Acórdão nº 51713742320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo51713742320228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002760381
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5171374-23.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio Simples (art. 121 caput)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo Dr. Éverton Luis Comoreto, Advogado, em favor de LEONIR ROQUE POSTINGHER segregado cautelarmente em 28/8/2022, pela prática, em tese, dos delitos de tentativa de homicídio e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, apontando como autoridade coatora o Juízo da Vara do Júri e de Precatórias dos Processos do Júri da Comarca de Novo Hamburgo/RS.

Em suas razões, a Defesa sustentou que o paciente está a sofrer constrangimento ilegal em seu jus libertatis, uma vez que ausentes os requisitos autorizadores da segregação cautelar. Discorreu sobre a possibilidade de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas. Teceu considerações acerca das condições pessoais do constrito. Fez mensão ao princípio da presunção de inocência. Por fim, requereu a concessão da liminar, com a confirmação no mérito (processo 5171374-23.2022.8.21.7000/TJRS, evento 1, INIC1).

Em 31/8/2022, a liminar foi parcialmente deferida para substituir a prisão preventiva de LEONIR ROQUE POSTINGHER, por medidas cautelares diversas, consistentes (i) manter o Juízo atualizado seu endereço e telefone para possibilitar as intimações; (ii) comparecer a todos atos processuais a que for intimado pelo juízo; (iii) não se ausentar da Comarca onde reside por mais 30 dias sem prévia autorização judicial; (vi) proibição de aproximar-se ou manter contato com as vítimas, sendo dispensadas as informações pela autoridade coatora (processo 5171374-23.2022.8.21.7000/TJRS, evento 4, DESPADEC1).

Neste grau de jurisdição, em parecer exarado pelo Dr. Airton Zanatta, Procurador de Justiça, o Ministério Público manifestou-se pela confirmação da concessão parcial da ordem, ratificando a decisão liminar (processo 5171374-23.2022.8.21.7000/TJRS, evento 13, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

O ora paciente, LEONIR ROQUE POSTINGHER, encontrava-se segregado cautelarmente desde 28/8/2022, pela prática, em tese, dos delitos de tentativa de homicídio e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido.

Impetrou-se a presente ordem de habeas corpus objetivando a soltura do constrita ou, subsidiariamente, a substituição do cárcere provisório por medidas cautelares diversas.

Com o escopo de evitar desnecessária tautologia, peço vênia para reportar-me aos fundamentos lançados por ocasião do liminar parcial deferimento da ordem pleiteada, agregando-os como razões de decidir (processo 5171374-23.2022.8.21.7000/TJRS, evento 4, DESPADEC1):

2. Para a decretação da prisão preventiva é necessária a presença de uma das hipóteses do artigo 313 do Código de Processo Penal, podendo a prisão ser decretada para (i) a garantia da ordem pública ou da ordem econômica; (ii) por conveniência da instrução criminal; (iii) ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que existente prova do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, conforme disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Sobre o perigo gerado pelo estado de liberdade”, incluído pela Lei nº 13.964/2019, Nucci (2019, p. 82) refere que esse

novo ingrediente para a prisão preventiva não acrescenta absolutamente nada de novo: pelo contrário, abre mais uma porta genérica e aberta para a prisão preventiva. Como apurar perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado? Estaria fora da garantia da ordem pública ou ordem econômica? Seria diferente de garantir a instrução processual? Seria diverso da aplicação da lei penal? Enfim, para nós, a liberdade do acusado, quando gera perigo, precisa encaixar-se nos elementos anteriores. Não há como acrescer um critério novo, como se nunca tivesse antes sido previsto1.

Ainda, é necessário lembrar que a custódia cautelar é medida excepcional em nosso ordenamento jurídico, devendo ser decretada somente quando estritamente necessária, fundada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos (SANCHES DA CUNHA, 2020, p. 253)2, bem assim em face da impossibilidade de aplicação de medidas mais brandas. O Magistrado deve ponderar as circunstâncias pessoais do sujeito preso, a gravidade do crime e demais elementos que possam influenciar na decisão.

No caso dos autos, estou em deferir parcialmente a liminar pleiteada.

De início, conforme se extrai do termo da audiência de custódia realizada em 29/8/2022, o decisum constritivo foi procedido de forma oral, restando gravado por vídeo, cuja mídia se encontra anexada no feito na origem. Não se localizou, todavia, a degravação do conteúdo de tal mídia.

No ponto, nos termos do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal de 1988, "ninguém será preso em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

Daí que não basta que a autoridade coatora fundamente oralmente a decisão segregatória cautelar, devendo, obrigatoriamente, fazê-lo por escrito, ou menos, reduzir a termo os argumentos oralmente expostos, o que não ocorreu na espécie.

Por oportuno, valho-me dos fundamentos do eminente Ministro Rogério Schietti Cruz, da Corte da Cidadania, nos autos do Habeas Corpus nº 69.548, datada de 1/03/2022:

(...)

Inicialmente, consigno que a Corte local não analisou o tema.
Todavia, a prisão de uma pessoa sem uma ordem judicial escrita constitui o que habitualmente denominamos manifesta ilegalidade, sendo, portanto, o caso do concessão da ordem de ofício.


A ata da audiência de custódia tem o seguinte teor:


DELIBERAÇÃO EM AUDIENCIA: O autuado acima nominado foi preso em flagrante delito e apresentado nesta central à data de hoje.
A presente audiência foi gravada e a decisão suscitada de forma oral bem como a fundamentação. Em vista do exposto, não vislumbrando vícios formais ou materiais que ensejem nulidade do ato, HOMOLOGOU o AUTO DE PRISAO EM FLAGRANTE. Noutro passo, seguindo as diretrizes do novel art. 310 e seguintes do CPP, observou que se encontram presentes os requisitos que autorizam a conversão da prisão em flagrante em preventiva, conforme requerido pelo Ministério Publico. Desta forma prolatou a seguinte decisão: Ante o exposto, com fundamento no art. 310, 11, c/c art. 312 do CPP, converto A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA em desfavor GILMAR PEDRO DE LIMA. (fl. 93)

Primeiramente, faço lembrar que uma das finalidades precípuas da audiência de custódia é salvaguardar os direitos fundamentais daquele que foi preso em flagrante. Entre esses direitos, insere-se a avaliação da legalidade do ato coercitivo e a necessidade de manutenção da constrição, cujo juízo valorativo, segundo precisas ponderações de Gustavo Badaró, pode ser considerado bifronte ou complexo, na medida em que "não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realizado, mas também valorar a necessidade de adequação da prisão cautelar para o futuro" (Parecer prisão em flagrante delito e direito à audiência de custódia. Disponível em:
https://www.academia.

edu/9457415/Parecer_-_Pris%C3%A3o_em_flagrante_delito_e_direito_%C3% A0_audi%C3%AAncia_de_cust%C3%B3dia, , p. 14.
acesso em 15/10/2021).


Assim, sob os auspícios das diretrizes traçadas pela Convenção Americana de Direitos Humanos - CADH (Pacto de San Jose da Costa Rica) -, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ aprovou a Resolução n. 213/2015, na qual detalha o procedimento de apresentação de presos em flagrante ou por mandado de prisão à autoridade judicial competente.


Registro que, no mencionado ato normativo, há previsão de dois protocolos de atuação: 1º) sobre aplicação de penas alternativas e 2º) sobre os procedimentos para apuração de denúncias de tortura.
Na elaboração desses protocolos, segundo informação que pode ser obtida no sítio eletrônico do CNJ, foram consideradas orientações presentes, inter alia, no Protocolo de Istambul.

A referida resolução detalha com maior especificidade o papel do juiz durante o ato, oferecendo-lhe algumas orientações sobre o modo de atuação e de intervenção judicial, habilitando-o, nessa perspectiva, a atuar na salvaguarda dos direitos fundamentais, notadamente no que se refere à avaliação da existência de legalidade estrita do ato de prisão e da necessidade de manutenção ou não da custódia cautelar.


Relativamente ao procedimento, prevê o art. 8º da Resolução n. 213/2015 o seguinte:


Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo: [...] § 2º A oitiva da pessoa presa será registrada, preferencialmente, em mídia, dispensando-se a formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes, e ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia.

§ 3º A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte, como também as providências tomadas, em caso da constatação de indícios de tortura e maus tratos.

§ 4º Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição.


Note-se que o referido dispositivo
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