Acórdão nº 51738047920218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51738047920218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001559896
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5173804-79.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador ÉRGIO ROQUE MENINE

AGRAVANTE: BANCO BMG S.A

AGRAVADO: CLAUDIO ANTONIO FERREIRA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por BANCO BMG S.A em face da decisão (ev. 3 dos autos de origem) que deferiu a tutela antecipada de urgência na ação declaratória de nulidade de contrato c/c repetição de indébito e indenização por danos morais ajuizada em favor de CLÁUDIO ANTÔNIO FERREIRA, nos seguintes termos:

(…)

Inicialmente, destaco a incidência da legislação consumerista, pois as partes enquadram-se como consumidor e fornecedora, nos termos dos arts. e do Código de Defesa do Consumidor. Quanto ao pedido de tutela de urgência, os documentos que acompanham a inicial evidenciam a probabilidade do direito. Na presente situação, em que se está discutindo sobre a existência da dívida, não se pode exigir a produção de prova negativa.

Nesse sentido o entendimento do E.TJRS:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPRÉSTIMO PELA MODALIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO. ARBITRAMENTO DE MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). O autor, que é pessoa idosa e recebe benefício previdenciário, não nega que possui relacionamento com a instituição financeira. Entretanto, nega ter contratado empréstimo consignado através de cartão de crédito, que resultou na reserva de margem consignável de 5%, para garantia de pagamento das parcelas relativas ao referido empréstimo. Na hipótese dos autos, há negativa na contratação do referido empréstimo consignado, ainda não examinado na totalidade de seus termos, inclusive com fortes indícios de possibilidade de venda casada. Dessa forma, levando em conta os descontos realizados no benefício previdenciário do autor, o que lhe causa prejuízos, é de ser mantida a decisão do magistrado singular, em juízo de cognição sumária, que determinou a vedação ou exclusão do nome do requerente dos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa diária. De igual sorte, a multa diária fixada pelo julgador a quo, em caso de descumprimento da tutela de urgência em R$ 500,00 não é excessiva, como entende o agravante. Caso em que a multa objetiva o alcance do resultado prático da medida, não dispondo de caráter punitivo, mas unicamente preventivo, ao efeito de desestimular o descumprimento da decisão judicial e compensar eventual lesão que a parte possa sofrer em função da desobediência, portanto a multa diária atende à especificidade da tutela (artigo 536, § 1º, do CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70079544805, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 10-12-2019)

O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação consiste na afirmativa da parte autora de que desconhece o contrato, por sua conta e risco, na medida em que em caso de improcedência do pedido, os descontos em seu benefício previdenciário serão restabelecidos.

Assim, concedo a tutela de urgência para que cessem os descontos no benefício previdenciário do(a) autor(a) a título de RMC pela ré.

Cite-se e intimem-se, sendo que a parte requerida para, no prazo da contestação, comprovar o cumprimento da tutela de urgência, sob pena de multa no valor de R$ 200,00 (quinhentos reais) por dia de atraso, consolidada ao máximo de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), bem como para acostar aos autos cópias dos instrumentos contratuais celebrado com a parte autora.

Em suas razões (ev. 1) o recorrente alega que o contrato em destaque é claro e preciso quanto à modalidade de contratação, à forma de pagamento (reserva de margem consignável em folha de pagamento) e aos encargos incidentes em caso de pagamento parcial ou inadimplemento, bem como livremente pactuado. Sustenta que a parte autora não se desincumbiu do ônus de comprovar suas alegações, sobretudo de que fora induzida a erro quando da contratação. Argumenta que, diante da validade da contratação havida entre as partes, da legalidade dos descontos e da ausência de má-fé de sua parte, não há que se falar em inexistência de débito tampouco em repetição de indébito. Nestes termos, requer o provimento do recurso. Preparo ao ev. 5.

Intimada, a parte recorrida não apresentou contrarrazões.

Por fim, registro que foi observado o disposto nos arts. 931 e 934 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso e o recebo em seus efeitos legais.

Passo ao julgamento.

Inicialmente, cumpre esclarecer que a controvérsia da presente demanda reside na modalidade contratual estabelecida entre as partes.

O agravante requer a suspensão da liminar que interrompeu os descontos efetuados no benefício previdenciário do agravado, a título de cartão de crédito consignado (RMC).

Sobre a modalidade contratada pela parte autora, o atual entendimento firmado por esta Câmara é no sentido de que a cláusula que permite descontos na folha de pagamento do consumidor, sem conter data-limite para que cessem, gera excessiva oneração ao contratante e enseja flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, V, do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APLICABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DEFEITO NO DEVER DE INFORMAÇÃO. PRÁTICA ABUSIVA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. Autor pretendia contrair empréstimo pessoal consignado e assinou termo de adesão a um contrato de Cartão de Crédito Consignado com autorização para desconto da Reserva de Margem Consignável (RMC) em folha de pagamento. Não obstante esteja a contratação adequada à moldura legal, forçoso reconhecer que a cláusula que permite os descontos na folha de pagamento do autor, sem conter data-limite para que cessem, enseja a perpetuação da dívida, ocasionando excessiva oneração ao consumidor e flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando prática abusiva e vedada, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Contudo, não vinga a pretensão de declaração de nulidade da relação jurídica, com a desconstituição total do débito, visto que o art. 881 do Código Civil veda o enriquecimento sem causa. Além disso, estabelece o art. 51, § 2°, do CDC que a nulidade de uma cláusula não invalida a totalidade do contrato. A ilegalidade na forma de cobrança do débito acarreta a anulação da cláusula que prevê a cobrança das parcelas do empréstimo através de descontos a título de Reserva de Margem Consignável, devendo ser cancelados tais descontos. Via de consequência, converte-se o “Contrato de Cartão de Crédito Consignado” para “Empréstimo Pessoal Consignado”. As parcelas do empréstimo já descontadas eram devidas não prosperando o pleito de repetição de indébito em dobro dos valores descontados, sob pena de enriquecimento ilícito da parte autora. Cabível, todavia, que eventual valor excessivo que venha a ser descontado após o recálculo da dívida na fase de liquidação de sentença, seja repetido na forma simples. Não prosperam os danos morais por não restar demonstrada qualquer situação vexatória ou abalo psíquico de maior monta, cuidando-se de transtorno que não ultrapassou o mero dissabor. Convém destacar que o pensionista, em momento algum, esteve na iminência de ser negativado.APELAÇÃO INTEOSTA PELO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70082923020, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em: 12-03-2020).

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CARTÃO DE CRÉDITO VINCULADO. IRREGULARIDADE DE DESCONTOS NA RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA (RMC). NOVO ENTENDIMENTO DESTA COLENDA CÂMARA. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. INFRINGÊNCIA DO DEVER DE INFORMAR. VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MERO DISSABOR. SUPORTE FÁTICO NÃO COMPROVADO. Não obstante haja a possibilidade legal de contratação de empréstimo na modalidade de desconto RMC, no caso em apreço, a cláusula que permite os descontos na folha de pagamento da autora se revela abusiva, na medida em que...

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