Acórdão nº 51699053920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51699053920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003095821
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5169905-39.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Reajuste contratual

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

AGRAVANTE: UNIMED VALE DO ACO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO

AGRAVADO: LUCAS BARRETO MORAES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

AGRAVADO: MATEUS BARRETO MORAES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

AGRAVADO: SUELY BARRETO MORAES (Pais)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por UNIMED VALE DO AÇO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra a decisão objeto do evento 11, DESPADEC1 que, nos autos da ação de obrigação de fazer com pedido de ressarcimento proposta por LUCAS BARRETO MORAES e MATEUS BARRETO MORAES (menores, representados por sua genitora), concedeu o pedido de tutela provisória de urgência, nos seguintes termos:

Defiro o benefício da AJG aos autores.

Preconiza o artigo 300 do CPC 2015 que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado.

No caso dos autos, requer a parte autora, liminarmente, a determinação para que a ré arque com os custos de: (1) Psicóloga (1x por semana); (2) Psicopedagoga (1x por semana); (3) Equoterapia (1x por semana); (4) realização de teste psicométrico Wisc IV + BPA, para o réu Lucas, e Equoterapia (1x por semana) para o réu Mateus.

Verifica-se, por meio dos documentos juntados, que foi indicado o tratamento com tais terapias à parte autora, a qual é portadora de Transtorno do Espectro Autista(TEA), para serem minimizados os efeitos da patologia.

Embora a moléstia não esteja inclusa no rol de exceções do artigo 10 da Lei nº. 9.656/98, percebe-se o evidente risco de dano à saúde dos autores, os quais contam com apenas dez anos de idade, em caso de demora da prestação do tratamento necessário.

Diante do exposto, defiro o pleito liminar nos moldes requeridos na peça inicial, restando autorizada a prestação de serviço requerida por profissionais credenciados ao plano de saúde dos autores, ainda que não sejam aqueles indicados pela parte autora.

Cite-se a parte ré para, querendo, apresentar contestação no prazo de 15 dias.

Não havendo contestação no prazo supra, a parte ré será considerada revel e serão presumidas verdadeiras as alegações de fato formuladas pela parte autora na inicial.

Com a contestação, dê-se vista ao autor para se manifestar, querendo.

Intimem-se.

Diligências legais.

Em suas razões (evento 1, AGRAVO1), elabora relato dos fatos e sustenta a ausência dos requisitos para a concessão da tutela de urgência. Aduz a ausência de obrigatoriedade de cobertura dos tratamentos que não estão contemplados no Rol da ANS, sob pena de violação do princípio do pacta sunt servanda. Ressalta que a 2ª Seção do STJ, no julgamento do EREsp 1886929 e EREsp 1889704, firmou diretriz no sentido de que "o rol de procedimentos em eventos da saúde suplementar é, em regra, taxativo". Pontua que o tratamento com equoterapia, de acordo com o Parecer Técnico 25/2022 da ANS, não é de cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Refere que não existe "nenhum nexo lógico" entre o quadro clínico dos autores e os procedimentos indicados no laudo médico juntado aos autos. Aduz que os "familiares tentam se eximir da obrigação de cuidar dos infantes", empreendendo esforços em transferir sua responsabilidade ao plano de saúde, pretendendo o fornecimento de profissionais para realizar os cuidados que "podem, e devem, ser realizados pela família". Destaca a imprescindibilidade da perícia técnica para fins de comprovação dos fatos alegados pela operadora. Acrescenta o impacto financeiro que será causado à ré e aos demais beneficiários do plano coletivo pelo fornecimento de procedimento de alto custo não previsto no rol da ANS. Diz que não pode ser compelida a custear o tratamento com profissional que não esteja vinculado à rede credenciada, unicamente porque "tal profissional é da preferência ou confiança do paciente". Por fim, menciona a falta de urgência ou emergência do tratamento a justificar a antecipação de tutela. Pugna pela concessão de efeito suspensivo e final provimento do agravo de instrumento.

O recurso foi recebido no efeito natural (evento 5, DESPADEC1).

Apresentadas contrarrazões no sentido da manutenção da decisão recorrida (evento 4, CONTRAZ1).

O Ministério Público opina pelo desprovimento do recurso (evento 19, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está acompanhado do comprovante de pagamento do preparo (evento 1, OUT11). Foi interposto contra interlocutória que versa sobre tutela de urgência antecipada, cuidando-se de hipótese expressamente prevista no art. 1.015, I, do CPC.

A controvérsia recursal diz respeito ao preenchimento dos requisitos para a concessão da tutela de urgência antecipada (art. 300 do CPC), no sentido da cobertura do tratamento multidisciplinar (psicóloga, psicopedagoga, equoterapia, e teste psicométrico Wisc IV + BPA ) para crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista.

Não há controvérsia acerca da contratação do plano de saúde, do diagnóstico de TEA (CID F 84.0), bem como da recomendação médica para tratamento multidisciplinar (evento 1, LAUDO7 e evento 1, ATESTMED8).

Primeiramente, observo que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98 e da Súmula 608 do STJ1, pois envolvem típica relação de consumo. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor.

Acerca da tutela provisória de urgência, assim dispõe o art. 300 do CPC:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

E o magistério de Tereza Arruda Alvim Wambier2, ao comentar o referido dispositivo legal:

[...] Noutras palavras, para a concessão da tutela de urgência cautelar e da tutela de urgência satisfativa (antecipação de tutela) exigem-se os mesmos e idênticos requisitos: fumus boni iuris e periculum in mora. O NCPC avançou positivamente ao abandonar a gradação que o CPC/73 pretendia fazer entre os requisitos para a cautelar e a antecipação de tutela, sugerindo-se um ‘fumus’ mais robusto para a concessão desta última.

[...]

O juízo de plausabilidade ou de probabilidade – que envolve dose significativa de subjetividade – ficam, a nosso ver, num segundo plano, dependendo do periculum evidenciado. Mesmo em situações que o magistrado não vislumbre uma maior probabilidade do direito invocado, dependendo do bem em jogo e da urgência demonstrada (princípio da proporcionalidade), deverá ser deferida a tutela de urgência, mesmo que satisfativa.

[...] O que não se pode permitir é a concessão da tutela de urgência quando apenas o periculum in mora esteja presente, sem o fumus boni iurius. Estando apenas o fumus, mesmo que em menor grau, se o periculum for intenso, deve ser deferida a tutela de urgência pretendida. Ao contrário, se o periculum não for to intenso, o juiz deve exigir, para sua concessão, uma maior intensidade do ‘fumus’ apresentado.

[...]

Com efeito, ambos os requisitos, fumus e periculum, devem estar presentes, mas é o periculum o fiel da balança para a concessão da medida, porque, afinal de contas, o que importa no palco da tutela de urgência PE reprimir o dano irreparável ou de difícil reparação à parte, seja pela via direta (tutela satisfativa), seja pela via reflexa, afastando o risco de inutilidade do processo (tutela cautelar). [grifo no original]

Com efeito, é entendimento da Câmara que o dever de cobertura deve ocorrer nos exatos termos em que prescritos pelo médico assistente, entendimento esse reforçado, no caso, pela Nota Técnica 01/22 da ANS.

Não desconheço o recente julgado do c. Superior Tribunal de Justiça no sentido da taxatividade do rol da ANS. Todavia, além da ausência do caráter vinculante e de trânsito em julgado do referido acórdão, restou amplamente divulgado que a Segunda Seção mitigou a taxatividade em hipóteses específicas, dentre elas, tratamentos para portadores do espectro autista, caso dos autos.

Além disso, o que importa é a existência de cobertura do contrato para a doença apresentada pela parte autora, não importando a forma como o tratamento será...

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