Acórdão nº 51801129720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo51801129720228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003290061
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5180112-97.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

ROBERTO CARLOS RAMOS MACIEL, por Defensor Público, interpôs o presente AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL, contra decisão, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª VEC de Porto Alegre/RS, que indeferiu pedido de unificação de penas dos processos nº 0043613-60.2018.8.21.0008 e 0043722-74.2018.8.21.0008 (evento 3 - AGRAVO1: fls. 3/4).

Sustentou o agravante, em síntese, que os delitos são de mesma espécie e foram praticados mediante semelhantes condições de tempo - diferença inferior a 30 dias entre um e outro fato -, lugar e maneira de execução - roubos com emprego de arma de fogo -, preenchendo, assim, os requisitos do art. 71 do CP, sendo natural a existência de variação fática entre as condutas, porque é impossível que se repitam, de modo idêntico. Requereu o provimento do recurso para que seja reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes (evento 3 - AGRAVO1: fls. 5/8).

O Ministério Público contra-arrazoou o agravo, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (evento 3 - AGRAVO1: fls. 10/16).

O decisum foi mantido pelo magistrado a quo, subindo os autos a esta Corte (evento 3 - AGRAVO1: fl. 17).

Aqui, manifestou-se o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Glênio Amaro Biffignandi, pelo improvimento do agravo (evento 9).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Pelo que se depreende do relatório da situação processual executória atualizado, disponível no Sistema SEEU, o apenado cumpre pena total de 30 anos, 10 meses e 26 dias de reclusão, e multas, tendo iniciado o cumprimento da reprimenda em 05.08.2015.

Requereu a unificação das penas de 2 condenações - processos nº 0043613-60.2018.8.21.0008 e 0043722-74.2018.8.21.0008 -, o que foi indeferido pelo decisor singular (evento 3 - AGRAVO1: fls. 3/4), com o que não se conforma a defesa.

Pois bem.

O instituto da continuidade delitiva resulta que, vários crimes da mesma espécie, por uma ficção legal, são tidos como conduta única, protraída no tempo.

Segundo a Ministra Laurita Vaz, Nos termos do art. 71 do Código Penal, o delito continuado evidencia-se quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, comete mais de um crime da mesma espécie. Necessário também que os delitos guardem conexão no que diz respeito ao tempo, ao lugar, à maneira de execução e a outras características que façam presumir a continuidade delitiva.” (HC 93.323/RS, Quinta Turma, julgado em 03.08.2010, DJe 23.08.2010).

Da definição trazida, infere-se já, ao reconhecimento do delictum continuatum, a necessidade de implementação de todos os três requisitos previstos no art. 71 do CP: semelhantes circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução.

Além das semelhanças daquelas circunstâncias legais, tidas como objetivas, posiciona-se, ainda, a jurisprudência, ao lado da doutrina, quase que maciçamente, à imprescindibilidade da verificação de um liame subjetivo a interligar as condutas, sob pena de configuração de mera habitualidade criminosa, que inviabiliza o benefício.

Nesse tocante, outro trecho do lapidar voto prolatado pela eminente Ministra Laurita Vaz no precedente já citado:

“A respeito do tema surgiram algumas teorias, entre elas a teoria puramente objetiva, que abstrai os elementos subjetivos, e a teoria mista, também conhecia híbrida, que entende ser necessária a presença de elementos objetivos e subjetivos.

Como bem explicitou a Exposição de Motivos do Código Penal no n.º 59 (Lei n.º 7.209/84), o Brasil adotou, inicialmente, ‘o critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva. O projeto optou pelo critério que mais adequadamente se opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas ações se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos de execução e circunstâncias outras, marcadas por evidente semelhança’.

Contudo, posteriormente, a jurisprudência entendeu que o critério seria insuficiente, exigindo a necessidade do liame subjetivo entre as condutas.”

Mais recentemente, os seguintes julgados do E. STJ:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS. TEORIA OBJETIVO-SUBJETIVA. NÃO CONSIDERAÇÃO, PELO TRIBUNAL A QUO, NA ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE CRIME CONTINUADO, DO REQUISITO SUBJETIVO (UNIDADE DE DESÍGNIOS). I - Segundo a jurisprudência do Pretório Excelso e deste Superior Tribunal de Justiça, para efeito de reconhecimento da continuidade delitiva, é indispensável que o réu tenha praticado as condutas delituosas em idênticas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, e, ainda, que exista entre elas um liame a indicar a unidade de desígnios do agente. (Precedentes). II - In casu, o eg. Tribunal de origem, ao reconhecer a continuidade delitiva, desconsiderou a necessidade de preenchimento do requisito subjetivo, qual seja, unidade de desígnios, entendimento que está em confronto com o firmado por esta Corte. Correta, portanto, a determinação de que o eg. Tribunal a quo analise a ocorrência do crime continuado, na hipótese, à luz da teoria objetivo-subjetiva. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1428786/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016)

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CONTINUIDADE DELITIVA. TEORIA OBJETIVA-SUBJETIVA. VERIFICAÇÃO DE LIAME SUBJETIVO ENTRE OS CRIME PARCELARES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A individualização da pena é uma atividade vinculada a parâmetros abstratamente cominados pela lei, sendo permitido ao julgador, entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Dessarte, ressalvadas as hipóteses de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade, é inadmissível às Cortes Superiores a revisão dos critérios adotados na dosimetria da pena. 3. O crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes parcelares que o formam, para fins específicos de aplicação da pena. Para a sua aplicação, a norma extraída do art. 71, caput, do Código Penal exige, concomitantemente, três requisitos objetivos: I) pluralidade de condutas; II) pluralidade de crime da mesma espécie; III) condições semelhantes de tempo lugar, maneira de execução e outras semelhantes (conexão temporal, espacial, modal e ocasional); IV) e, por fim, adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito da unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido esses delitos subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente. Observa-se que as instâncias ordinárias não constataram a existência do requisito subjetivo da unidade de desígnios entre os crimes de homicídio e, paralelamente, os de ocultação de cadáver, o que não é possível fazer nesta estreita via do habeas corpus, sob pena de indevido revolvimento fático-probatório. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC 408.842/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018)

E também do Pretório Excelso:

“HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO. DEFICIÊNCIA DA QUESITAÇÃO. MATÉRIA NÃO SUSCITADA OPORTUNAMENTE (CPP, ART. 571, VIII). PRECLUSÃO. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA REQUERIDA PELA DEFESA NA SESSÃO PLENÁRIA DO JÚRI. ATRIBUIÇÃO DO JUIZ PRESIDENTE (ART. 497, IV E XI, DO CPP). CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71). RECONHECIMENTO. INVIABILIDADE. AFERIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. INVIABILIDADE. 1. Em se tratando de suposto vício ocorrido na sessão do júri, deveria ter sido suscitado de imediato pela defesa, conforme estabelece o art. 571, VIII, do CPP. Entretanto, essa insurgência só foi veiculada nas razões do recurso de apelação, tornando a matéria preclusa. Precedentes. 2. A teor do que dispõe o art. 497, IV e XI, do CPP, não há falar em usurpação da competência do corpo de jurados o indeferimento de diligência formulada pela defesa e considerada, pelo Juiz Presidente, protelatória e desnecessária, sobretudo quando não há notícia de inconformismo por parte de algum membro do conselho de sentença. Precedentes. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, abalizada por parcela da doutrina especializada, são requisitos necessários para caracterização da continuidade delitiva, à luz da teoria objetivo-subjetiva: (a) a pluralidade de condutas; (b) a pluralidade de crimes da mesma espécie; (c) que os crimes sejam praticados em continuação, tendo em vista as circunstâncias objetivas (mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes); e, por fim, (d) a unidade de desígnios. 4. No caso, as instâncias ordinárias apresentaram fundamentação jurídica idônea no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT