Acórdão nº 51845247120228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 31-01-2023

Data de Julgamento31 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51845247120228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003123730
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5184524-71.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

A FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SANTA ROSA - FUMSSAR interpõe agravo de instrumento da decisão que, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por A. P. S., menor representado por sua genitora D. D. P., deferiu a tutela antecipada, determinando o fornecimento do acompanhamento multidisciplinar com profissionais da área da fonoaudiologia, psicopedagogia e terapia ocupacional, com a frequência de duas vezes por semana, descrito na inicial, sob pena de fixação de multa (Evento 6 do originário).

Após tecer considerações sobre a decisão agravada, sustenta, preliminarmente, a falta de interesse processual do agravado. Alega que presta atendimento a pacientes com diagnóstico ou suspeita de deficiência intelectual e Transtorno do Espectro Autista, através do Centro Especializado em Reabilitação Auditiva e Intelectual – CER II. Aduz que o laudo que instrui o feito refere que o agravado está em acompanhamento em razão de suspeita de que acometido pela moléstia registrada sob o CID10 F84.0 Autismo Infantil), ou seja, não há um diagnóstico preciso da condição da parte autora. Pondera que existe no Município de Santa Rosa o CER II, que é formado por uma equipe multidisciplinar que presta atendimentos aos portadores do TEA e também a equipe da APAE. Destaca que, com base nas indicações de tratamento para o agravado, o CER II não conta com psicopedagoga em seu quadro, por ser profissional mais comumente ligada à área da educação. Assevera que em 12/09/2022 o CER II entrou em contato com a família para que o menor fosse avaliado e iniciassem os atendimentos, mas a mãe decidiu por assinar um termo de cedência de vaga, bem como optou por continuar o atendimento com fono na rede privada. Sustenta que o poder público disponibiliza atendimento multidisciplinar aos portadores de TEA, através da FUMSSAR, no entanto devido às limitações de pessoal e de espaço físico, embora siga as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, não tem condições de fornecer o atendimento nos moldes postulados, por não possuir psicopedagoga. Alega ser descabida sua condenação ao fornecimento de atendimento nos moldes requeridos, onerando-o demasiadamente, sendo que a parte autora não está desassistida pelas políticas públicas, já que desistiu dos atendimentos propostos pela FUMSSAR. Com relação ao Tema 793 do STF, ressalta a necessidade da inclusão da União no polo passivo, visto que, conforme o julgamento do Recurso Extraordinário 855.178, há responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e municípios no fornecimento de medicamentos e tratamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Pondera que, no citado julgamento, também ficou decidido que as ações em que se demandem medicamentos ou tratamentos que não constem nas políticas públicas devem ser direcionadas contra a União, como ocorre no caso em questão. Colaciona julgados. No mérito, sustenta que a FUMSSAR não pode ser condenada a pagar por um tratamento específico, prescrito de forma particular, sob pena de inviabilizar o atendimento a centenas de pacientes que sofrem do mesmo transtorno de desenvolvimento. Tece considerações acerca das recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destacando, principalmente, a Recomendação nº 31, que visa a melhor solução dos litígios, a fim de proteger a saúde do cidadão e a gestão de recursos públicos. Destaca que deve haver a alteração dos requisitos para a concessão das medidas liminares e também do julgamento das ações judiciais a fim de garantir a gestão do SUS, considerando que, no caso dos autos, a prescrição médica é da rede privada, sendo que sequer há oferta de psicopedagoga no SUS. Aduz a violação da legislação atinente ao SUS, uma vez que não se pode exigir que os entes públicos arquem com o custo de um tratamento fora dos protocolos clínicos de tratamento do SUS, havendo tratamento disponibilizado no SUS, sob pena de ferir os princípios da universalidade e da isonomia. Cita o art. 196 da Constituição Federal e a Lei 8.080/90, que prevê a incorporação de novos medicamentos, produtos e procedimentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no SUS. Dessa forma, requer seja reconhecida a falta de interesse processual do agravado, extinguindo-se o feito, bem como que seja revogada a tutela antecipada com base nos argumentos tecidos, provendo o agravo a fim de desobrigar a FUMSSAR de fornecer o tratamento requerido, uma vez que disponibilizados ao agravado, seguindo a ordem da lista de espera e recusados, conforme Termo de Cedência de Vaga. Alternativamente, requer seja oportunizado a parte autora emendar a inicial para incluir no polo passivo a União. (Evento 1)

Foi indeferido o pedido de agregação de efeito suspensivo ao recurso (Evento 4).

Intimada, a parte autora deixou de apresentar contrarrazões (Eventos 5, 6 e 10).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 15).

É o relatório.

VOTO

Reproduzo os fundamentos que lancei quando do indeferimento do pedido de efeito suspensivo, in verbis:

"Na forma do parágrafo único do artigo 995 do Código de Processo Civil (CPC), a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

E, de acordo com o inciso I do artigo 1.019 do mesmo diploma legal, poderá ser atribuído efeito suspensivo ao recurso ou deferida, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal.

Busca a FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SANTA ROSA (FUMSSAR) a reforma da decisão que lhe determinou, em 31/08/2022, o fornecimento de "acompanhamento multidisciplinar com profissionais da área da fonoaudiologia, psicopedagogia e terapia ocupacional, todos em frequência de duas vezes por semana".

Consigna-se que se trata, o agravado, de criança, com três anos de idade, portador de Autismo Infantil (CID 10 F84.0), a quem prescrito "acompanhamento multidisciplinar URGENTE", na área da fonoaudiologia, psicopedagogia e terapia ocupacional, na frequência de duas vezes por semana com cada profissional, conforme laudo firmado pelo especialista em desenvolvimento infantil Guilherme A. Henz (n.º 41650).

Outrossim, não obstante os documentos que se encontram nos autos originários acerca das condições financeiras, imprescindível a juntada pelos seus genitores, tanto neste recurso como nos autos originários, as três últimas declarações de imposto de renda na sua integralidade.

No que concerne às alegações apresentadas neste agravo de instrumento, não prospera a falta de interesse processual, haja vista que somente após o ajuizamento da demanda a parte autora viu a possibilidade de atendimento de terapia ocupacional e fonoaudiologia.

No que tange às sessões de fonoaudiologia, psicopedagogia e terapia ocupacional, impositiva a manutenção da decisão que determinou os atendimentos, havendo a agravante de cumprir os atendimentos nos termos que lhe foi determinado, inclusive no número de sessões, seja concedendo-lhe vaga na rede pública (CER II) e/ou APAE, ou, se dessa forma não oportunizar por razões eminentemente suas, seja na modalidade privada, arcando com os devidos pagamentos das sessões, não justificando recusa sequer a questão de que a profissional de fonoaudiologia entrará em licença gestante a partir de outubro/2022 (Evento 14, OUT4).

Oportuno destacar o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 11:

Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

§ 1º A criança e o adolescente com deficiência serão atendidos, sem discriminação ou segregação, em suas necessidades gerais de saúde e específicas de habilitação e reabilitação. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente, àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

Convém, na espécie, trazer à baila, também, a Lei 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista

(...)

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;

II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

...

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