Acórdão nº 51947896920218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51947896920218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001553830
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5194789-69.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Taxa de Licenciamento de Estabelecimento

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE SANTO CRISTO

AGRAVADO: HICKMANN & HICKMANN LTDA

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE SANTO CRISTO, nos autos da execução fiscal ajuizada em desfavor de HICKMANN & HICKMANN LTDA., da decisão que indeferiu o pedido de redirecionamento.

Em suas razões, aduziu que a empresa teria encerrado suas atividades de maneira irregular, já que possuiria débitos. Argumentou que o redirecionamento da execução em relação aos sócios seria plenamente cabível, considerando a redação da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça. Sustentou que, tendo a empresa encerrado suas atividades, não haveria expectativa de recebimento do débito com a expropriação de bens referente ao seu CNPJ, pelo que o redirecionamento seria medida plausível para garantir a execução. Nesses termos, pediu, liminarmente, a concessão de efeito suspensivo à execução e, no mérito, o provimento do recurso.

Foi indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo.

Não houve contrarrazões.

O Parquet opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade, e passo a seu exame.

Cuida-se de execução fiscal ajuizada pelo MUNICÍPIO DE SANTO CRISTO em desfavor de HICKMANN & HICKMANN LTDA., no valor originário de R$ 1.291,14, em decorrência de crédito tributário relacionado a ISS variável e taxa de fiscalização.

No curso dos autos, após sucessivas tentativas frustradas de penhora, o ente público alegou ter realizado vistoria in loco e identificado que a empresa executada teria encerrado as suas atividades no Município. Dessa forma, pleiteou o redirecionamento da execução aos seus sócios.

O juízo de origem indeferiu o pedido, enfatizando que, "[...] para a verificação de dissolução irregular da empresa, imperiosa a certidão firmada por Oficial de Justiça".

Inconformado, o ente municipal interpôs o presente recurso.

Pois bem.

Não merece trânsito o recurso.

Primeiramente, os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional estabelecem, para a hipótese de débitos tributários, a responsabilização dos sócios da pessoa jurídica alvo da execução, verbis:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Grifei.

Quando o fundamento para o pedido de responsabilização dos sócios é a dissolução irregular da sociedade empresária, há subsunção a essa hipótese normativa na medida em que o encerramento das atividades empresariais sem a observância das formalidades legais constitui “infração de lei”.

A responsabilidade dos sócios, nesses casos, é pessoal, em razão de atos por eles praticados na administração da sociedade (encerramento irregular da atividade social).

Não se trata de responsabilidade originária da pessoa jurídica e posteriormente transferida aos sócios em razão de situação de abuso da personalidade da empresa, na forma do artigo 50 do Código Civil, quando, aí sim, seria exigida a instauração do incidente, consoante explicitado pela ilustre Des. Lúcia de Fátima Cerveira (AI n. 70070493481, julgado em 28/09/2016).

Nesse contexto, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto pelo Código de Processo Civil de 2015 é incompatível com o procedimento das execuções fiscais.

A principal consequência do incidente é a suspensão do processo, na forma do artigo 134, § 3°, do Código de Processo Civil. As hipóteses taxativas de suspensão do crédito tributário e, consequentemente, da respectiva execução fiscal, todavia, estão elencadas no artigo 151 do Código Tributário Nacional, e dentre elas não consta a instauração do incidente.

Não bastasse, a defesa do devedor em executivo fiscal possui procedimento próprio e pressupõe, para que haja dilação probatória, a segurança do juízo, na forma do artigo 16, § 1°, da Lei de Execução Fiscal. Assim, em caso de redirecionamento da execução em desfavor dos sócios, é lícita a oposição de embargos para formulação da defesa, sendo desnecessária a instauração de incidente próprio para tanto.

Nesse passo, inclusive, a Escola Nacional de Formação de Magistrados - ENFAM aprovou o enunciado n. 53, com a seguinte orientação: “O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015”.

A corroborar, seguem julgados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PEDIDO DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM DESFAVOR DOS SÓCIOS. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTS. 133 A 136 DO CPC/15. REGRA NÃO APLICÁVEL ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. A responsabilidade dos sócios-administradores pelo pagamento do tributo decorre do disposto no art. 135, inc. III, do Código Tributário Nacional. A dissolução irregular da sociedade empresária subsume-se a essa hipótese normativa por acarretar afronta à legislação vigente. Responsabilidade tributária por ato próprio dos sócios que não se confunde com o instituto dadesconsideração da personalidade jurídica. Incidente de desconsideração que, ao depois, é incompatível com o procedimento da execução fiscal, em razão da taxatividade das hipóteses de suspensão do crédito fiscal e da respectiva execução (art. 151 do CTN). Ausência de prejuízo ao contraditório e à ampla defesa, que podem ser exercidos em sede de embargos à execução, após devidamente garantido o juízo. Pedido de redirecionamento da execução em desfavor dos sócios que deve ser processado nos próprios autos da execução fiscal. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70069976454, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 28/09/2016).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA SÓCIO. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PREVISTO NO CPC. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. SÚMULA 435 DO STJ. 1. Inaplicáveis, às execuções fiscais, as disposições sobre desconsideração da personalidade jurídica previstas no Novo Código de Processo Civil, notadamente em razão de sua incompatibilidade de com a Lei das Execuções Fiscais, o que, por incidência do princípio da especialidade, leva à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Responsabilização dos sócios-administradores que tem previsão no art. 135 do Código Tributário Nacional, o qual não trata de desconsideração da personalidade jurídica, mas, sim, de responsabilidade pessoal e direta dos sócios-administradores por seus atos, ou seja, pelos atos praticados com excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Aplicação, a título ilustrativo, do Enunciado nº 53 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), no qual foi firmada conclusão no sentido de que "O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015". 2. Se a pessoa jurídica deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social, arquivado na Junta Comercial, sem comunicação ao órgão competente, tem-se por presumida a dissolução irregular, aplicando-se o art. 135, inc. III, do CTN, e a Súmula 435 do STJ. 3. Hipótese em que o agravante comprovou que a empresa não mais funciona no endereço constante dos autos constitutivos, estando inclusive baixada junto à Receita Federal. Possibilidade de inclusão do sócio-gerente no polo passivo da execução. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070045174, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 22/09/2016).

Por conseguinte, a desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com o redirecionamento da execução fiscal em desfavor dos sócios.

Ademais, a responsabilidade dos administradores ou sócios-gerentes não é objetiva, mas subjetiva, pelo que, antes do redirecionamento da execução, deve ser comprovado pelo credor que o houve a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Em não havendo a comprovação dos referidos atos, não podem os sócios ser responsabilizados pelo pagamento das dívidas da sociedade empresária.

O Superior Tribunal de Justiça tem permitido o...

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