Acórdão nº 51879387720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo51879387720228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003089735
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5187938-77.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo em execução interposto por BENHUR OLIVEIRA DE MATTOS, inconformado com a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Execução Criminal Regional de Caxias do Sul, no bojo do processo de execução nº 0004935-82.2018.8.21.0005, que reconheceu o cometimento de falta grave, consistente na prática de novo delito, determinando a regressão ao regime fechado, a alteração da data-base para nova progressão de regime para a data da falta, bem como a perda de 1/3 dos dias remidos, incluindo aqueles ainda não declarados (3.2 fls. 310/311).

Em suas razões, o agravante sustentou inviável o reconhecimento da falta grave sem trânsito em julgado de sentença condenatória, homenageando-se os postulados da presunção de inocência e ampla defesa. Ademais, argumentou que a regressão ao regime mais gravoso anteciparia juízo de valor acerca da conduta desviada, impossibilitada, ainda, a alteração da data-base e a perda dos dias remidos. Requereu, assim, o provimento do recurso, fins de afastar o reconhecimento da falta grave e os consectários legais aplicados. De modo subsidiário, pugnou pelo afastamento da decretação da perda dos dias remidos não declarados judicialmente, bem assim pela diminuição da fração estabelecida na decisão hostilizada (3.2 fls. 332/338).

O Ministério Público, em contrarrazões (3.2 fls. 342/346), pugnou pelo desprovimento do agravo.

Mantida a decisão hostilizada (3.2 fl. 350), subiram os autos a esta Egrégia Corte.

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do agravo (10.1).

Vieram os autos conclusos a esta Relatoria.

É o relatório.

VOTO

O voto é no sentido de dar parcial provimento ao recurso.

DA CONDUTA FALTOSA

Extrai-se dos presentes autos e do processo de execução penal nº 0004935-82.2018.8.21.0005 (SEEU) que o apenado BENHUR OLIVEIRA DE MATTOS resultou condenado a cumprir penas que somam 14 anos, 05 meses e 20 dias de reclusão, pela prática de crimes de roubo, iniciando o cumprimento da expiação em 10/01/2018, em regime fechado.

Em 11/11/2021, o apenado viu deferida a progressão ao regime semiaberto e, ato concomitante, a sua inclusão no sistema de monitoramento eletrônico (SEEU, seq. 217.1). No prosseguir, sobrevindo a informação de que o reeducando resultou preso em flagrante no dia 15/12/2021 pela suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (SEEU, seq. 234.1) e, posteriormente, noticiada a prolação de sentença condenatória (SEEU, seq. 264.1), o Ministério Público requereu o reconhecimento da falta grave, com aplicação dos consectários legais (SEEU, seq. 267.1).

Em sequência, a Magistrada da Execução dispensou a instauração do PAD e deixou de designar audiência de justificação, na medida em que já havida a abertura e a conclusão de expediente dirigido à verificação do episódio tipificado como crime na esfera processual penal, com a salvaguarda de acesso, ao investigado, à produção de provas, defesa técnica e contraditório (SEEU, seq. 276.1). No ponto, ainda que inexistente insurgência defensiva, registro que a oitiva do apenado em audiência de justificação para apuração do ilícito disciplinar mostrava-se mesmo desnecessária. Com efeito, restaram preservados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, porquanto na ação penal instaurada contra o agravante por conta do novo fato praticado em 15/12/2021 (processo nº 5001270-31.2022.8.21.0005), houve o pleno exercício dos aludidos preceitos constitucionais, exercida, em sua plenitude, a autodefesa, a condenação já transitada em julgado, inclusive.

Aliás, acerca da desnecessidade de designação de audiência de justificação quando prolatada sentença condenatória no processo-crime, tal qual ocorre no caso, o Eg. Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 758 de Repercussão Geral, firmou a seguinte tese, em ata de julgamento publicada em 08/01/2021:

O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave.

Dito isso, oportunizada a manifestação da defesa, o Juízo da Execução reconheceu o cometimento de conduta faltosa, consistente na prática de fato previsto como crime doloso. Por consequência, determinou a regressão do apenado ao regime fechado, a alteração da data-base para o dia do cometimento do fato novo e a perda de 1/3 dos dias remidos, incluindo aqueles ainda não declarados (3.2 fls. 310/311).

Contra aludida decisão, insurge-se a defesa.

Ocorre que o cometimento de fato previsto como crime doloso, tal qual está no art. 52, primeira parte, da Lei de Execução Penal, constitui falta grave. Para além disso, conforme consolidado na Súmula nº 526 do Superior Tribunal de Justiça1, prescindível o trânsito em julgado da sentença condenatória no processo penal, fins de caracterização da transgressão em comento, inocorrente ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência.

E, a teor da mais abalizada doutrina, não é preciso que a prática de fato definido como delito doloso seja, efetivamente, julgado em definitivo. Fosse assim, prejudicaria - e muito - o curso da execução. Portanto, basta o cometimento do ato, que poderá ser avaliado pelo juiz das execuções para fins de eventual regressão ou para cortar um benefício (NUCCI, Guilherme de Souza, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, volume 2, 10ª edição, revista, atualizada e ampliada, Editora Forense, 2017, p. 255).

Nesse sentido, ademais, em aresto transitado em julgado no dia 31/11/2021, nos autos do RE 776823, a Suprema Corte firmou o TEMA 758, de Repercussão Geral, nos seguintes termos: O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave.

Assim, no reverso da intelecção defensiva, prescindível a existência de sentença condenatória definitiva fins de caracterização da conduta faltosa consistente na prática de fato previsto como crime doloso, figurando-se indispensável, fins de apuração da falta disciplinar, a observância aos postulados do contraditório e da ampla defesa, mediante realização da audiência de justificação no processo de execução, suprida esta, se caso, por sentença condenatória proferida no âmbito do respectivo processo de conhecimento, que verse sobre a materialidade e autoria do fato imputado.

Esse é o entendimento firmado no E. STJ:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE CRIME NO CURSO DA EXECUÇÃO. ART. 52, CAPUT, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO E DE PROCEDIMENTO APURATÓRIO DE FALTA GRAVE. FATO APURADO EM AÇÃO PENAL. DESNECESSIDADE. NO ENTANTO, É IMPRESCINDÍVEL A OITIVA PRÉVIA DA DEFESA TÉCNICA NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL SOBRE A FALTA GRAVE. RE 776.823/RS. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA N. 758/STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
1. Segundo o disposto no art. 52, caput, da Lei de Execução Penal, constitui falta grave a prática de fato previsto como crime doloso, como no caso em epígrafe.
2. Na espécie, o acórdão impugnado está em consonância com a jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça (Súmula n. 526/STJ), no sentido de que basta o cometimento do crime doloso no curso da execução para o reconhecimento da falta grave, sendo prescindível o trânsito em julgado da condenação para a aplicação das sanções disciplinares.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sedimentada na Súmula n. 533/STJ, firmou-se no sentido de que, para apuração de falta grave eventualmente cometida pelo Reeducando, é imprescindível a instauração de prévio Processo Administrativo Disciplinar, com a observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 972.958/RS, realizado sob o regime da repercussão geral (Tema n. 941), firmou a tese de que "a oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena".
5. Posteriormente, a Suprema Corte, em 04/12/2020, ao julgar o RE n. 776.823/RS, fixou a tese de repercussão geral no sentido de que a instrução durante a execução penal, para fins de reconhecimento da falta grave, poderá ser suprida por sentença criminal condenatória (Tema n. 758/STF).
6. No caso em exame, não obstante por ocasião da instrução processual nos autos da Ação Penal para apuração do novo crime tenha ocorrido a observância do devido processo...

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