 34.335, junto ao Registro de Imóveis da 5ª Zona de Porto Alegre, eis que se trata da sede das empresas, e a essencialidade do maquinário e estoque que lhe guarnecem; (b) seja reconhecida a essencialidade de todos os contratos de aluguéis que a empresa possui, determinando a manutenção de todas as suas lojas, com consequente suspensão de qualquer ação de despejo ou desocupação; (c) seja reconhecida a essencialidade dos veículos FIAT/DUCATO MAXICARGO, placa IRG7765; I/RENAULT KGOO EXPRESS16, placa IVS7411 e GM/MERIVA JOY, placa IPX3767; (d) seja determinada a remessa de todos os valores bloqueados nas ações de n° 5065590-89.2021.4.04.7100, n° 5039302-54.2021.8.21.000, n° 5013268-22.2020.8.21.0019, n° 5013269- 07.2020.8.21.0019 e n° 5013273-44.2020.8.21.0019 conforme abordado em tópico próprio, para conta vinculada à presente demanda; (e) Seja reconhecida a essencialidade dos valores que transitarem na conta corrente n. 06.056584.0-2, agência 0040, Banrisul, de titularidade da empresa Rabusch Industrial e Comecial de Vestuário Ltda e na conta corrente n. 06.175975.0-4, agência 0040, Banrisul, de titularidade da empresa Debus Franqueadora de Marcas Ltda, determinando-se, desde já, que quaisquer constrições efetuadas, a qualquer título, na conta bancária supramencionada, deverão ser imediatamente liberadas em favor da empresa.

Juntaram documentos (ev. 01).

Deferido o pedido de parcelamento das custas processuais e determinada a realização de constatação prévia, nos termos do art. 51-A da Lei n° 11.101/05 (ev. 03).

Recolhida a primeira parcela das custas processuais (ev. 14).

Apresentado o Laudo de Perícia Prévia (ev. 16).

Vieram-me os autos conclusos.

Relatei brevemente.

Examino.

Trata-se de Pedido de Recuperação Judicial, o qual se mostra devidamente instruído, conforme disposto no art. 51 da Lei 11.101/2005, tendo a devedora atribuído valor à causa o montante de R$20.964.273,81 (vinte milhões novecentos e sessenta e quatro mil duzentos e setenta e três reais e oitenta e um centavos), conforme consta na inicial.

(a) Da competência para o processamento da recuperação judicial

Preambularmente, cumpre salientar o que dispõe o art. 3° da Lei n° 11.101/05 sobre a competência para processamento da recuperação judicial: "é competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil".

Na hipótese em tela, verifica-se que o cerne da competência reside na concepção de "principal estabelecimento" da referida norma legal.

Sobre o tema, destaco o entendimento de Daniel Carnio Costa e Alexandre Nasser de Melo:

"O principal estabelecimento é aquele em que se encontra concentrado o maior volume de negócios da empresa. Trata-se de um critério amplamento aceito, por sua razoabilidade e utilidade, pois se presume que onde está a maior movimentação econômica estará a maior parte do patrimônio e maior volume de relações comerciais (e, portanto, de credores)1."

Trata-se, de fato, de processo complexo, cujas sociedades empresárias possuem diversas filiais e em diferentes localidades, conforme se depreende da própria exordial e do laudo pericial (ev. 01 - pp 03-06 e ev. 16 - pp 06-08).

Desse modo, como bem apontado no Laudo de Perícia Prévia (ev. 16 - pp. 20-21) e diante dos contratos sociais acostados ao ev. 01, resta demonstrada a competência da Comarca de Porto Alegre para o processamento do pedido de recuperação, tendo em vista que "todas as decisões estratégicas, administrativas e operacionais emanam da sede estatutária das Empresas, ambas situadas na capital gaúcha, de onde também se realiza maior volume de negócios no varejo e se produz suas peças de vestuário2."

(b) Do cumprimento dos requisitos do art. 51 da LREF

Do exame da documentação apresentada no ev. 01, verifica-se o cumprimento, pelas requerentes, dos requisitos a que alude o art. 51 da Lei n° 11.101/05, ficando comprovada, ainda, a ausência dos impedimentos estabelecidos no art. 48 do referido diploma legal.

Insta destacar que, nesta fase concursal, o Juízo deve se ater tão somente à crise informada pelas sociedades empresárias, aos requisitos legais do art. 51 e aos impedimentos para o processamento da recuperação judicial, estabelecidos no art. 48 da LREF.

Ressalta-se que compete aos credores das devedoras exercerem a fiscalização sobre estas e auxiliarem na verificação da sua situação econômico-financeira, cabendo salientar sobre o papel da assembleia-geral de credores, que decidirá quanto à aprovação do plano ou a sua rejeição, para a posterior concessão da recuperação judicial.

(c) Da consolidação processual e da consolidação substancial

Previamente ao advento da Lei n° 14.112/202, a consolidação processual, fenômeno reconhecido pelos tribunais e também pela doutrina, era aplicada subsidiariamente nos processos de recuperação judicial com fundamento no inciso III do art. 113 do CPC, conforme o art. 189 da Lei 11.101/05.

Com efeito, a Lei n° 14.112/2020, que modificou alguns dispositivos da Lei n° 11.101/2005, contemplou a questão da consolidação processual e substancial em relação aos processos de recuperação judicial.

A consolidação processual encontra-se disciplinada no art. 69-G da referida norma legal, o qual transcrevo, para melhor elucidação:

Art. 69-G. Os devedores que atendam aos requisitos previstos nesta Lei e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual.

No caso em comento, verifica-se a ocorrência de consolidação processual, com a configuração de litisconsórcio ativo, diante da "nítida concentração de capital de ambas as Requerentes na figura do sócio ALCIDES DEBUS, detentor de 100% do capital social da RABUSCH e de 99,5% do capital do social da DEBUS.3"

O fenômeno da consolidação substancial e sua autorização pelo juízo, disciplinado no art. 69-J4 da LREF, pressupõe a existência de interconexão e confusão entre ativos ou passivos dos devedores, condicionada a, no mínimo, duas das hipóteses elencadas nos incisos I, II, III e IV da referida norma legal.

Sobre o tema, destaco a doutrina de Henrique Ávila:

"A consolidação substancial, prevista no art. 69-J e seguintes da LRF, é instituto de conteúdo material que tem como consequência a desconsideração da autonomia patrimonial de cada credor. A impossibilidade de se estabelecer, com razoável margem de segurança, a titularidade de cada um dos ativos e dos passivos das sociedades componentes do grupo econômico pode, inclusive, vir até mesmo a configurar confusão patrimonial ou desvio de finalidade, modalidades de abuso da personalidade jurídica previstas no art. 50 do Código Civil.5"

Adianto que a consolidação substancial, no processo em questão, também se faz presente. Infere-se dos argumentos apresentados pelas devedoras e da documentação carreada aos autos que as sociedades autoras, em que pese não apresentem o mesmo objeto social, exercem suas atividades em segmentos complementares. Tal constatação é feita com base no fato de que a Debus Franqueadora de Marcas Ltda atua no gerenciamento de franquias e licenciamento de marcas da Rabusch, sendo esta responsável pela exploração no ramo da indústria do vestuário, no comércio varejista, atacadista, importação e exportação de artigos do vestuário, entre outros.

Assim, consoante os profundos esclarecimentos tecidos no laudo de perícia prévia, perfaz-se inegável a existência de atuação conjunta no mercado entre as requerentes, sendo a autorização da consolidação substancial fundamentada pela "unicidade de gestão, o compartilhamento de funcionários, a justaposição do objeto social em razão da atuação conjunta e dependente no mercado de varejo do vestuário e exploração de franquias6", nos termos do art. 69-J da Lei n° 11.101/05.

(d) Da análise pontual dos pedidos liminares

Verifico que o exame das medidas liminares pleiteadas perpassa o disposto no §3° do art. 49 da Lei 11.101/05, o qual segue abaixo destacado:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações...

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