Acórdão nº 51709914520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51709914520228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002982203
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5170991-45.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

AGRAVANTE: UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA

AGRAVADO: VINICIUS DOS SANTOS MORAES FILHO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))

AGRAVADO: CRISTIANE SANDRI SOUTO MORAES (Pais)

RELATÓRIO

UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA interpôs agravo de instrumento em face da decisão proferida pelo magistrado de origem que, nos autos da ação de obrigação de fazer deferiu a tutela postulada através da qual o autor busca a cobertura do medicamento denominado Canabidiol.

Em suas razões alega que, no caso em apreço, não há probabilidade do direito posto em juízo, diferentemente do entendimento do magistrado a quo, porquanto o medicamento a base de Canabidiol não tem previsão de cobertura no Rol da ANS visto que se trata de tratamento domiciliar e não se enquadra nas exceções previstas na lei para cobertura de medicamento domiciliar. Postula, assim, a concessão do efeito suspensivo e o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 12).

O Ministério Público ofertou parecer pelo desprovimento do apelo.

Os autos vieram-em conclusos em 24/10/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de agravo de instrumento interposto em face da decisão proferida pelo magistrado de origem que, nos autos da ação de obrigação de fazer deferiu a tutela postulada através da qual o autor busca a cobertura do medicamento denominado Canabidiol.

A decisão fustigada é do seguinte teor, sic:

"Vistos.

Trata-se de ação de obrigação de fazer, onde o autor postula, liminarmente, que a demandada lhe forneça tratamento quimioterápico com medicamento denominado CANABIDIOL em razão de padecer de transtorno do espectro do autismo e epilepsia. Para tanto, aduz ser beneficiário do plano de saúde administrado pela ré e permanece adimplente com suas obrigações. Refere que obteve negativa de cobertura para os medicamento prescrito por seu médico como alternativa de tratamento, o que lhe acarreta danos à sua saúde.

Efetivamente, pelos documentos acostados aos autos (item 8 do evento 1), constata-se que o autor necessita do tratamento testilhado e obteve uma aparentemente injusta negativa de custeio por parte do plano de saúde requerido (item 5 do evento 1). Aliás, em geral, diante da genérica oferta de cobertura, descabe que a ré fundamente negativa de custeio carente de qualquer justificativa válida.

Portanto e, cotejando a urgência do provimento – o autor padece de doença grave - a priori, há que se garantir a manutenção das coberturas contratadas para o autor.

Assim, entendo que o pedido contém os requisitos de lei para a concessão da tutela pleiteada, nos termos do art. 300, do CPC, pois são verossímeis as alegações e, é evidente o dano que pode advir da demora no deferimento.

Ademais, não é de se imaginar que o plano de saúde demandado não tenha o dever de custear o tratamento a que o requerente está submetido, devendo se ter, sempre, no caso, uma interpretação do contrato mais favorável ao beneficiário.

Sobre o tema, transcrevo o seguinte aresto:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. TUTELA ANTECIPADA. MEDICAMENTO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COBERTURA. DESCABIMENTO. COBERTURA DEVIDA. Trata-se de agravo de instrumento interposto em face da decisão proferida pela magistrada a quo, que deferiu a liminar postulada pela parte autora para o fim de fornecer os medicamentos postulados. A autora é portadora de Carcinoma Invasor de Mama com metástases pulmonar, pleural e óssea, necessitando de tratamento com os medicamentos ANTINEOPLÁSICOS FEMARA (letrozol) 2,5 mg 1x ao dia, uso contínuo, e IBRANCE (palbociclibe) 125 mg 1x ao dia por 21 dias seguido de 7 dias de intervalo. A requerida nega cobertura alegando ausência de previsão no Rol de Cobertura previsto na Resolução Normativa n. 428/2017. A indicação médica do tratamento está firmada por médico oncologista (fl. 40) e consta no relatório que o medicamento prescrito é considerado standard para esta doença e não há outro que substitua com os mesmos resultados, além disso, a paciente está em progressão sintomática e deve iniciar imediatamente a terapia proposta sob risco de falência respiratória e óbito. Os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais moléstias oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente, razão pela qual é descabida a negativa de fornecimento do medicamento. Outrossim, e mais importante, vale dizer que no caso concreto está em jogo a vida da pessoa humana, não podendo ser ceifada do agravado a oportunidade de ser tratado adequadamente da doença que o atinge. Com isso, considerando a imprescindibilidade do fármaco, deve prevalecer a cobertura contratual de modo genérico, sob pena da cláusula ser considerada abusiva ou ser interpretada de forma restritiva à luz do artigo 54 do Código Consumerista. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO(Agravo de Instrumento, Nº 70080469349, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em: 25-04-2019)

Isto posto, defiro o pleito liminar, para determinar que a demandada forneça o referido medicamento, nos exatos termos em que postulados (receituário do item 8, evento1), mas, sem imposição de multa cominatória pois, em caso de descumprimento, poderá ser feito o bloqueio "on line" da verba necessária ao custeio dos cuidados de que o menor requerente necessita enquanto a Unimed não o fizer.

Por outro lado, tenho que permanece não recomendável a realização de audiência de conciliação presencial, em razão do risco de propagação do novo coronavírus, com o que, determino que se proceda na citação da parte ré para apresentar contestação, no prazo de 15 dias, contados da juntada do aviso de recebimento da carta de citação aos autos (art. 231, I, do NCPC). Não havendo contestação a parte ré será considerada revel, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados na inicial.

Eventual acordo poderá ser efetivado no curso da lide, inclusive com ulterior designação de audiência para tanto, se houver interesse.

Intimem-se, inclusive para que a ré cumpra a liminar, por meio de ofício a ser expedido pelo cartório e encaminhando pela parte autora.

Dil. legais."

Com efeito, atento ao mutualismo e o sinalagma que representa o contrato de prestação de saúde suplementar, na busca permanente da manutenção de um serviço de saúde privado eficaz, útil e duradouro, com resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor, estou alterando minha posição, até então consolidada, para adotar a nova versão da jurisprudência da 4ª Turma do STJ, que, em overruling, no REsp.n. 1.733.013/PR, sustenta que a opção do legislador, através das Leis n.9656/1998 e 9961/2000, foi de disciplinar uma lista e eventos em saúde que constituirão referência básica, sendo que a ANS, na condição de Agência Reguladora, o incrementará com a incorporação de novas tecnologias. Esse rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar o direito à saúde com preços acessíveis, contemplando camada mais ampla e vulnerável da população. Assim, melhor ponderando, data venia, mas se afigura realmente impertinente continuar julgando no sentido de que as Operadoras/Seguradoras de Planos de Saúde são responsáveis pelo custeio de todo tipo de medicamento e tratamento prescrito pelo médico do paciente, independente de custo, benefício e eficácia. É imprescindível recolocar a exegese do assunto em patamares palatáveis e aceitáveis sob pena de conduzir à bancarrota os Planos de Saúde Suplementares, aliás, como já está acontecendo, justamente pelo deferimento de tratamentos/medicamentos de elevadíssimos custos, sem qualquer controle e limitação definida, que, ao final e ao cabo, será dividido entre os participantes, dificultando o acesso (preço e mensalidades elevadas) e, modo consequente, jogando a população em direção ao SUS ( Sistema Único de Saúde). A virtude, pois, está no meio termo - virtus medius - no sentido de alicerçar e defender o plano de referência mínimo, atualizado e sempre incorporado com novas tecnologias pela ANS que é, a final, a encarregada de fiscalizar a saúde financeira e a possibilidade de cobertura dos Planos Privados.

Em que pese o entendimento anterior quanto a aplicabilidade do CDC como norma prevalente aos contratos de plano de saúde, conforme súmula 608 do egrégio STJ, a partir do entendimento da taxatividade do rol dos tratamentos/medicamentos dispostos na ANS, necessário se faz um novo entendimento quanto a aplicabilidade do CDC que passa ao caudal natural e legal preconizado no art.35-G da Lei dos Planos, qual seja, a de aplicação subsidiária, isto é, naquilo que a lei específica silenciar, aplica-se destarte, as normas consumeristas. Destarte, à luz da legislação especial de regência, no confronto entre as regras específicas e as demais do ordenamento jurídico, deve prevalecer a regra excepcional. Nesse contexto o CDC não regula contratos específicos, em casos de incompatibilidade há a prevalência da lei especial pelos critérios da especialidade. Ademais, a lei n. 9.961/2000 que criou a ANS, posterior a publicação da Lei 8.078/1990 (CDC) garante ainda, à sujeição ao princípio da cronologia, estabelecendo no art. 4º, inciso III que detém legitimidade para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656, de 3 de junho...

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