Acórdão nº 51943788920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51943788920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002797611
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5194378-89.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

AGRAVANTE: JEAN ROLEM COSTA JESUS

AGRAVADO: ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRICOLA

AGRAVADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL

AGRAVADO: MBM SEGURADORA SA

RELATÓRIO

JEAN ROLEM COSTA JESUS interpõe agravo de instrumento da decisão proferida nos autos da ação de obrigação de fazer c/c pedido de antecipação de tutela que move em desfavor de ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRICOLA e OUTROS, no seguinte teor:

Vistos.

Defiro a gratuidade judiciária à parte autora.

Trata-se de ação ajuizada sob o fundamento do significativo comprometimento da renda da parte autora frente às obrigações existentes.

A esse respeito, o ordenamento jurídico vigente atualizou o Código de Defesa do Consumidor, conferindo procedimento especial de tratamento do superendividamento. Para tanto, os fatos narrados na inicial indiciam a subsunção no referido texto legal, oportunizando, primordialmente, a revisão e repactuação da(s) dívida(s) discriminada(s) na peça inicial, amparada no artigo 104-B, recentemente incluído pela Lei nº 14.181, de 2021.

DA TUTELA DE URGÊNCIA

INDEFIRO o requerimento de tutela de urgência pelas razões que passo a expor:

O tratamento contemplado na Lei n. 14.181/21 destina a tutela legal para preservação precípua do mínimo existencial sem a concessão, como regra, do perdão de dívidas ou do prazo de suspensão da exigibilidade do pagamento.

Daí por que a irresignação atinente ao montante dos encargos contratuais é matéria meritória que será apreciada após o contraditório da ação fundada no superendividamento do consumidor na fase processual final.

A Lei do Superendividamento (14.181/2021) é uma lei especial, que trouxe um novo paradigma ao ordenamento jurídico, atualizando e incluindo dois novos capítulos no Código de Defesa do Consumidor, o Capítulo VI-A, que traz da prevenção e do tratamento do superendividamento, com parâmetros para um crédito responsável e o Capítulo V, que traz da conciliação no superendividamento, dispondo sobre a conciliação em bloco do consumidor de boa-fé com todos os seus credores, para a elaboração de um plano de pagamento das dívidas.

De outro lado, a parte autora não demonstrou a tentativa de conciliação prévia prevista no artigo 104-A do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Nessa senda, suspendo o processamento do presente feito, e determino a remessa ao dos autos ao CEJUSC de Lajeado, para realização de audiência de conciliação, consoante determina o artigo supracitado.

Nos termos do art. 98, § 5º, do CPC, é possível que a parte, mesmo sendo beneficiária de AJG, arque com os custos de alguns atos processuais.

Desse modo, sem prejuízo da concessão do benefício, considerando que é de seu interesse a conciliação, determino a INTIMAÇÃO da parte autora para que realize o depósito judicial de 02 URC´s para remuneração do trabalho dos conciliadores.

Salienta-se que, em caso de não realização do ato ou na hipótese de ausência de acordo/entendimento, o valor deverá ser restituído às partes, o que resta, desde já, autorizado.

Comprovado o depósito, REMETAM-SE os autos ao CEJUSC de Lajeado para inclusão do feito em pauta.

CITEM-SE as rés para comparecerem à audiência de conciliação prévia, acompanhado de advogado, e para, querendo, oferecer contestação e reconvenção (art. 334, caput e §9º, do NCPC). Observe-se quanto à citação a Resolução n° 1122/2016 - COMAG.

O prazo de contestação, de 15 dias, será contado a partir da data da audiência, independentemente de pedido de cancelamento desta pela parte ré, já que, no caso, a parte autora não manifestou, na inicial, expresso desinteresse na sua realização (§§ 4º, I, e 5º do art. 334 do NCPC).

Do mandado também deverá constar a advertência à parte ré de que, não oferecida contestação, no prazo legal, será considerada revel, presumindo-se verdadeiros os fatos afirmados na inicial, cuja cópia integral deverá instruir o mandado.

Também deverá a parte ré ser advertida de que o não comparecimento injustificado será considerado ato atentatório à dignidade da justiça e sancionado com multa de até 2% sobre o valor da causa (art. 334, §8º, do NCPC).

Intime-se a parte autora, por seu advogado, advertida das penas para o caso de ausência injustificada (art. 334, §3º, do NCPC).

Diligências legais.

(Dra. CAREN LETICIA CASTRO PEREIRA, Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Estrela).

Em suas razões recursais, a parte agravante sustenta que os diversos empréstimos contratados com as rés culminaram na retenção de 78,18% de sua renda líquida. Refere que os descontos são muito superiores aos limites permitidos por lei tanto no contracheque quanto em sua conta corrente. Assim, postula a autorização da limitação dos descontos consignados ao patamar de 30% sobre o valor mensal líquido que aufere. Requer que seja dado provimento ao recuros nos termos externados.

Recebido o recurso sem efeito suspensivo.

Não foram apresentadas contrarrazões diante da ausência de angularização processual.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES

INÉPCIA DA INICIAL. ARTIGO 330 DO CPC.

A parte agravada MBM SEGURADORA SA, alega que deve ser reconhecida inépcia da inicial, considerando que a parte autora solicitou a limitação de descontos de 30% nos seus rendimentos líquidos em razão de contratos de empréstimos celebrados com a agravada. Assevera que, no entanto, o valor apresentado (R$ 129,30) como descontado pela ré diz respeito a contratos de seguros de vida celebrados. Sendo assim, os pedidos do autor são incompatíveis entre si, logo, a petição deve ser considerada inepta com base no artigo 330, §1º, IV do CPC.

Cumpre observar que a parte autora, ainda que de forma concisa, cumpriu com o disposto no artigo no artigo 330 do CPC, não sendo o caso de inépcia da inicial.

Ademais, tal questão sequer foi submetida ao crivo do juízo de origem, sendo que, por ora, em sede de cognição sumária, mostra-se inviável o acolhimento.

No ponto, preliminar rejeitada.

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO A 30%. IMPOSSIBILIDADE.

De início, cumpre ressaltar que a parte agravante não impugna a autorização para o desconto dos valores, uma vez que reconhece a contratação e autorização para o desconto em folha, todavia, postula a limitação dos descontos em 30% sobre sua renda líquida.

Com efeito, a cláusula que autoriza o desconto em salário é lícita, pois é da própria essência do contrato celebrado entre as partes.

Esta Câmara, em linha com o STJ (AgInt no Resp 1500846/DF, AgInt no AREsp 1427803/SP), passou a adotar o entendimento de que a limitação de desconto de 30% sobre os proventos de verba salarial somente se aplica à folha de pagamento ou conta salário, não se confundindo com a autorização de desconto em conta corrente.

Cito os aludidos julgados:

DESCONTO DE MÚTUO FENERATÍCIO EM CONTA-CORRENTE. AGRAVO INTERNO. JULGAMENTO AFETADO PARA PACIFICAÇÃO NO ÂMBITO DO STJ. DESCONTO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL EM FOLHA E DESCONTO EM CONTA-CORRENTE. HIPÓTESES DIVERSAS, QUE NÃO SE CONFUNDEM. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IMPOSSIBILIDADE. CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. CARACTERÍSTICA. INDIVISIBILIDADE DOS LANÇAMENTOS. DÉBITO AUTORIZADO. REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO, COM TODOS OS CONSECTÁRIOS DO INADIMPLEMENTO. FACULDADE DO CORRENTISTA, MEDIANTE SIMPLES REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.

1. Em se tratando de mero desconto em conta-corrente - e não compulsório, em folha, que possui lei própria -, descabe aplicação da analogia para aplicação de solução legal que versa acerca dos descontos consignados em folha de pagamento.

2. No contrato de conta-corrente, a instituição financeira se obriga a prestar serviços de crédito ao cliente, por prazo indeterminado ou a termo, seja recebendo quantias por ele depositadas ou por terceiros, efetuando cobranças em seu nome, seja promovendo pagamentos diversos de seu interesse, condicionados ao saldo existente na conta ou ao limite de crédito concedido. Cuida-se de operação passiva, mediante a qual a instituição financeira, na qualidade de responsável/administradora, tem o dever de promover lançamentos.

3. Por questão de praticidade, segurança e pelo desuso do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o cliente centraliza, na conta-corrente, todas suas rendas e despesas pessoais, como, v.g.,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT