Acórdão nº 51909348220218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51909348220218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001524654
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5190934-82.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Bens Públicos

RELATOR: Desembargador ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE ITAQUI

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE ITAQUI contra a decisão interlocutória prolatada nos autos da ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, redigida nos seguintes termos:

No caso dos autos resta evidente que a inércia e resistência do Município de Itaqui em adequar a sede do Conselho Tutelar às necessidades do serviço e aos requisitos regulamentares causam problemas graves às atividades do órgão, acarretando irreparáveis prejuízos aos usuários, sobretudo por tratarem-se de crianças e adolescentes em situação de risco, sendo atendimentos de casos graves e urgentes.

Da análise dos elementos juntados aos autos denota-se presentes os pressupostos autorizadores da medida antecipatória prevista no art. 300 do CPC.

Defiro assim, liminarmente, a tutela antecipada, ao efeito de impor ao Município de Itaqui as seguintes obrigações, sob pena de multa a ser posteriormente arbitrada e bloqueio de valores suficientes para a sua execução por terceiros em caso de descumprimento:

a) no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar o projeto e cronograma de execução - este com prazo não superior a 60 (sessenta) dias - das obras de reforma e adequação da sede do Conselho Tutelar deste Município, atendendo aos requisitos da Resolução Nº 170, de 10 de dezembro de 2014;

b) executar as obras de reforma e adequação da sede do Conselho Tutelar deste Município, conforme projeto e cronograma de execução apresentados em atenção ao item "a";

c) no prazo de 90 (noventa) dias, dotar o Conselho Tutelar de Itaqui de todos os insumos, serviços, equipamentos e afins previstos no art. 4º da Resolução nº 139/2011 do CONANDA, em especial veículo, computadores, webcams, internet, condicionadores de ar adequados ao ambiente, telefone, e telefones celulares adequados ao desempenho de suas funções.

Em suas razões, discorreu sobre os trâmites havidos com o Ministério Público para tratar das reformas e melhorias na sede do Conselho Tutelar de Itaqui, diante da denúncia de inadequação das instalações físicas para o atendimento aos usuários. Afirmou que a ação foi ajuizada mesmo sabendo o agravado que a obra estava em andamento, que o local foi ampliado e que alguns materiais estavam sendo adquiridos para a finalização das obras. Impugnou a assertiva de que desde 2017 o município não havia apresentado solução satisfatória, pois o próprio autor da ação pediu o arquivamento do expediente quando constatou que a situação não era tão caótica. Afirmou que não estão presentes os requisitos do art. 300 do CPC a ensejar o deferimento da tutela de urgência, e que a medida liminar esgota o objeto da ação, afrontando o disposto no art. 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/92. Arguiu ausência de interesse processual do Ministério Público, pois não há outra diligência após a data de 18.08.2021 para apurar se a situação inicialmente narrada persistiria. Invocou ofensa ao princípio da separação dos poderes, ressaltando a discricionariedade da administração pública na definição de prioridades orçamentárias, notadamente em razão da escassez de recursos financeiros causada pela pandemia de COVID-19. Sustentou a desproporcionalidade da medida coercitiva, bem como a impossibilidade de cumprimento no exíguo prazo concedido, devendo ser ampliado. Pediu a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso.

Deferido o efeito suspensivo, não foram apresentadas contrarrazões.

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Felipe Brack, apresentou parecer pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas, conheço do recurso pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Destaco que a matéria devolvida à apreciação desta Corte se refere à pretensão de modificação da decisão que deferiu o pedido liminar em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público para determinar a apresentação de projeto e cronograma de execução das obras de reforma da sede do Conselho Tutelar do Município de Itaqui, no prazo de 30 e 60 dias, respectivamente, bem como executar as obras previstas e dotar o local com insumos, serviços, equipamentos e veículo no prazo de 90 dias.

Quando do recebimento do recurso, proferi a seguinte decisão que ora submeto ao crivo dos eminentes Colegas:

(...)

Compulsando o presente instrumento, adianto que se fazem presentes os requisitos do art. 1019, I, do CPC, aptos a autorizar a concessão de efeito suspensivo à decisão agravada.

Explicito.

De início, cumpre frisar a atribuição do Poder Judiciário na efetivação dos direitos individuais e coletivos de estatura constitucional, tendo em vista a índole vinculativa da norma constitucional e a primazia da Constituição da República.

No entanto, eventual ordem judicial de obrigação à Administração Pública, como na espécie, interferindo no gerenciamento das medidas administrativas de competência do Poder Executivo Municipal, determinando a apresentação de cronograma, execução das reformas e aquisição de insumos para o Conselho Tutelar de Itaqui, demanda a aferição da ocorrência de arbitrariedade na sua recusa por parte do gestor público quanto à realização de tais obras de sua responsabilidade, a fim de evitar a ofensa à separação dos Poderes.

Neste sentido o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 581352-AM, da lavra do e. Min. Celso de Mello, verbis:

“(...)

Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.

(...)

Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.

(...)

Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.

É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.”

(grifos no original)

De igual forma, o precedente nos autos do AI 734487 AgR, da então Min. Ellen Gracie, verbis:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.
(AI 734487 AgR, Relator(a): Min.
ELLEN GRACIE,...

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