Acórdão nº 51811219420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 25-11-2022

Data de Julgamento25 Novembro 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo51811219420228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002933632
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5181121-94.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Latrocínio (art. 157, §3º, 2ª parte)

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO agrava da decisão proferida no 1º JUIZADO DA 1ª VARA DE EXECUÇÃO CRIMINAL DE PORTO ALEGRE, que reconheceu a continuidade delitiva entre os processos nº 0091152- 03.2010.8.21.0008 e nº 5028026-62.2010.404.7100, bem como a unificação das penas.

O argumento é de que não foram atendidos os requisitos do artigo 71 do Código Penal.

Oferecida contrariedade.

A decisão foi mantida.

Parecer pelo provimento.

Este o relatório.

VOTO

Esta a decisão agravada:

Vistos...

O regime é fechado, retifique-se. Trata-se de pedido de unificação das penas oriundas dos processos de nº 0091152- 03.2010.8.21.0008, n° 50280-6-62.2010.404.7100 e n° 0160970-24.2014.8.21.0001.

No feito de nº 0091152-03.2010.8.21.0008 o apenado foi condenado à reprimenda de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito tipificado no art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, perpetrado na data de 04/09/2010, em Canoas/RS.

No processo de n° 50280-6-62.2010.404.7100 foi imposta ao apenado a pena de 6 (seis) anos e 6 ( seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, em 17/08/2010, no município de Porto Alegre/RS.

No delito de n° 0160970-24.2014.8.21.0001 foi determinada ao apenado a pena de 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, em 28/05/2010 no município de Porto Alegre/RS. Em que pese a manifestação ministerial da mov. 240.1, da análise dos autos entendo possível a unificação das penas, forte no artigo 71 do Código Penal.

Conforme se depreende do referido dispositivo legal, configura-se o crime continuado "quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro".

No caso em tela, os roubos foram praticados em período compreendido entre 17/08/2010 e 04/09/ 2010, nas cidades de Porto Alegre/RS e Canoas/RS, respectivamente. Assim, preenchidos os requisitos, por se tratarem de crimes da mesma espécie (roubos), praticados na mesma cidade, e em um espaço temporal de 19 dias - aqui, tenho por preenchida a conexão temporal.

A maneira de execução, outrossim, foi semelhante, pois em ambos houve o emprego de arma de fogo na perpetração da violência e assessoramento de comparsas. Não vislumbro a possibilidade de afastar a continuidade delitiva, que legalmente exige semelhança e não absoluta igualdade na maneira de execução. Assim, havendo semelhança na maneira de execução, possível a admissão da continuidade delitiva.

Ainda, aponto que não há sentido prático em considerar como não preenchido o requisito de lugar por mera diferença de cidades nas ocorrências: a distância entre os locais em tela pode ser percorrida em 17 minutos de carro, segundo o Google Maps; por outro lado, dois delitos em Porto Alegre, por exemplo, podem ocorrer em locais com distância entre si a ser percorrida em até 3 horas, e, mesmo assim, seria tido como preenchido o requisito pelo órgão ministerial, simplesmente por ambos estarem nos limites formais de um mesmo município.

Quanto ao requisito do lugar, entendo desacertado o argumento ministerial. Primeiramente, em oposição ao que diz o MP, entendo que não há sentido prático em considerar como não preenchido o requisito do lugar por mera diferença de cidades nas ocorrências: a distância entre os locais em tela pode ser percorrida, de carro, em 50 minutos, segundo o Google Maps; por outro lado, dois delitos em Porto Alegre, por exemplo, podem ocorrer em locais com distância entre si a ser percorrida, também de carro, em até 3 horas, e, mesmo assim, seria tido como preenchido o requisito do lugar pelo órgão ministerial, simplesmente por ambos estarem nos limites formais de um mesmo município.

No tocante ao argumento ministerial de que há óbice à concessão do pedido diante da " habitualidade da conduta criminosa do apenado", com o máximo respeito o rechaço, utilizando-me, para tanto, que sua aceitação violaria o princípio da legalidade, porquanto não há na lei requisito obstaculizante ao reconhecimento do crime continuado embasado na aludida habitualidade. Ressalto, ainda, que vejo incoerência no fato de o Ministério Público manifestar sua contrariedade à unificação de penas com base, principalmente, no tamanho do montante total das penas atualmente em execução, tendo em vista que a função essencial do instituto da continuidade delitiva é, justamente, a tentativa de correção de excessos de apenamento.

Assim, cometidos crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo e lugar e com semelhante maneira de execução, impõe-se o reconhecimento da continuidade delitiva, porquanto preenchidos os requisitos previstos no art. 71, caput, do Código Penal.

Tomo como base a pena de 6 (seis) anos e 6 (meses) meses de reclusão imposta no processo de n° 50280-6-62.2010.404.7100, por ser a maior, e a aumento em 1/6, por se tratarem de 2 (dois) crimes.

Logo, a pena total dos referidos processos resta em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.

Isso posto, unifico as penas dos processos de nº 0091152-03.2010.8.21.0008 e n° 50280-6- 62.2010.404.7100, restando agora a pena única, com o reconhecimento da continuidade delitiva, em 7 ( sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão.

Ademais, no que tange ao processo n° 0160970-24.2014.8.21.0001, indefiro o pedido, uma vez que o lapso temporal excede 60 dias, período no qual este juizado compreende ser o prazo máximo para que possa ser considerada a continuidade delitiva.

A data base fica inalterada.

Retifique-se o RSPE.

Porto Alegre, 26 de julho de 2022.

Sonáli da Cruz Zluhan

Juíza de Direito

E parte da justificativa do parecer:

No mérito, o parecer é pelo provimento do recurso.

Como é sabido, para a caracterização da continuidade delitiva, deve haver homogeneidade de circunstâncias em cada delito, com unidade de desígnios, de modo que os subsequentes possam ser considerados como desdobramentos dos antecedentes. Tais circunstâncias se revelam impossíveis no caso em apreço, em razão da prática reiterada de crimes.

Com efeito, em consulta ao sistema SEEU, verifica-se que o apenado ostenta condenação em 10 (dez) processos criminais, sendo que 06 (seis) delas são oriundas da prática dos delitos de roubo majorado (n.º 0091152-03.2010.8.21.0008, n.º 0000000-00.0139.6.37.6798, n.º 5028026-62.2010.4.04.7100, n.º 0000000- 00.0010.0.99.6009, n.º 0160970-24.2014.8.21.0001 e n.º 0000000- 00.0011.2.20.4012), além dos delitos de latrocínio (n.º 0176252- 20.2005.8.21.0001), furto qualificado (n.º 0000000-00.0139.8.03.0633 e 0000000- 00.0139.6.06.6456) e corrupção de menores (n.º 0008458-72.2017.8.21.3001).

Destas condenações, foram objeto da decisão agravada as penas decorrentes dos processos n.º 5028026- 62.2010.4.04.7100 e n.º 0091152-03.2010.8.21.0008, ambas pelo crime de roubo majorado (art. 157, §2º, incisos I e II), os quais foram cometidos nos municípios de Canoas e Porto Alegre, nos dias 17/08/2010 e 04/09/2010, respectivamente.

Nestes dois processos em que foi, no entender deste órgão, equivocadamente reconhecida a continuidade delitiva, de fato se tratam de crimes da mesma espécie (roubos majorados), praticados dentro de curto período de tempo (entre 17/08/2010 e 04/09/2010). Todavia, foram cometidos em circunscrição territorial diversa, ou seja, cidades distintas, quais sejam, Canoas e Porto Alegre, as quais, embora próximas, não podem ser caracterizadas como sendo únicas, de modo a configurar a “mesma condição de lugar”, conforme exigido no tipo penal em exame.

De qualquer forma, ainda que assim fosse, tanto não basta ao reconhecimento da figura do crime continuado.

O que se percebe, na verdade, é que os desígnios no agir do apenado foram autônomos, sendo sua ação criminosa completamente contrária à norma vigente. Não há, pois, elemento subjetivo a amparar seja reconhecida a continuidade delitiva.

Com efeito, manter a decisão recorrida implicaria conceder verdadeiro prêmio ao apenado pelo modo de vida ilícito por ele eleito, o que se mostra inadmissível. A continuidade delitiva é ficção jurídica que deve se restringir aos casos em que restar claramente evidenciada a unidade de desígnios, a fim de se evitar o apenamento excessivo para condutas derivadas de um mesmo impulso delituoso, o que não se verifica no caso em tela, em que o apenado optou por fazer do crime seu meio de vida.

Não por outro motivo, este é o entendimento consolidado no STJ e também no TJRS:

.../...

Com efeito, como bem observado pelas ilustres agentes ministeriais em atuação no feito (seq. 240.1 dos autos da execução, bem como nas razões ora em análise), a situação retratada no presente feito é a de quem faz do crime seu meio de subsistência, sem que se perceba qualquer freio à prática delitiva. Uma breve análise do Relatório da Situação Processual Executória é suficiente para se concluir tratar-se de apenado perigoso, tendo cometido diversos crimes com violência e grave ameaça à pessoa, com apenamento superior a 60 (sessenta) anos e com saldo de pena a cumprir acima de 33 (trinta e três) anos de reclusão (RSPE – seq. 284.1).

Por tudo isso, não há de se falar em unificação das penas com reconhecimento da continuidade delitiva, devendo, assim, ser reformada a decisão...

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