Acórdão nº 51713391120228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-06-2023

Data de Julgamento09 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51713391120228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003580887
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5171339-11.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: MARIA LUIZA DE SOUZA PUFAL FERREIRA (AUTOR)

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARIA LUIZA DE SOUZA PUFAL FERREIRA e FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO contra a sentença que julgou procedente a ação de revisão de contrato n. 51713391120228210001, movida por aquela contra esta.

O dispositivo da sentença está assim redigido (ev. 16):

Pelo exposto, mantenho os provimentos liminares e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 48013258 à taxa média de mercado à época da contratação (1,38% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A parte autora, MARIA LUIZA DE SOUZA PUFAL FERREIRA, em suas razões, sustenta que não é possível a determinação da compensação de valores, porquanto sequer há pedido nesse sentido.

Alega que os juros de mora e a correção monetária deverão incidir a contar do desembolso.

Defende que os honorários deverão ser fixados em R$ 1.500,00, sob pena de aviltamento do trabalho desempenhado.

Requer o provimento do apelo.

Recurso dispensado do preparo por litigar com amparo no benefício da gratuidade judiciária.

A instituição financeira demandada, FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, em suas razões recursais, alega que os juros remuneratórios devem ser mantidos tal como contratados.

Menciona que há particularidade na concessão do crédito que devem ser levados em consideração "conforme ditado no recurso representativo da controvérsia sobre juros remuneratórios – RESP nº 1.061.530/RS".

Requer o provimento do apelo.

Houve preparo.

Contrarrazões apresentadas pela parte autora (ev. 32), sem inovar no debate.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois adequado e tempestivo.

RELAÇÃO CONTRATUAL

Houve a revisão do Contrato de Empréstimo Pessoal n. 48013258, firmado em outubro/2021, com taxa de juros estabelecida em 2,81% ao mês e 42,08% ao ano (evento 1, CONTR4).

APELAÇÃO DA PARTE DEMANDADA

JUROS REMUNERATÓRIOS

É necessário contextualizar a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios, a fim de compreensão do julgado.

A Carta Política de 1988 deu ensejo ao intenso debate jurídico sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários. E disso derivaram duas correntes interpretativas, no caso: a) os que entendiam a auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, e b) os que compreendiam ser norma de eficácia contida (necessária integração com lei complementar).

Inequívoco que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não era auto-aplicável. É insustentável qualquer argumento em contrário diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº 4-7, que expressou a necessidade de norma infraconstitucional regulando o dispositivo constitucional. Tampouco solve a questão o argumento de incidência do § 4º, do artigo 173 da Constituição Federal, eis que inaplicável ao caso em apreço.

Ademais, as decisões dos tribunais superiores já não se baseiam nessa tese, eis que o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema com a Súmula Vinculante nº 07, ao passo que a Emenda Constitucional n. 40/2003 retirou da Carta Magna a pretensa limitação dos juros.

No tocante à aplicação da Lei de Usura, é matéria revogada pelo art. 4º, inc. IX da Lei 4.595/64 que se aplica às instituições do sistema financeiro nacional (bancos, financeiras, administradora de cartões de crédito e cooperativas). Não mais se impõe, desde os idos de 1964, qualquer restrição à taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras.

Poder-se-ia aduzir que a Lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, IX, apenas facultou ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros. E, com isso, limitar não é autorizar taxa de juros à vontade da instituição financeira. Entretanto, a inexistência de um teto ou limitador expresso deixa antever que autorização há, pois em sentido contrário estaria, por Resolução do CMN, disciplinando as taxas máximas e mínimas de juros a serem cobradas. Resulta que, ante a carência de limitador, a fixação das taxas de juros é perfeitamente cabível.

Por outro lado, há que se relembrar da aplicabilidade dos enunciados expressados no enunciado nº. 596 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual expõe que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não é aplicável às instituições financeiras. Tampouco incide a regra dos artigos 591, 407 e 406, do Código Civil brasileiro, mercê de que houve convenção entre os litigantes sobre a taxa de juros, além do que a lei civil somente rege matéria que não se subsume a legislação especial, notadamente do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa linha de raciocínio, transcrevo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme incidente de processo repetitivo, o que motivou a expedição da Orientação nº 1:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. [...]

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

[...]

(Recurso Especial n. 1.061.530/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Contudo, os juros que discrepam excessivamente da média de mercado representam uma abusividade, ou uma onerosidade excessiva ao consumidor. E a redução dos juros à taxa média de mercado não representará prejuízo à instituição financeira, eis que irá assegurar que esta receberá o valor que o mercado paga em operações idênticas, durante o período da contratação.

Acrescento que a incidência do Código de Defesa do Consumidor (art. 51), a fim de reconhecer a onerosidade excessiva, requer demonstração analítica da parte interessada, cuja argumentação hipotética não resolve o tema. Sequer aceitável a assertiva de que se trata de contrato de adesão, o qual implica cooptação da vontade do aderente.

De resto, não basta a simples circunstância de que os juros remuneratórios sejam acima de 12% ao ano para declaração de abusividade, em face do disposto na Súmula nº 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consigno, também, que o uso da taxa SELIC, ou sua aplicação como referência à taxa de juros remuneratórios é descabida, porquanto não representa a taxa média praticada pelo mercado, na forma da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

No caso em liça, verifica-se que a taxa de juros prevista no contrato é superior à taxa média de mercado para o período, em linha com a sentença recorrida.

Os juros para outubro/2021 ficaram em 1,38% ao mês, quando contrato n. 48013258 preve taxa de 2,81% ao mês (Série 25467).

Sobre os juros, a mera alegação de que há risco do negócio assumido pelo banco demandado, ao conceder crédito a pessoas com alto grau de inadimplência, não encontra respaldo para a contratação dos juros em patamar como dos autos. Ou seja, não se pode admitir que o grau de risco da operação, decorrente da alegada situação financeira desfavorável dos seus clientes, tenha o condão de permitir a cobrança de juros exorbitantes pelo Banco comercial, colocando o consumidor em desvantagem, diante da referida situação.

Tal embasamento trazido em razões de apelação não encontra respaldo legal, indo contra ao Recurso Repetitivo acerca do tema, que determina a análise dos juros com base na Taxa Média divulgada pelo Banco Central.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n. 2.009.614/SC, fixou distinção necessária para viabilizar a revisão de cláusulas contratuais para se amalgar o que disciplina o Recurso Especial n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, conforme a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA.

1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.

2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não...

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