Acórdão nº 51810838220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 25-11-2022

Data de Julgamento25 Novembro 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo51810838220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002915841
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5181083-82.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra decisão da Juíza de Direito do 1º Juizado da 1ª VEC de Porto Alegre, que deferiu a progressão de regime ao semiaberto e concedeu a prisão domiciliar ao apenado com inclusão no programa de monitoramento eletrônico.

Foram apresentadas contrarrazões. Em juízo de retratação, a decisão foi mantida.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O apenado DIULHENO ROBERTO CARDOZO, PEC nº 0461441-08.2011.8.21.0086, cumpre pena privativa de liberdade fixada em 60 anos, 07 meses e 03 dias de reclusão pela prática dos crimes de roubo majorado (três vezes), homicídio qualificado (duas vezes).

Resta configurada, no caso em apreço, a ilegalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a manutenção de condenado em regime mais gravoso, como no caso dos autos, por inexistência de estabelecimento prisional compatível, viola os princípios da individualização da pena e da legalidade.

A concessão da prisão domiciliar ao agravado, portanto, decorre da proporcionalidade e da razoabilidade inerentes à atividade jurisdicional, consideradas as peculiaridades do sistema prisional. Evidentemente mais adequada a colocação em condição excepcional de cumprimento da pena daqueles presos que estão mais perto da reinserção social, que já galgaram progressão a regime mais brando.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 641.320 em 11 de maio de 2016, concluiu que a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, determinando que os juízes da Execução, nestes casos, na falta de alternativas, concedam aos apenados o benefício da prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico.

Em 29 de junho de 2016, o Plenário do STF aprovou a Súmula Vinculante nº 56, com a seguinte redação: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320.

As diretrizes exigidas para concessão da prisão domiciliar já constavam do Recurso Extraordinário nº 641.320/RS e, por consequência, da Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal, firmando jurisprudência no sentido da possibilidade de concessão de prisão domiciliar aos apenados que ingressem no regime semiaberto/aberto diante da ausência de vagas para o cumprimento da pena.

No caso concreto, a decisão da Magistrada a quo não contraria a Súmula Vinculante ou o julgado do STJ, pois o agravado está inserido neste contexto de ausência de vagas aos presos do regime semiaberto vinculados à VEC da Capital.

Ainda, destaca-se que, entre julho de 2022, quando concedida a prisão domiciliar, e novembro de 2022, quando está sendo realizado o julgamento do presente o agravo, não há notícia de reiteração delitiva ou descumprimento das condições do benefício, devendo ser mantida a decisão que sanou a ilegalidade sofrida pelo reeducando.

A manutenção do preso na situação em que se encontrava configuraria a ilegalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a manutenção de condenado em regime mais gravoso, como no caso dos autos, por inexistência de estabelecimento prisional compatível, viola os princípios da individualização da pena e da legalidade.

Observo, neste contexto, que a concessão de prisão domiciliar, ainda que desamparada das hipóteses legalmente previstas no artigo 117 da Lei de Execução Penal, é uma tentativa do Poder Judiciário de minimizar as mazelas causadas pela escassez de recursos provenientes do Poder Executivo, esfera responsável pela administração e implemento de vagas do sistema prisional. E assim o faz a fim de evitar grave violação aos direitos fundamentais (art. 1º, III e 5º, XLVII, “e” e XLIX), visto que os presos não podem ser submetidos a cumprimento de pena em condições mais gravosas do que as impostas na sentença condenatória ou estabelecidas pela progressão/regressão dentro da execução da pena.

Nesta linha, inclusive, menciona-se a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o pedido de liminar constante da ADPF 347 (09/09/2015), constatou, no sistema penitenciário brasileiro, a existência de um “estado de coisas inconstitucional”, em razão da generalizada violação a direitos humanos. A Corte determinou, liminarmente, o implemento das audiências de custódia e a liberação das verbas do FUNPEN, bem como acolheu proposta do Ministro Luís Roberto Barroso para determinar à União e ao Estado de São Paulo que forneçam informações sobre a situação do sistema prisional.

A prudência, por ora, indica respeitar, a priori, a inércia da gestão anômala do “estado de coisas inconstitucional” em que se transformou o sistema penitenciário brasileiro (STF, liminar da ADPF nº 347), situação que os magistrados estão constrangidos a jurisdicionar. Sem prejuízo de soluções pontuais melhores, quem sabe advindas de postulações mais concretas [em termos de alternativas], seja do Ministério Público ou, eventualmente, da defesa.

Reforço, por fim, que esta Câmara não desconhece o teor do REsp nº 1.710.674/MG, que foi julgado sob o rito dos Recursos Representativos de Controvérsia, em que impostas a prévia observância das providências indicadas no RExt nº 641.320/RS para a concessão da prisão domiciliar.

Consigno, por oportuno, que a leitura que faço do aludido precedente do Supremo Tribunal Federal não alcança, na literalidade textual, uma evidente ordem de preferência exigível para a adoção escalonada das providências. Penso, diferentemente, que, na ótica exclusiva da Súmula e do Recurso Extraordinário, são cabíveis quaisquer delas, desde que fundamentadas. Já estivesse, no parâmetro do STF, estabelecido com clareza o modo preferencial de gestão da falta de vagas, seria, com a máxima vênia, desnecessário e inócuo que o STJ, no Recurso Especial citado, posteriormente, consagrasse a “ordem de preferência”. Na dicção do STJ, é preciso que a concessão do benefício da prisão domiciliar seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE, a saber: 1º, devem sair antecipadamente sentenciados no regime com falta de vagas, abrindo-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir [embora não explicitado, presume-se que preferencialmente os que estão há mais tempo no regime semiaberto, o que não é isento de problemas graves, a considerar o diferente perfil de quem progrediu para tal regime, vindo do fechado, daquele que eventualmente foi condenado, vez primeira, à pena que inicia no semiaberto, amiúde nas franjas inferiores do quantum legal]; 2º, a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente [aqueles do passo 1º?] ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas [deduzo que apenas se não for possível a saída antecipada do item anterior – quando não seria? Pergunto: possível/conveniente, diante de uma fila de 2500 presos para 500 vagas, integralmente ocupadas, que se liberassem antecipadamente todos os 500 presos em cumprimento adequado do regime, para substituí-los por uma legião de outros 500? E quanto tempo essa nova legião deveria ficar em cumprimento de pena, até que fosse substituída por outra leva de 500? Isso supondo que não aportariam, ao universo inicial de 2500 presos, novos condenados...]; 3º, caso não possa haver saída antecipada (item 1º) ou monitoramento eletrônico/domiciliar (item 2º), então e só então [? Seria esse mesmo o raciocínio? O item 3º é alternativa aos dois primeiros ou refere-se apenas ao regime aberto?], deveria ocorrer o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto.

A agregar complexidade (o caos do sistema prisional é complexo e como que “queima” quem deliba a situação), o STF, no paradigma, observou, entretanto, que, até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. A ementa do STJ, no aludido Recurso Especial, no...

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