Acórdão nº 51676349120218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51676349120218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001431197
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5167634-91.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL S/A

AGRAVADO: JONATAS KUBLIK

AGRAVADO: MAURO VALDIR PRAUCHNER

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por BANCO DO BRASIL S/A contra a decisão proferida nos autos dos embargos à execução opostos por JONATAS KUBLIK e MAURO VALDIR PRAUCHNER, que assim dispôs:

Vistos.

Arguiu a parte executada (Jonatas Kublik) a impenhorabilidade do imóvel matriculado sob nº 4.467 do RI de Ajuricaba constrito nos autos, referindo que este é utilizado como fonte de sustento da sua entidade familiar.

Pois bem.

Para que seja considerado impenhorável a pequena propriedade rural, compete a parte arguinte comprovar ser o único imóvel que possui em sua propriedade, bem como de que este efetivamente é utilizado para cultivo exclusivo em prol do seu grupo familiar.

No caso dos autos, o executado se desincumbiu de seu ônus probatório, já que produziu provas das suas alegações, juntando notas fiscais de aquisição de insumos para cultivo do imóvel.

Ainda, considerando o pequeno tamanho da área do imóvel, perfaz que este seja considerado pequena propriedade rural, passível de ser reconhecida como sendo impenhorável.

Assim, acolho a impenhorabilidade arguida, referente ao imóvel matriculado sob nº 4.467 do RI de Ajuricaba.

Intimem-se.

Em suas razões, a parte agravante insurge-se contra a decisão que deferiu o incidente de impenhorabilidade pleiteado pelos embargantes. Sustenta a ausência dos requisitos autorizadores, porquanto se trata de imóvel rural com 50.000,00 m². Afirma que o executado possui outra propriedade rural não se tratando, portanto, de hipótese excepcionada como pequena propriedade rural. Pleiteia o enfrentamento da questão para fins de prequestionamento. Ao final, pede provimento ao agravo de instrumento.

Recebido o recurso, ausente pedido de efeito suspensivo.

Intimada, a parte agravada apresentou contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL.

Acerca da impenhorabilidade da pequena propriedade rural, reza o inciso XXVI do art. 5º da Constituição Federal:

“XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; ”

No mesmo sentido é a norma do inciso VIII do art. 833 do CPC:

“Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; ”

Portanto, para a caracterização da pequena propriedade rural, um dos requisitos trazidos pela Constituição Federal, é que seja trabalhada pela família, deixando, à lei, a definição do que venha a ser “pequena propriedade rural”.

Ocorre que até o momento inexiste lei específica que regulamente o supracitado dispositivo constitucional. No entanto, a despeito dessa lacuna, referido direito fundamental, nos termos do §1º do art. 5º da Constituição Federal, tem aplicação imediata.

Cumpre, assim, extrair das leis existentes no ordenamento jurídico o conceito de pequena propriedade rural.

A própria Constituição Federal, no inciso XXVI do art. 5º faz alusão às leis 4504/64 e 10.186/2001.

A Lei nº 4504/64 refere-se ao Estatuto da Terra, trazendo dois conceitos, o de módulo rural e o de módulo fiscal.

O art. 4º define o módulo rural como sendo a área compreendida pela propriedade familiar, abrangendo “o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros".

Este conceito abrange a extensão de terra rural mínima, necessária e suficiente para que o proprietário e sua família possam, por meio do desenvolvimento da atividade agrícola, obter seu sustento, com o consequente progresso da região. À porção de terras que atenda a tais características, deve ser reputada impenhorável.

Já, o módulo fiscal definido pela referida lei, refere-se à unidade expressa em hectares, para efeito de incidência do Imposto sobre Território Rural, que leva em consideração, concomitantemente: i) o conceito de propriedade familiar (constante do supracitado artigo 4º); ii) o tipo de exploração predominante no município; iii) a renda obtida com a exploração predominante; e iv) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada.

Referidos artigos, como se pode visualizar, não indicam de forma precisa a extensão da área, a fim de enquadrá-la no conceito de pequena propriedade rural.

A Lei nº 12651/2010, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa prevê, no inciso V do art. 3º:

“Art. 3º: Para efeitos dessa Lei, entende-se por:

(...)

V - pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3o da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006;”

O art. 3º da Lei nº 11.326/2006, por sua vez, estabelece que:

“Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;

II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011)

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.”

Destarte, considerando todas as citações acima elencadas, verifica-se que o conceito de “pequena propriedade rural” deve ser definido caso a caso, com base, consoante o entendimento do STJ, no módulo fiscal adotado.

Nesse sentido, cito precedente do STJ a respeito do tema:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.
PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA FAMÍLIA.
IMPENHORABILIDADE CONSTATADA PELO TRIBUNAL DE PISO. SÚMULA 83/STJ. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. A irresignação não comporta conhecimento.
2. Nos termos da jurisprudência assente do STJ, "o imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família, é impenhorável, consoante disposto no parágrafo 2º do artigo 4º da Lei n.
8.009/1990, norma cogente e de ordem pública que tem por escopo a proteção do bem de família, calcado no direito fundamental à moradia"
(EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 222.936/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 26/2/2014).
3. No caso em análise, o Tribunal regional ratificou a decisão de primeira instância, expressando que, "se trata de imóvel com área de 12 hectares e que o módulo fiscal no município é de 22 hectares", dentro, portanto, do limite legal de 4 (quatro) módulos fiscais. A Corte assentou também que, "denota-se a existência de tal prova [terra trabalhada pela família], conforme comprovantes de compra de sementes e adubo, assim como a venda de milho" (fl. 649, e-STJ).
4. Dessa forma, além de o aresto recorrido encontrar apoio na orientação jurisprudencial firmada pelo STJ sobre a matéria, o que atrai o não conhecimento pela incidência da Súmula 83/STJ, infirmar as conclusões a que chegou o Tribunal de origem acerca da impenhorabilidade do imóvel rural demanda reexame das provas carreadas aos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.
5. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 1756066/PR, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 11/03/2019)

Ocorre que Módulo Fiscal é uma unidade de medida agrária usada no Brasil, instituída pela Lei nº 6.746, de 10 de dezembro de 1979. É expressa em hectares e é variável, sendo fixada para cada município.

No caso em tela, o imóveis em questão possui área ideal de 74,87 m² (7,4 hectares).

Transcrevo o termo de penhora (evento 62):

Solicito a Vossa Senhoria o registro da penhora efetuada nos imóveis matriculados sob o nº3.980 e 4.467, nesse Cartório de Registro de Imóveis de Ijuí, conforme Termo de Penhora que segue em anexo.

Despacho Judicial: Vistos.Defiro a penhora sobre o imóvel (observada a nú-propriedade e/ou os direitos e ações que a parte executada possui) de matrícula n.3.980 e 4467, registrado junto ao cartório de AJURICABA/RS.A presente decisão serve como termo de penhora.Fica nomeado o executado como depositário.Em se tratando de execução fiscal, deve ser encaminhado pelo Cartório ao CRI. Em não sendo, deverá o exequente providenciar o registro, exibindo cópia do presente, com comprovação nos autos em 15 dias.Avalie-se e intime(m)se o(s) executado(s) e cônjuge da penhora, prazo para impugnação/embargos e da avaliação, na pessoa de seu advogado, ou, na ausência, pessoalmente, por via eletrônica ou carta AR.Havendo credores hipotecários, fiduciários e condôminos, proceda-se a intimação destes, bem como o proprietário registral, caso...

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