Acórdão nº 51855163220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51855163220228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003275431
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5185516-32.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Concurso de Credores

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

AGRAVANTE: HELIO DANIEL DOS SANTOS DA SILVEIRA

AGRAVADO: EMPRESA URBANIZADORA RODOBRAS LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por HELIO DANIEL DOS SANTOS DA SILVEIRA em face da decisão que homologou o plano de recuperação judicial da empresa URBANIZADORA RODOBRÁS LTDA.

Em suas razões recursais, a parte agravante asseverou qua a homologação do plano se deu sem a devida análise de critérios de legalidade e razoabilidade, pois contem disposições excessivamente onerosas para o trabalhador. Insurge-se contra a subdivisão de credores dentro de uma classe alegando disparidade, assim como se insurge contra o deságio aplicado pela recuperanda para pagamento dos credores trabalhistas. Referiu que o plano modificativo, trazido pela empresa horas antes da assembleia trouxe prejuízo aos credores, pois as alterações agregaram perda financeira e deságio. Alega violação ao art. 53, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005. Informou que a solução adequada, em consonância com a base principiológica da Lei n. 11.101/2005, seria o encerramento da assembleia geral de credores, sem deliberação sobre o plano modificado e a convocação de uma nova, para tal finalidade, após a publicação do edital de aviso aos credores (art. 53 da Lei n. 11.101/2005) e de concessão do prazo legal para conhecimento da proposta. Insurge-se também com a forma de pagamento em dação em pagamento, mediante a entrega de terrenos defendendo que seu crédito decorre de trabalho, com caráter alimentar e que deve receber em pecúnia. Insurge-se contra a cláusula que retira seu direito de ação, junto a Justiça do Trabalho. Defendeu que o plano de recuperação proposto não atendente os princípios norteados pela Lei 11.101/05, ferindo a boa-fé que deve respaldar qualquer negócio jurídico. Pugnou, assim, pela concessão de efeito suspensivo. No mérito, requereu o provimento do recurso, para o fim de anular as alterações trazidas no novo plano modificativo, especialmente em relação ao deságio, até que se realize nova assembleia com demonstração das novas condições impostas e sua viabilidade, a declaração de nulidade da cláusula que ofende o direito de ação do trabalhador, bem como a declaração de nulidade da cláusula que prevê o pagamento aos trabalhadores mediante entrega de lotes com o custeio das despesas referentes ao imóvel como condição para o recebimento do crédito.

Indeferido o pedido de efeito suspensivo (evento 5, DESPADEC1).

Foram oferecidas contrarrazões pela recuperanda no evento 11, CONTRAZ1.

O Administrador judicial opinou pela manutenção da decisão (evento 15, PARECER1).

O Ministério público opinou pelo provimento do recurso (evento 18, PARECER1).

Os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de agravo de instrumento interposto em face da decisão que homologou o resultado da assembleia geral de credores, concedendo a recuperação judicial a parte agravada

A decisão recorrida tem o seguinte teor (evento 2154):

Vistos etc.

Como dito na decisão do Evento 2072, item “3.c”, no Evento 2069, o administrador judicial noticiou a aprovação do Plano de Recuperação Judicial na Assembleia Geral de Credores que findou em 06-07-2022.

Intimado, o Ministério Público não se opôs, acostando a manifestação do Evento 2102.

Passo, assim, a analisar a questão.

Ao regular a Recuperação Judicial, a Lei nº 11.101/2005 submete à vontade da coletividade diretamente interessada na realização do crédito (os credores) a faculdade de opinar e autorizar os procedimentos de restabelecimento econômico da sociedade empresária em dificuldades, chegando-se a uma solução de consenso – ou, em caso de ser impossível o consenso, decidindo-se pela via da falência.

De tal circunstância decorre que, de regra, não cabe ao juízo imiscuir-se na manifestação de vontade soberana dos credores, alterando o teor do plano de recuperação judicial (PRJ) apenas porque um ou poucos credores ficaram descontentes (o que é até mesmo esperado).

Aliás, não é incomum que, em um grupo envolvendo diversos credores, cada qual com interesses particulares, não se possa chegar a uma decisão unânime, razão pela qual a LFRE estabelece percentuais mínimos de cada classe de credores para que seja possível a aprovação do PRJ.

Logicamente, não há falar-se em impossibilidade de interferência judicial nas decisões da AGC, mas tal somente é possível em situações/hipóteses expressamente autorizadas por lei (e.g. artigo 58, § 1º, LFRE).

Assim, é possível reconhecer a invalidade de alguns trechos das decisões da AGC, já que tais decisões são verdadeiros negócios jurídicos e, como tais, submetem-se às exigências legais: “I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” (artigo 104 do Código Civil).

Há, ainda, possibilidade de inobservância, pela AGC, de requisitos dispostos na própria LFRE, na Constituição Federal, nos princípios gerais de Direito, hipóteses em que a interferência judicial também será justificável e recomendável.

Como já observou a Ministra Nancy Andrighi, no corpo do acórdão do Resp nº 1314209/SP, julgado em 22-05-2012:

“A decretação de invalidade de um negócio jurídico em geral não implica interferência, pelo Estado, na livre manifestação de vontade das partes. Implica, em vez disso, controle estatal justamente sobre a liberdade dessa manifestação, ou sobre a licitude de seu conteúdo.”

Acerca da “interferência” do Poder Judiciário nas decisões das Assembleias Gerais de Credores, o STJ tem decidido no seguinte sentido:

RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. EDITAL DE INTIMAÇÃO. IRREGULARIDADE FORMAL. INEXISTÊNCIA. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO. DESNECESSIDADE. CREDOR FIDUCIÁRIO. RENÚNCIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DA VIABILIDADE ECONÔMICA. [...] 2. Somente se pronuncia a nulidade do ato com a demonstração de efetivo prejuízo, o que não ocorre quando descumprido o prazo exigido para a realização de primeira convocação nem sequer instalada. 3. As deliberações a serem tomadas pela assembleia de credores restringem-se a decisões nas esferas negocial e patrimonial, envolvendo, pois, os destinos da empresa em recuperação. Inexiste ato judicial específico que exija a participação do advogado de qualquer dos credores, razão pela qual é desnecessário constar do edital intimação dirigida aos advogados constituídos. 4. É possível ao credor fiduciário renunciar aos efeitos privilegiados que seu crédito lhe garante por força de legislação específica. Essa renúncia somente diz respeito ao próprio credor renunciante, pois o ato prejudica a garantia a que tem direito, sendo desnecessária a prévia anuência de todos os outros credores quirografários. 5. As decisões da assembleia de credores representam o veredito final a respeito dos destinos do plano de recuperação. Ao Judiciário é possível, sem adentrar a análise da viabilidade econômica, promover o controle de legalidade dos atos do plano sem que isso signifique restringir a soberania da assembleia geral de credores. 6. Não constatada nenhuma ilegalidade evidente, meras alegações voltadas à alteração do entendimento do Tribunal de origem quanto à viabilidade econômica do plano de recuperação da empresa não são suficientes para reformar a homologação deferida. 7. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1513260/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 10/05/2016) (grifei);

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1314209/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 01/06/2012) (grifei).

Igualmente, ao analisar os requisitos dos atos jurídicos, em se tratando de questões envolvendo Recuperação Judicial, deve o Juízo ter em mente que um dos princípios da Lei nº 11.101/2005, e um dos objetivos é, justamente, oportunizar que a empresa que se submete ao procedimento legal e, portanto, se encontra em situação financeira precária, venha a recuperar-se economicamente.

Aliás, o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005 é de uma clareza ímpar quanto aos objetivos da recuperação judicial:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

O Ministro Antônio Carlos Ferreira, Relator do AgRg no CC nº 129.079-SP, julgado em 11-03-2015, ao proferir seu voto, foi claro: “O objetivo da recuperação judicial é a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, a teor do art. 47 da Lei n. 11.101/2005.”

Também já foi destacada a ponderação de Farias e Rosenvald (in Direitos Reais. 2006. p. 200-201) que, ao disporem acerca da função social, explicam que deve ser afastada a conduta individualista que não...

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